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O filho que perdeu

Mário Ferreira, ou Mário Evaristo como o conhecem em Alpiarça, não quer fotografias. Quer uma cópia da gravação da conversa que começa com uma declaração: "Sou apartidário e tudo aquilo que eu disser é uma realidade. Não estou comprado nem vendido".

15 de Fevereiro de 2010 às 11:46
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Mário Ferreira, ou Mário Evaristo como o conhecem em Alpiarça, não quer fotografias. Quer uma cópia da gravação da conversa que começa com uma declaração: "Sou apartidário e tudo aquilo que eu disser é uma realidade. Não estou comprado nem vendido".


Esta é a história de um trabalhador que ficou, aos olhos de muito, como o ocupador das terras onde era feitor. Mas Mário Ferreira garante que o fez a pedido do patrão. Um segredo partilhado entre os dois (patrão e empregado) e guardado até há poucos anos.

"Nunca seria capaz de apunhalar nenhuma daquela gente pelas costas". João Catarino Duarte contratou-o como motorista particular em 1966. Tratava-o como se da família fosse. O mesmo aconteceu, depois, com o filho Jacinto Duarte, que o tornou feitor. Veio o 25 de Abril ("eu desejei que ele tivesse vindo"), que apanhou o patrão endividado (por causa de umas terras que tinha comprado). Para agravar a situação, a geada negra queimou as vinhas.

Jacinto Duarte só via uma solução. Mário Ferreira continua o relato, citando Jacinto Duarte: "Não tenho hipóteses de continuar com isto e eu vou-me embora. Vê se me aguentas aqui isto que eu não posso vir mais para cá". Mário Ferreira ficou com o filho nos braços, depois de ter percebido que não poderia comprar as terras. A ocupação era a saída mais fácil. As dívidas desapareceriam.

"Ele diz-me que tinha de passar por uma ocupação". Mário Ferreira, relutante, mas a pensar nos trabalhadores que ficariam sem emprego, teve de convencer os colegas a tomarem as terras, até reunir o número suficiente para constituir a cooperativa Unidade. "Tive um trabalho árduo, árduo mesmo, para convencer aquela gente". O Ministério da Agricultura tomou nota da ocupação e até as Forças Armadas foram à propriedade, que, no entanto, não tinha os pontos suficientes (as terras eram ocupadas por um sistema de pontuação) para integrar o processo da reforma agrária.

"Os primeiros dinheiros fui eu que ia pagando". Até que as culturas (já não apenas vinha) começaram a dar para sustentar as terras. "Nunca mais tive um dia de férias. Trabalhei noite e dia", diz Mário Ferreira, comovendo-se com as recordações e com as injustiças. A cooperativa acabará por comprar as terras aos ex-patrões. E nunca mais os viu. Ao fim de nove anos estavam pagas.

Até que alguns cooperantes começaram a falar em vender as propriedades ou dividi-las. "Só matando-me. Os melhores anos da minha vida passei-os todos aqui". Ao todo, foram 18 anos. Até que nos anos 80 tudo foi entregue à Câmara de Alpiarça. "E sai. Não quis lá ficar". Ainda voltou, passados 13 anos, a ficar à frente da cooperativa durante dois anos. Novamente a palavra injustiça e as lágrimas. "Pela primeira vez aos 62 anos sou despedido daquilo que poderia ser meu... daquilo que eu dei". E que, segundo conta, deixou a dar lucro. As terras, algumas, já foram vendidas. "Por este andamento, acabam com o meu menino".


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