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Mário Soares, o "Kerensky" português que venceu os "vermelhos" e Kissinger  

Mário Soares, fundador do PS, foi olhado com desconfiança pelos EUA, a ponto de o ex-secretário de Estado Henry Kissinger ter cometido o erro de duvidar das suas capacidades em vencer a "ameaça comunista" em Portugal em 1975.

07 de Janeiro de 2017 às 17:35
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Personagem central da Revolução dos Cravos, juntamente com Álvaro Cunhal, líder histórico comunista, Soares, que hoje morreu, foi comparado por Kissinger a Kerensky, o dirigente socialista russo derrotado por Lenine na revolução russa de 1917. Enganou-se.

 

O PS, aliado a forças mais conservadoras, incluindo a Igreja Católica, protagonizou a luta política, nas ruas, contra o PCP e Cunhal, a quem Soares acusou de querer uma ditadura de esquerda em Portugal em 1975 no famoso debate televisivo em que o líder comunista respondeu: "Olhe que não, olhe que não."

 

Kissinger não acreditava, achava Portugal perdido para o lado soviético, a ponto de dizer que isso seria uma "vacina" para evitar que outros países, como Itália e Espanha, virassem à esquerda. Afinal, o Mundo vivia em Guerra Fria, entre os Estados Unidos e União Soviética, e Portugal esteve, por algum tempo, no centro das rivalidades entre Washington e Moscovo.

Kissinger chegou a prever, e errou mais uma vez, que "os comunistas" iam matar, em 1975, Mário Soares.

 

"Os comunistas vão arrastar Soares para a esquerda até ele perder apoio e depois vão matá-lo. As forças armadas vão fazer um golpe de estado sob liderança dos comunistas", afirmou numa reunião, a 04 de fevereiro de 1975, do Comité dos 40, organismo para supervisionar operações clandestinas e que incluía os serviços secretos, a CIA.

 

Anos mais tarde, já depois do fim do período revolucionário, em 1976, numa reunião em Washington, admitiu o erro quanto a Mário Soares, que, na democracia portuguesa, foi primeiro-ministro de vários governos e Presidente da República (1986-1996).

 

Em rota de colisão com Kissinger, Mário Soares teve o apoio do embaixador norte-americano em Lisboa, Frank Carlucci, que esteve ao lado do líder histórico socialista e do grupo dos "moderados", como Melo Antunes e Ramalho Eanes.

 

Em 2006, numa entrevista ao Público, Soares e Carlucci recordaram os tempos da revolução numa das salas da Fundação Luso-Americana, onde funcionava a embaixada os EUA em 1975. O diplomata explicou, uma vez mais, a sua convicção de que Portugal não se tornaria comunista, ao contrário de Kissinger: "Geografia, ligações económicas, NATO, a natureza conservadora de um povo orgulhoso da sua independência e, em quinto lugar, a influência da Igreja."

 

Mas Soares não estava sozinho. Teve a seu lado, na via moderada, os seus amigos europeus, os social-democratas alemães Willy Brandt e Helmut Schmidt, o sueco Olof Palme ou ainda o primeiro-ministro britânico, Harold Wilson, e o influente ministro dos Negócios Estrangeiros, James Callaghan.

 

Se a administração norte-americana, com Richard Nixon e Gerald Ford, tiveram dúvidas quanto a Soares – chegando Kissinger a apelidá-lo de "fraco" – do outro lado a guerra fria, em Moscovo, onde o aliado era, há muito, Cunhal e os comunistas, as desconfianças eram maiores.

 

Como ministro dos Negócios Estrangeiros, Soares esteve na União Soviética em janeiro de 1975 e reuniu-se com o chefe da diplomacia soviética.

 

Andrei Gromyko tentou descansá-lo quanto a eventuais ingerências na revolução portuguesa, mas Soares não regressou a Portugal convencido.

 

De acordo com um relato, arquivado no processo 330/URS, no Arquivo Histórico-Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Soares explicou a Gromyko a situação política em Portugal e alertou que se opunha a qualquer radicalização política.

 

"Duas forças não podem ser esquecidas: a Igreja, comprometida com o antigo regime mas com grande influência, e grupos económicos poderosos do tempo de Salazar e Caetano, onde há quem não queira jogar o jogo democrático", disse Soares.

 

Contra uma radicalização da vida política portuguesa, o chefe da diplomacia portuguesa justificou o lançamento de um programa económico especial com a necessidade de não "afastar capitais" e "tranquilizar as classes médias".

 

Quanto a eventuais ingerências dos soviéticos em Portugal, o ministro soviético repete que a URSS nada faria. "É o direito de cada povo ter simpatia ou antipatia por dado regime", resumiu Gromyko.

 

Numa entrevista a Maria João Avillez, no livro "Soares - Ditadura e Revolução", Soares recordou o que lhe disse Gromyko. E que esta frase do ministro soviético que não o deixou descansado: "Não lhe direi que da parte dos dirigentes do nosso Partido Comunista não haja quaisquer conversas ou entendimentos com o Partido Comunista de que eu não tenha conhecimento."

 

Com a Revolução dos Cravos resolvida a favor de Soares, a partir de 1975, o intelectual e escritor francês André Malraux afirmou, anos depois, que em Portugal, pela primeira vez, os mencheviques derrotaram os bolcheviques.

 

 

 

 

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