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O adeus à mulher-forte da economia

Considerava-se um “bicho-do-mato” que gostava de estudar e ouvir música clássica pelo que exigia do cérebro. Vincou o seu estilo ao usar calças no Banco de Portugal e ao nunca temer represálias pelas análises que fazia. Teodora Cardoso morreu aos 81 anos, este sábado.

Teodora Cardoso foi a primeira mulher na administração do Banco de Portugal.
Teodora Cardoso foi a primeira mulher na administração do Banco de Portugal. José Sena Goulão/Lusa
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Nascida em Estremoz, veio para Lisboa com três anos e foi na capital que fez toda a vida de estudante e profissional. Teodora Cardoso licenciou-se em Economia no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, atual ISEG. Antes de entrar para o Banco de Portugal passou pela Fundação Calouste Gulbenkian, onde durante cinco anos se dedicou à investigação na área económica. Morreu este sábado aos 81 anos.

O velório terá lugar na terça-feira, a partir das 19h00, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Lisboa. A missa realiza-se quarta-feira, às 11h30, seguindo o cortejo fúnebre para o Crematório dos Olivais.

Com vasta experiência em macroeconomia, política monetária e economia internacional, passou pelo Conselho Consultivo do Instituto de Gestão do Crédito Público e em 2001 integrou a Estrutura para a Reforma da Despesa Pública. Negociou com o FMI no Comité de Governadores da Comunidade Europeia, e na representação ministerial envolvida na redação da proposta do Tratado da UE.

Em 2012, coube-lhe a tarefa de ser a primeira presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP), entidade independente criada na sequência do programa de ajustamento com a missão de acompanhar e avaliar a condução das finanças públicas do país. Com Portugal sob resgate da troika, Teodora Cardoso acompanhou de perto esse período conturbado.

Presidiu ao CFP até 2019, ano em que foi substituída no cargo por Nazaré da Costa Cabral. Terminado o mandato, foi condecorada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

Profunda conhecedora das áreas a que dedicou a sua vida profissional, muitas vezes apontada como a mulher-forte da economia, nunca se coibiu de dar as suas opiniões e de criticar sempre que achava que o devia fazer, cultivando uma postura de grande independência. Em 2019, numa entrevista ao Negócios, traçava um retrato dos ministros das Finanças: “Temos tido bons ministros das Finanças. (...) O problema é que estão envolvidos num enquadramento que os concentra em resultados imediatos. Todos eles. Os resultados imediatos são bons, e enquanto são bons estão felicíssimos. Quando ficam maus, o Governo cai e o que vem a seguir põe as culpas no anterior e fica tudo satisfeito.”

De calças no BdP

Em 2007, numa entrevista de vida também ao Negócios, dizia que sempre teve “jeito para estudar”. Com a abertura e frontalidade que a caracterizaram, revelou também: “Sempre fui isolada e continuo a ser um bicho-do-mato”.

Gostava de cães – sempre teve um cão, disse na mesma entrevista –, de plantas e de música, sobretudo clássica. “Gosto da música que tem uma componente intelectual importante, que exige o cérebro, que exige concentração.”

Relembrando o seu percurso profissional, contou que foi parar ao Banco de Portugal por acidente, em 73. Nessa altura o banco central “não queria mulheres” e “só havia mulheres como funcionárias subalternas”, mas “precisou de substituir dois técnicos e não tinha homens”. Ernâni Lopes, seu amigo de faculdade e então diretor do departamento de Estatística e Estudos Económicos, chamou-a para trabalhar consigo. “O Banco de Portugal não só era um marasmo como era o século XIX no seu pior! Quase inimaginável o que era o ambiente, desde logo refletido nessa história das mulheres. Que usavam bata”, recordou. “As mulheres, quando chegavam da rua, se usavam calças, tinham que mudar para a bata, e andavam de uniforme”.

Teodora, que acabaria por ser a primeira mulher na administração do Banco de Portugal e que “durante muitos anos” foi “a única mulher nas reuniões onde estava”, sempre usou calças quando bem lhe apeteceu.

A economista incontornável” com “vida dedicada” ao país

Os que a recordaram sublinharam a independência, rigor e seriedade. O Presidente da República destacou a economista “reconhecida e respeitada” com uma “vida dedicada” ao país e à causa pública.

Também o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, enfatizou “o brilhante percurso de uma economista que esteve ligada à instituição ao longo das últimas cinco décadas”, enquanto o ministro das Finanças. Fernando Medina, recordou a “uma economista incontornável”. “Teodora Cardoso representou e continuará a representar um referencial de seriedade.”

O ex-presidente da República Cavaco Silva frisou a mulher que “contribuiu decisivamente para a consolidação e credibilidade do Conselho das Finanças Públicas”. A Sedes, presidida por Álvaro Beleza, recordou a “Senhora Finanças Públicas” e a Ordem dos Economistas, liderada por António Mendonça, destacou o “papel de relevo na vida económica e cívica do país”.

O desencanto no seu último artigo de opinião

Em abril, a economista escreveu para o Negócios o seu último artigo de opinião com uma análise dura à vulnerabilidade do país. Desapontada pela “sucessão de ‘fait divers’ em que se transformou a política portuguesa, servida pela política económica”, a economista lamentava que a gestão da despesa pública desprezasse o papel do investimento.

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