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Morreu a economista Teodora Cardoso
Economista, primeira mulher na administração do Banco de Portugal e primeira presidente do Conselho de Finanças Públicas, morreu no sábado aos 81 anos. Velório é terça-feira em Lisboa e funeral tem lugar no dia seguinte.
A economista e primeira presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso, morreu este sábado em Lisboa aos 81 anos, disse à Lusa fonte do Banco de Portugal, instituição onde trabalhou durante quase duas décadas (de 1973 a 1992) no Departamento de Estatística e Estudos Económicos e depois como administradora.
O velório terá lugar esta terça-feira, 12 setembro, a partir das 19h00, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa. A missa realiza-se no dia seguinte, 13 de setembro, às 11h30, seguindo o cortejo fúnebre para o Crematório dos Olivais, às 12h00.
Nascida em Estremoz, veio para Lisboa com três anos e foi na capital que fez toda a vida de estudante e profissional. Licenciou-se em Economia no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, o atual ISEG. Antes de entrar para o Banco de Portugal passou pela Fundação Calouste Gulbenkian, onde durante cinco anos se dedicou à investigação na área económica.
Com vasta experiência em macroeconomia, política monetária e economia internacional, passou pelo Conselho Consultivo do Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP) e em 2001 integrou a Estrutura para a Reforma da Despesa Pública. Negociou com o FMI no Comité de Governadores da Comunidade Europeia, e na representação ministerial envolvida na redação da proposta do Tratado da UE.
Em fevereiro de 2012 coube-lhe a tarefa de ser a primeira presidente do Conselho das Finanças Públicas, uma entidade independente criada na sequência do programa de ajustamento financeiro com a missão de acompanhar e avaliar a condução das finanças públicas do país. Com Portugal sob intervenção da Troika, na sequência do pedido de ajuda internacional, Teodora Cardoso acompanhou de perto esse período conturbado.
Presidiu ao CFP entre 2012 e 2019, ano em que foi substituída no cargo por Nazaré da Costa Cabral. Terminado o mandato, foi condecorada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.
Profunda conhecedora das áreas a que dedicou a sua vida profissional, muitas vezes apontada como a mulher forte da economia, nunca se coibiu de dar as suas opiniões e de criticar sempre que achava que o devia fazer, cultivando uma postura de grande independência. Em 2019, numa entrevista ao Negócios, traçava um retrato dos ministros das Finanças:
"No geral, temos tido bons ministros das Finanças. (...) O problema é que estão envolvidos num enquadramento que os concentra em resultados imediatos. Todos eles. Os resultados imediatos são bons, e enquanto são bons estão felicíssimos. Quando ficam maus, normalmente o Governo cai e o que vem a seguir põe as culpas no anterior e fica tudo satisfeito." E deixava conselhos: Há que olhar menos para o "imediato", fazer a "revisão da despesa", mudar a forma como os investimentos são decididos, e promover o sentido de responsabilização política pelas decisões tomadas.
De calças no Banco de Portugal
Em 2007, numa entrevista de vida, concedida também ao Negócios, dizia de si que sempre teve "jeito para estudar e gostava de estudar". Com a abertura e frontalidade que sempre a caracterizou, revelou também: "sempre fui isolada e continuo a ser um bicho-do-mato".
Gostava de cães - sempre teve um cão, disse na mesma entrevista -, de plantas e de música, sobretudo da Clássica. "Gosto da música que tem uma componente intelectual importante, que exige o cérebro, que exige concentração", explicou.
Relembrando o seu percurso profissional, contou que foi parar ao Banco de Portugal por acidente, em 73. Nessa altura o Banco Central "não queria mulheres" e "só havia mulheres como funcionárias subalternas", mas "precisou de substituir dois técnicos e não tinha homens". Ernâni Lopes, seu amigo de faculdade e então diretor do departamento de Estatística e Estudos Económicos, chamou-a para trabalhar consigo.
"O Banco de Portugal não só era um marasmo como era século XIX no seu pior! Quase inimaginável o que era o ambiente, desde logo reflectido nessa história das mulheres. Que usavam bata", recordou. "As mulheres, quando chegavam da rua, se usavam calças, tinham que mudar para a bata, e andavam de uniforme".
Teodora, que acabaria por ser a primeira mulher na administração do Banco de Portugal e que "durante muitos anos" foi "a única mulher nas reuniões onde estava", sempre usou calças quando bem lhe apeteceu.