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Daniel Bessa: "Não há razão nenhuma para não ser corrupto em Portugal"
O ex-ministro da Economia culpa os incentivos públicos por muitos dos erros cometidos no sector privado e ironiza que "não há problema nenhum" com a formação dos preços da energia em Portugal. "É tudo legal", desabafa.
"Muitas vezes, o mau desempenho é privado, mas os incentivos são públicos". É por esta razão que Daniel Bessa, economista e professor universitário, considera que esta questão "toca à política" e que também não hesitou em abordá-la esta sexta-feira, 9 de Junho, perante o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral.
O homem que ocupou fugazmente a pasta económica nos primórdios da governação de António Guterres sustentou que "não há razão nenhuma para não ser corrupto em Portugal", argumentando que "mesmo que venha a ser [condenado] judicialmente, para a cadeia não vai". "A coisa há-de prolongar-se o tempo que seja suficiente até que morra. E isso é um tema de sistema de incentivos e de administração", completou.
Num debate sobre competitividade, organizado pela Porto Business School, Bessa notou que é esse tipo de incentivos que leva os privados a investir em sectores não transaccionáveis. E recorreu aos indicadores do país no ranking mundial da competitividade do IMD, que em 2017 manteve Portugal na segunda metade da tabela, para assinalar que uma das vantagens de Portugal é ser barato – da mão-de-obra aos escritórios –, mas no tópico da energia cai para 55.º em 63 economias analisadas. "Andamos a falar sobre isso nos últimos dias", desabafou, sem se referir explicitamente à investigação judicial que envolve a EDP e vários gestores, como António Mexia ou João Manso Neto.
Como o Negócios noticiou esta semana, as famílias portuguesas pagam a quarta electricidade mais cara entre os 28 países da União Europeia. Quase metade do que pagam na factura da luz vai para taxas e impostos, onde se contam os polémicos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC). Continuando a abordar o tema do custo da energia, o economista ironizou que "não há problema nenhum, é tudo legal".
"Há aqui uma questão que tem a ver com o sistema de incentivos, com uma série de interesses que condicionam a legislação e a administração no sentido de determinado tipo de investimento. E, portanto, é um dos temas mais importantes que se colocam ao nosso país", resumiu Bessa, no final de uma semana em que o ex-ministro Álvaro Santos Pereira atestou que "o lóbi da energia é dos mais fortes em Portugal" e em que o ex-secretário de Estado da tutela, Henrique Gomes, denunciou que ele "tem condicionado os governos", tendo sido mesmo o responsável pela sua saída do Executivo anterior.
Carlos Tavares, que no final do ano passado assumiu funções como assessor da administração da Caixa Geral de Depósitos, concordou que, "de facto, hoje o que resta à política económica é criar os incentivos correctos ou, pelo menos, não criar os incentivos errados". E recordou que "muita da má afectação de investimento deve-se a incentivos de política e regulatórios errados e que encaminham o investimento para os sectores errados". Aliás, acrescentou, "o próprio Estado foi um grande investidor no sector não transaccionável e acumulámos uma grande dívida pública e privada para investir em sectores que não foram os mais eficientes".
O ex-presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), que viu Gabriela Figueiredo Dias suceder-lhe nesse cargo, sublinhou ainda que "o próprio sistema financeiro tem responsabilidade na forma como os recursos foram afectados de forma menos eficiente", ainda que reagindo a estímulos regulatórios e de política desadequados. "Aí acho que há falhas no apoio a empresas que querem investir, que querem levantar capital e que hoje não encontram ainda uma resposta suficientemente adequada do sistema financeiro", concluiu.
Empresa e accionistas: Tavares critica "dupla tributação"
Carlos Tavares reclama a diminuição da carga fiscal "sobre as empresas e sobre aqueles que nelas investem as suas poupanças", fixando como objectivo a "eliminação completa" daquilo que considera ser uma dupla tributação: à própria empresa e aos accionistas. "Um empresário que arrisque em Portugal, se a coisa correr mal sofre 100% do prejuízo; se correr bem tem um sócio – às vezes pouco silencioso – que lhe leva 50% ou mais dos resultados", sintetiza. O ex-líder da CMVM e actual assessor da CGD mostra-se ainda em "total desacordo" com a tese de que "importante na política fiscal é a estabilidade, mesmo que seja alta". E critica o uso sistemático dos Orçamentos do Estado (OE) como "instrumento para fazer política fiscal", numa altura em que a preparação do OE 2018 é dominada pelo debate à esquerda sobre o IRS.