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Martins da Cruz: "Angola não é o Alentejo"
António Martins da Cruz diz que alguns partidos políticos de esquerda, em especial o Bloco de Esquerda e certos dirigentes do PS, ainda não perceberam que Angola é um país independente.
Qual é o legado que José Eduardo dos Santos deixa a Angola?
O legado de José Eduardo dos Santos tem de ser visto nas circunstâncias dos últimos 38 anos em Angola. Primeiro uma guerra civil desde a independência, em 1975, até 2002, apesar das diferentes tentativas de paz em que Portugal esteve envolvido. Por isso a prioridade foi ganhar a guerra. De 2002 para cá conseguiu, em primeiro lugar, a estabilidade. Em segundo lugar transformou Angola num sistema multipartidário. Em terceiro ganhou a paz e a reconciliação nacional e deu um exemplo único em toda a África. Por exemplo, um general que fazia parte da UNITA é hoje o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas angolanas [Geraldo Sachipengo Nunda]. Depois começou a tarefa de reconstrução do país. Como tal, é preciso analisar o legado de José Eduardo dos Santos no contexto e nas circunstâncias de Angola. Ou seja, o que falta fazer. Houve um problema que é alheio a Angola e ao seu Governo, que foi a quebra do preço do petróleo. E portanto o que é que falta fazer? Falta fazer muita coisa no campo económico-social, seguramente. Simplesmente, Angola tem que ser comparada com os outros países de África e não com os países europeus ou da América do Norte. Angola não pode ser comparada coma Suécia ou a Dinamarca, tem de ser comparada com a Zâmbia, a República Democrática do Congo, República do Congo, Gabão, isto é, com os seus vizinhos. E nesse contexto, Angola tem uma economia e uma estabilidade política que os outros países da região não têm. Ou seja, nós não vemos como na África do Sul escândalos no partido político principal. O ANC (Congresso Nacional Africano) está completamente dividido, até partido em vários partidos e isso não acontece em Angola. Não há assassinatos em massa por motivos religiosos e terroristas como acontece todos os dias na Nigéria, não há senhores da guerra e uma situação de instabilidade permanente como existe, por exemplo, na República Democrática do Congo. É neste quadro que o legado de José Eduardo dos Santos tem de ser analisado. É evidente que há muita coisa que podia ter sido feita, não terá sido possível por diversas razões. Simplesmente, no contexto africano, o legado é positivo pelas razões todas que indiquei.
consultor e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros
Quais devem se as prioridades do novo Presidente de Angola, que ao que tudo indica será João Lourenço?
João Lourenço foi designado candidato a Presidente da República pelas duas instituições incontornáveis em qualquer processo político em Angola, as Forças Armadas e o MPLA, o partido no poder. E tem o apoio dessas duas instituições, o que permitirá seguramente, em primeiro lugar, abrir um novo ciclo político em Angola, mantendo a estabilidade. Em segundo lugar, é óbvio que o novo presidente tem que imprimir uma nova dinâmica à governação. É o que os angolanos e o mundo exterior espera dele. Se há um novo ciclo político pois tem que imprimir uma nova dinâmica. Penso que as prioridades são continuar as infra-estruturas, diversificar a economia por forma a torna-la menos dependente das exportações de petróleo e de diamantes, diversificar no sentido de uma maior industrialização, sobretudo no plano agro-alimentar, para diminuir as importações de alimentos. E em terceiro lugar, continuar os programas sociais, sobretudo de habitação, que o Governo anterior tinha já iniciado com a construção das chamadas novas centralidades. Agora, o novo Presidente vai ter os olhos do mundo inteiro focados nele.
Nesse sentido, terá menos tempo para fazer as coisas?
Não é uma questão de ter menos tempo. Ele vai ser eleito por cinco anos, é o que prevê a Constituição de Angola. Ele herda um país com dificuldades económicas, devido à quebra do preço do petróleo, com dificuldades devido à inflação, mas por exemplo Angola tem uma dívida pública que é um pouco mais de metade da dívida pública portuguesa. Portanto, Angola tem uma enorme capacidade de ir buscar financiamento ao exterior, tem capacidade de poder ultrapassar esta crise e continuar a reconstrução das infraestruturas no plano social, na educação e na saúde. E o que se espera do futuro Presidente é que imprima uma nova dinâmica e que prove estar à altura de governar o país com a estabilidade que herdou, mantendo o regime que existe, ou seja, o respeito pela Constituição, o pluripartidarismo, e se possível mantendo as características da democracia que a a Constituição prevê.
Como perspectiva a evolução das relações bilaterais, atendendo aos problemas de forro judicial que têm havido e a um certo distanciamento político de Portugal para com Angola?
Gostava de citar uma frase que o doutor Jaime Nogueira Pinto, num artigo que escreveu no Expresso sábado passado faz questão em sublinhar. E isto é dirigido a muita gente em Portugal, não só no plano político, mas também da comunicação social, que é o seguinte: "Angola já não é nossa". Angola era nossa até 1975, já não é. Angola é um país independente e parece que há muita gente em alguns partidos políticos de esquerda, designadamente no Bloco de Esquerda, em alguns dirigentes do Partido Socialista e também em alguma comunicação social, que julgam que Angola é o Alentejo. Não é. Angola é um país independente e, portanto, tem de ser desdramatizada a relação entre Portugal e Angola. Acho que esses dirigentes deviam sobretudo preocupar-se com o que se passa na Venezuela onde vivem 350 mil ou 400 mil portugueses. E aí sim, existe uma ditadura marxista controlada pelos cubanos. Não é o caso em Angola. As relações entre Portugal e Angola têm de ser relações Estado a Estado e aqui há uma predominância, em alguns interlocutores, em considerar que têm o direito de dar palpites sobre tudo o que se passa em Angola.
A pergunta era mesmo sobre a evolução dessas relações Estado a Estado.
Essas relações Estado a Estado têm de ser entendidas exactamente nesse plano, tal como são entendidas as relações entre Portugal e os Estados Unidos, Portugal e a França ou Portugal e a Austrália.
As relações do Estado português com Angola têm estado contaminadas pelos pontos de vista que referiu?
As relações entre Portugal e Angola são contaminadas por esses pontos de vista. E penso que alguma comunicação social é responsável, porque aproveita todas as ocasiões para realçar aquilo que pode ser negativo para as relações entre Portugal e Angola. Eu dou um exemplo. O facto de no plano judicial português haver investigações judiciais abertas sobre altos responsáveis políticos de Angola, por exemplo, o vice-presidente, o ministro de Estado e até o próprio procurador-geral da República de Angola. Esse tipo de investigações judiciais devem ficar no recato da procuradoria-geral da República e do sistema judicial e não saltarem para as primeiras páginas dos jornais, o que afecta de sobremaneira as relações bilaterais.
Até agora, nenhum ministro deste Governo visitou Angola sendo que o inverso também é verdadeiro. Há de facto um esfriamento das relações?
A única coisa que posso dizer é esta: quando fui ministro dos Negócios Estrangeiros, o primeiro país que visitei foi Angola, menos de um mês depois de ter tomado posse. E foi nessa visita que foi possível desenhar o mecanismo que fez com que fossem pagas as dívidas às empresas portuguesas que existiam na altura.
De onde se pode deduzir…
Não quero fazer críticas a ninguém. Só estou a dizer o que fiz. Cada um que assuma as suas responsabilidades na relação com Angola.
Angola deve manter-se como uma prioridade da política externa portuguesa?
A política externa portuguesa baseia-se em três pilares fundamentais, a Europa e a nossa participação na União Europeia, as relações com os Estados Unidos, que são a nossa segunda prioridade, porque essa significa a pertença à NATO e a segurança e defesa de Portugal e a terceira prioridade são as relações com o espaço de língua portuguesa. Depois temos vários sub-eixos importantes, como são o Mediterrâneo, a participação nas Nações Unidas, a Ibero-América, mas os três pilares fundamentais são estes. No espaço da língua portuguesa, o país mais importante para Portugal nas relações, quer políticas, quer económicas, quer culturais, é seguramente Angola. Lembro que neste momento vivem em Angola mais de 150 mil portugueses, há oito mil empresas portuguesas que lá estão ou exportam para Angola bens e serviços. Angola é fundamental, não apenas num ponto de vista de política externa, mas também para a economia portuguesa. E é seguramente dos países da CPLP o mais importante para mantermos uma relação privilegiada. Portanto, é preciso cuidar essa relação, acarinhá-la todos os dias, segui-la ao milímetro.
Comunicação Social favoreceu o MPLA
O Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) considerou ontem que órgãos de comunicação "tiveram uma actuação desequilibrada e parcial a favor do MPLA" durante a campanha eleitoral e que por isso "não cumpriram com o seu papel".
A posição foi assumida em declarações à agência Lusa pelo secretário-geral do SJA, Teixeira Cândido, afirmando que a conclusão é fruto da monitoria que o sindicato fez aos órgãos de comunicação social e com os "maiores desequilíbrios" registados, disse, na cobertura da Rádio Nacional de Angola (RNA), Televisão Pública de Angola (TPA) e na televisão privada angolana TV Zimbo.
A campanha eleitoral em Angola arrancou a 23 de Julho e terminou ontem, seguindo-se um dia de reflexão.
O sindicalista informou ainda que o SJA vai produzir o último relatório da campanha eleitoral na terça-feira, tendo sublinhado que o Jornal de Angola foi o órgão de comunicação social público "mais equilibrado".
Realçou que no cômputo geral, a Rádio Ecclesia - Emissora Católica de Angola, apresentou a cobertura "mais equilibrada e independente" da campanha eleitoral.
O secretário-geral do SJA, Teixeira Cândido recordou que aos órgãos de comunicação social está reservado um papel de intermediários, de espaços a partir do qual todos partidos políticos pudessem fazer a sua campanha.