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IVA na electricidade afectou cinco vezes mais os pobres do que os ricos

O que aconteceria se o IVA da electricidade regressasse a 6%? Estudo identifica vantagens em toda a linha e até o impacto no défice seria facilmente compensado. BE e PCP defendem medida, mas tão cedo não deverá ver a luz do dia. Tarifa social ajudou a minorar o impacto negativo do aumento.

25 de Julho de 2017 às 22:08
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O agravamento do IVA sobre a electricidade aprovado em 2011 foi uma medida altamente regressiva, que prejudicou principalmente as famílias com rendimentos mais baixos, conclui um estudo recente. Quanto custaria revertê-la?

A análise é assinada por Alfredo Marvão Pereira e Rui Manuel Pereira – professores do Faculdade de William and Mary – e explora os efeitos da subida do IVA de 6% para 23% no arranque do Governo anterior e o que significaria para a economia portuguesa voltar a colocá-la no nível anterior. Um dos principais argumentos para inverter a subida é o facto de esta ter afectado muito mais os agregados familiares com menos meios financeiros.

"Esse é um dos grandes problemas. Se é certo que o aumento do IVA da electricidade afectou adversamente o PIB e o emprego, e orientou os incentivos ambientais na direcção errada, também é certo que os mais afectados foram os consumidores de mais baixos rendimentos", explica Marvão Pereira, em resposta às perguntas enviadas pelo Negócios. "Nós consideramos cinco grupos de rendimento e mostramos que o aumento do IVA prejudica a classe de rendimentos mais baixos quase cinco vezes mais que a classe de rendimentos mais altos."

Temos avançado com outras formas de reduzir a factura eléctrica, mas não com a descida do IVA, que o Governo tem rejeitado. jorge costa
Deputado do BE


Esta diferença de quase cinco vezes entre o impacto nas famílias mais pobres e mais ricas justifica-se pelo facto de o peso dos gastos com electricidade não aumentar em paralelo com a subida dos rendimentos, pelo que qualquer mexida será sempre muito mais relevante para quem está na base da pirâmide – ainda que a tarifa social possa compensar, em parte, esse efeito.

De uma perspectiva mais geral, como seria de esperar, a subida do IVA da electricidade prejudicou a actividade e o emprego, embora tenha permitido um maior equilíbrio face ao exterior, uma vez que a medida desincentiva as importações.

A alternativa ISP
A medida foi tomada em Outubro de 2011, no primeiro ano do Governo de Passos Coelho e Paulo Portas, numa altura em que estava a ser difícil cumprir as metas de défice acordadas com a troika – nesse ano, acabaria por ser necessário transferir fundos de pensões da banca para o Estado. Portugal está hoje numa situação orçamental menos apertada, mas continua a ser obrigado a fazer consolidação todos os anos. O que significaria para o défice acabar com esta medida?

"Descer o IVA representaria por volta de 120 milhões de euros a menos de receitas", estima Marvão Pereira, sublinhando que é muito menos do que custou a reversão do IVA da restauração. "Corresponderia a menos de 0,06% do PIB. Significa que se o défice fosse 2,5% do PIB passaria a ser 2,56%".

Ainda assim, caso fosse necessário compensar essa diminuição, os autores do estudo avançam com uma possível solução: colmatar a perda de receita com a subida de um imposto, cujo agravamento tem menos efeitos negativos. "Se tal diminuição de receitas fosse considerada inaceitável, haveria a alternativa de aumentar o ISP para compensar, com vantagens para a economia, justiça social e ambiente", explica. Uma sobretaxa do imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) seria mais "amiga" da economia, com efeitos distributivos relativamente neutros, aponta o estudo. "Se precisarmos desse dinheiro é muito melhor, de todas as perspectivas, obtê-lo através do ISP."
 

Continuamos a afirmar que essa questão não deve ser esquecida e continuaremos a trabalhar para isso.bruno dias
Deputado do PCP


O que dizem os partidos?
O Bloco de Esquerda e o Partido Comunista têm carregado a bandeira da descida do IVA na energia para os 6% originais. No entanto, essa medida ficou de fora dos acordos bilaterais assinados no início da legislatura, o que significa que está alguns degraus abaixo na lista de prioridades políticas. Nesta altura, não é uma dos temas quentes na negociação do Orçamento do Estado para o próximo ano.

"Temos avançado com outras formas de reduzir a factura eléctrica, mas não com a descida do IVA, que o Governo tem rejeitado", justifica Jorge Costa, deputado do Bloco de Esquerda, referindo-se à actuação em relação às rendas de energia. "Nas rendas tem-se encontrado alguma abertura."

No que diz respeito ao PCP, as conclusões do estudo não surpreendem o partido e "têm correspondência com a análise que fomos fazendo", diz Bruno Dias. "O peso da factura energética não tem nada a ver" entre classes de rendimento. Questionado sobre a premência da descida do IVA nas negociações do OE 2018, o deputado comunista não quis estabelecer uma hierarquia. "Uma coisa que é muito prioritária não faz de outra menos importante", explica. "Continuamos a afirmar que essa questão não deve ser esquecida e continuaremos a trabalhar para isso." 

Penso que se justifica muito mais a reversão do IVA da electricidade do que a reversão do IVA da restauração. alfredo marvão pereira
Prof. da Faculdade de William and Mary

A esquerda encontra algum conforto no facto de terem sido feitas alterações importantes à tarifa social de energia, que abrange agora 800 mil agregados mais pobres, em vez dos 100 mil no final de 2015. Para essas famílias, a tarifa social mais do que compensou a subida do IVA, diz o BE (o estudo de Marvão Pereira não conta com esse desconto). Mas o restantes contribuintes ainda a estão a sentir. Tendo em conta o nível de rendimento, as famílias portuguesas pagam a electricidade mais cara da Europa.
Seis anos depois de Portugal ter colocado o IVA da electricidade no nível mais alto, estará na altura de inverter a medida? "O mais possível. Penso que se justifica muito mais, desde logo em termos de justiça social, a reversão do IVA da electricidade do que a reversão do IVA da restauração que já ocorreu", argumenta Marvão Pereira.

Tarifa social aliviou efeitos negativos

As famílias portuguesas pagam a electricidade mais cara da Europa. Quando se faz uma análise que alisa as diferenças de rendimento entre os vários países, Portugal destaca-se como aquele onde a electricidade mais pesa. Perante a relutância do PS em voltar a colocar o IVA nos 6%, a maioria parlamentar optou por fazer alterações à tarifa social da energia, que passou a ser atribuída automaticamente no ano passado.

A tarifa permite às famílias mais carenciadas – menos de 5.800 euros/ano – aceder a um desconto de mais de 30% (antes do IVA e outras taxas) pago pelas empresas. Em 2014, menos de 50 mil famílias beneficiavam da tarifa. Um número que cresceu para 100 mil no final de 2015. A mudança introduzida em 2016 permitiu que abranja agora 800 mil.

Este elemento não faz parte das simulações apresentadas no estudo referido no texto principal. Marvão Pereira justifica essa ausência com o facto de a tarifa social se aplicar ao valor da electricidade antes do IVA. "Não há nenhuma razão para a tarifa social ser mudada com uma possível reversão do IVA da electricidade", esclarece. "Aliás, note-se que a tarifa social é suportada pela EDP e não pelo Orçamento do Estado."
nuno aguiar



raio-x

Qual foi o impacto da subida do IVA?

Em 2011, o Governo decidiu antecipar a subida do IVA da electricidade e do gás. Marvão Pereira e Manuel Pereira simulam os efeitos provocados por essa medida.

Impacto orçamental
Como seria de esperar, a subida do IVA num serviço tão essencial como a electricidade teve como consequência um aumento da receita de impostos, ajudando a reduzir o défice orçamental. Marvão Pereira acha que invertê-la abriria um buraco de 120 milhões de euros. Isto é, cerca de 0,067% do PIB português. No longo prazo, contribui para diminuir a dívida pública em quase 7% do PIB.

Impacto económico
O agravamento do IVA da electricidade teve um "impacto negativo no desempenho económico geral", através de quebras no PIB e no emprego. A economia é penalizada via consumo privado e investimento empresarial. Por outro lado, a medida ajudou a equilibrar a relação do país com o exterior, nomeadamente com uma redução do défice externo.

Efeitos distributivos
Provavelmente, o capítulo mais preocupante do estudo. As perdas de bem-estar são muito maiores entre as famílias mais pobres do que para as que têm rendimentos mais elevados. Quase cinco vezes mais, uma vez que os gastos com electricidade não acompanham as subidas dos salários. Esta perda de bem-estar equivale à percentagem de rendimento que as famílias teriam de receber para compensar a subida do IVA.

Efeitos ambientais
A subida do IVA gerou redução da procura por electricidade, assim como efeitos positivos na emissão de CO2 (embora de dimensão reduzida). Ainda assim, os autores notam que esta melhoria pode ser anulada pelo facto de as famílias substituírem electricidade por outras formas de energia mais poluentes.


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