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Governo apressa ratificação do acordo comercial com o Canadá

O Conselho de Ministros deve aprovar a resolução sobre o tratado CETA ainda este mês, para que seja votada no Parlamento até Julho. Debate público em Matosinhos mostrou críticas "verdes" e geringonça no vermelho.

Miguel Baltazar
05 de Abril de 2017 às 20:09
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O ministro dos Negócios Estrangeiros considerou esta quarta-feira, 5 de Abril, que o novo tratado comercial entre a União Europeia e o Canadá, assinado em Outubro do ano passado, "deve ser ratificado" pela Assembleia da República e "Portugal deve estar entre os primeiros a aprovar" esse acordo. 

 

Durante um debate público sobre o CETA (acrónimo, em inglês, de "Comprehensive Economic and Trade Agreement"), em Matosinhos, Augusto Santos Silva referiu que, já daqui por duas semanas, o Executivo estará "em condições de aprovar em Conselho de Ministros a resolução para que o Parlamento a possa votar ainda nesta sessão legislativa". Ou seja, fechar o processo de ratificação até Julho.

 

Depois da aprovação a 15 de Fevereiro pelo Parlamento Europeu, o Canadá deve notificar a União Europeia ainda em Abril, entrando assim o CETA parcialmente em vigor. Para que seja aplicado na íntegra, porém, falta depois a ratificação por parte de mais de quatro dezenas de câmaras parlamentares no espaço europeu - e só na Bélgica são sete diferentes. O primeiro a concluir esse processo foi a Letónia.

 

Em Portugal, a Assembleia da República já debateu o tema por duas vezes em plenário, por iniciativa do Bloco de Esquerda e d'Os Verdes, tendo sido aprovado um projecto de resolução que recomendou a realização de debates públicos sobre esta temática antes de ser apreciada em definitivo pelos deputados. Depois de Lisboa e Porto, a 11 de Abril acontece o terceiro e último em Leiria, sendo essa a data de referência para que o Governo, que já tinha defendido o potencial deste acordo, avance com o processo legislativo. 

 

Na abertura deste segundo debate, que teve como anfitriã a Associação Empresarial de Portugal (AEP), Augusto Santos Silva lembrou que o processo de construção europeia assenta também na "convicção do derrube das barreiras ao comércio", sejam taxas aduaneiras ou questões regulamentares. E sustentou, em referência a Donald Trump, que este acordo com o Canadá "é muito útil para a UE num momento em que há hesitação sobre as virtudes do comércio internacional do outro lado do Atlântico".

 

O CETA está dividido em 13 capítulos num total de 1.598 paginas, com Bruxelas e Otava a estimar que terá um impacto anual de 12 mil milhões de euros para o bloco europeu (508 milhões de habitantes) e de oito mil milhões de euros para o Canadá (35 milhões de consumidores). Além de reduzir ou eliminar taxas aduaneiras e de uniformizar normas relacionadas com a protecção ambiental, os direitos laborais, a segurança alimentar ou a saúde pública, este é apresentado como o primeiro acordo económico da UE no pós-Tratado de Lisboa a incluir um capítulo dedicado por inteiro ao investimento.

 

"Estamos entre a maioria dos Estados-membros que não têm nenhum acordo bilateral de protecção de investimento com o Canadá. Há para Portugal, desde logo, a vantagem de ter este instrumento de protecção", sintetizou o chefe da diplomacia nacional, que lamentou a "descoincidência" entre o peso e a influência da comunidade portuguesa (ascende a 450 mil pessoas) e "o nível ridiculamente baixo das relações económicas" entre os dois países, que no comércio não chegam aos mil milhões de euros.

 

O embaixador do Canadá em Lisboa, Jeffrey Marder, sublinhou que "há muito mais espaço para crescer" além da comunidade emigrante, que é a base dos consumidores naquele país. E destacou igualmente a abertura às empresas estrangeiras dos concursos públicos nos três níveis de governo (nacional, provincial e local), incluindo em sectores como as telecomunicações, energia e transportes, e numa altura em que a administração de Justin Trudeau tem previsto o lançamento de um ambicioso plano de investimento em infra-estruturas. 

 

Críticas "verdes" e geringonça no vermelho

 

Quando a resolução a redigir pelo Executivo liderado por António Costa chegar ao Parlamento, é provável que os socialistas precisem dos votos do PSD e do CDS-PP para que seja aprovada. Isso mesmo foi admitido pelo deputado do PS, Vitalino Canas: "Se no PCP, no BE ou no PEV houver posições diferentes do PS, não creio que isso surpreenda". 

 

Enquanto os representantes das associações patronais destacaram os benefícios deste acordo – no calçado, a taxa alfandegária, que será eliminada, ascende actualmente a 18% –, a voz mais crítica ao CETA ao longo deste debate foi a da dirigente d'"Os Verdes", Cláudia Madeira. Antes de mais, contestou o "secretismo e falta de transparência" ao longo do processo negocial, que arrancou em 2009.

 

Um dos alvos é o mecanismo de resolução de litígios que "prevê que as grandes multinacionais possam processar os Estados no caso de tomarem decisões que afectem os seus lucros", denunciando que depois "serão os cidadãos a ser chamados a pagar estas indemnizações de milhões e milhões de euros". A porta-voz dos ecologistas contestou ainda a inexistência de estudos sobre os impactos ambientais, sociais e económicos para Portugal, embora já tenha sido estimado que as empresas portuguesas podem poupar mais de 500 milhões de euros por ano em impostos.

 

Na resposta a estas críticas, Santos Silva reclamou a transparência nas negociações, defendeu que o acordo "respeita os padrões" europeus ao nível ambiental, laboral e de saúde, entre outros, e rejeitou que os países fiquem incapacitados para alterar a legislação, salvaguardando que há uma cláusula no CETA que estabelece que essas alterações, se forem feitas pelos Estados "no exercício da sua soberania", não são abrangidas por esse mecanismo de resolução de litígios. 

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