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Governo quis "remover" a palavra corrupção
No Parlamento, Álvaro Santos Pereira falou dos incómodos manifestados pelo ministro das Finanças e o seu secretário de Estado adjunto, deixando fortes críticas ao Governo e à Assembleia da República na luta contra a corrupção.
O ex-ministro da Economia Álvaro Santos Pereira reiterou ontem no Parlamento que membros do Governo terão pressionado o secretário-geral da OCDE a remover a palavra corrupção do seu relatório sobre a economia portuguesa.
"Houve algum incómodo e quer a delegação portuguesa na OCDE, quer um membro do Governo, fez chegar ao gabinete do secretário-geral [Ángel Gurría] algumas preocupações com o relatório. Esses membros manifestaram a sua intenção de remover a palavra corrupção do relatório", afirmou Santos Pereira, que é o diretor da OCDE responsável pela elaboração do relatório.
Santos Pereira foi ouvido ontem no Parlamento a pedido do PSD, para explicar a polémica sobre as referências à corrupção no último relatório da OCDE sobre Portugal, divulgado recentemente. Em causa está a alegada oposição do governo à ênfase dada ao problema da corrupção e ao destaque dado a casos relacionados com o ex-primeiro-ministro José Sócrates, que constavam de uma versão inicial do relatório.
O ex-ministro disse que a delegação portuguesa foi liderada pelo secretário de Estado adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, mas não nomeou o outro membro do Governo que queria retirar do relatório a referência à corrupção. Depois, Santos Pereira contou que foi o ministro das Finanças, Mário Centeno, quem manifestou ao secretário-geral da OCDE incómodo sobre a sua presença na apresentação oficial do relatório - Santos Pereira acabou por não comparecer na conferência. "Recebi um telefonema do secretário-geral da OCDE, que, depois de ter tido duas conversas com o Presidente do Eurogrupo, o ministro Mário Centeno, lhe foi manifestado o incómodo com a minha presença na reunião de apresentação", revelou.
Apesar do incómodo no Governo, o relatório acabou por apresentar as referências à corrupção em Portugal (à exceção dos casos particulares) e "não houve nenhuma recomendação" feita inicialmente que não conste da versão final, garantiu.
Parlamento e Governo falham no combate à corrupção
Na audição, Santos Pereira deixou ainda fortes críticas à Assembleia da República e ao Governo pela ausência de ação no combate à corrupção: "Se a luta contra corrupção é desígnio nacional, onde estão a Assembleia da República e o Governo?", questionou, exemplificando com o caso da lei do enriquecimento ilícito que, passados quatro anos, continua na gaveta com "a desculpa" de inconstitucionalidade.
Para Santos Pereira, o Governo e a Assembleia da República "têm obrigação de mudar a Constituição ou de fazer novas leis para que a luta contra a corrupção seja um verdadeiro desígnio nacional".