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Cinco coisas a saber sobre 60 anos de embargo dos EUA a Cuba
Um dos mais longos regimes de sanções unilaterais do mundo, o embargo dos Estados Unidos a Cuba, decretado em fevereiro de 1962 e ainda em vigor, envenena há 60 anos as relações diplomáticas entre os dois países.
05 de Fevereiro de 2022 às 11:01
Na passada quinta-feira, o Governo cubano instou mais uma vez Washington a pôr fim ao embargo, uma medida que classifica como "ato de genocídio".
Num comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros defendeu tratar-se de um sistema que carece de "legitimidade e justificação moral" que é atualmente "o ato de guerra económica mais complexo, prolongado e desumano cometido contra qualquer nação".
"O Governo Revolucionário, em nome do povo de Cuba, reclama enfática e energicamente, mais uma vez, o fim do bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos", lê-se no documento.
Eis cinco coisas a saber sobre este sistema de sanções:
O objetivo: mudar o regime
A ordem executiva presidencial 3447, assinada a 3 de fevereiro de 1962 pelo Presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy, decretou um "embargo a todo o comércio com Cuba". Na véspera da sua entrada em vigor, no dia 07 de fevereiro, Kennedy encomendou 1.200 charutos cubanos para consumo pessoal -- um bem desde então interdito aos cidadãos norte-americanos.
Com o tempo, "o objetivo oficial [do embargo] evoluiu", nota John Kavulich, presidente do Conselho Económico Cubano-Norte-americano. "De um modo geral, o objetivo não-oficial era conseguir uma mudança de regime e, publicamente, obter uma mudança de atitude do regime".
Nos últimos anos, o Governo norte-americano justificou o seu embargo em torno de duas questões: os direitos humanos e o apoio de Havana ao Governo de Nicolás Maduro, na Venezuela. Mas nunca obteve concessões cubanas nesses pontos.
Um embargo reforçado ao longo dos anos...
"Não só a justificação evoluiu, mas também o tipo de ações" postas em prática, sublinhou Alina López Hernández, investigadora e editora do jornal 'online' La Joven Cuba.
"Enquanto [o embargo] foi bilateral, era mais fácil para Cuba", era, aliás, uma questão "pouco mencionada nas três primeiras décadas da revolução" do Governo cubano, então apoiado pelo grande irmão soviético.
Mas desde as leis Torricelli (1992) e Helms-Burton (1996), as empresas e os bancos estrangeiros que trabalham com Cuba correm o risco de pesadas sanções.
Segundo Alina López Hernández, "com essas duas leis, [o embargo] perdeu o seu caráter bilateral, exteriorizou-se e tornou-se um bloqueio", o termo utilizado pelo Governo cubano, que estima o prejuízo acumulado para a sua economia em 150 mil milhões de dólares a valores atuais.
Desde 2000, os alimentos estão isentos de embargo, mas Cuba deve pagá-los em dinheiro.
...mas todos os anos condenado na ONU
Desde 1992, Cuba apresenta anualmente uma moção a condenar o embargo. Embora da primeira vez só 59 países tenham votado a favor, o apoio aumentou depois. Agora, a quase totalidade dos Estados vota a favor.
Só os Estados Unidos e Israel é que sempre votaram contra, exceto em 2016, aquando da breve aproximação diplomática durante a Presidência de Barack Obama
A lei Helms-Burton "visava criar um embargo internacional contra Cuba", explicou Ric Herrero, diretor do Grupo de Estudos sobre Cuba, que defende a abertura entre Washington e Havana. A votação da ONU mostra até que ponto essa lei foi "um fracasso retumbante".
Um quebra-cabeças para levantar o embargo
"A política em relação a Cuba foi ditada pela política interna [norte-americana] desde o fim da Guerra Fria", precisou Ric Herrero. Tradicionalmente, o peso eleitoral da Florida -- Estado capaz de fazer virar as eleições e com uma grande diáspora cubana -- impediu qualquer desanuviamento.
Mas atualmente, "não há qualquer hipótese de os democratas ganharem a Florida", assegurou Herrero.
"A pressão interna vem inteiramente do senador Bob Menéndez (democrata, Nova Jérsia, filho de pais cubanos), porque o Senado está dividido 50-50 e, por isso, é preciso o voto dele para aprovar a agenda legislativa. Para o satisfazer, a Administração [Biden] apoia-o quanto a Cuba".
E, se nem Obama, que atenuou algumas sanções, conseguiu levantar o embargo, isso é também uma herança da lei Helms-Burton: ela proíbe qualquer Presidente de alterar as suas normas ou de a suprimir por decreto, uma prerrogativa reservada aos membros do Congresso.
O outro embargo, interno
Em Cuba, chama-se-lhe o "bloqueio interno": "A burocracia, a centralização excessiva, a falta de apoios aos produtores", resumiu o economista Omar Everleny Pérez.
"Economicamente, o bloqueio [norte-americano] é uma das causas da situação em Cuba, mas não é a única", sustentou.
Na ausência de uma produção local suficiente, nomeadamente agrícola, a ilha importa 80% do que consome. Quanto à abertura ao setor privado, ela chegou tardiamente e enfrenta ainda obstáculos administrativos.
Para Alina López Hernández, "as políticas internas pesam mais sobre a situação de Cuba que o bloqueio, porque o reforço do embargo data dos anos 1990, mas as más políticas são históricas, elas remontam aos anos 1960".
Num comunicado, o Ministério dos Negócios Estrangeiros defendeu tratar-se de um sistema que carece de "legitimidade e justificação moral" que é atualmente "o ato de guerra económica mais complexo, prolongado e desumano cometido contra qualquer nação".
Eis cinco coisas a saber sobre este sistema de sanções:
O objetivo: mudar o regime
A ordem executiva presidencial 3447, assinada a 3 de fevereiro de 1962 pelo Presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy, decretou um "embargo a todo o comércio com Cuba". Na véspera da sua entrada em vigor, no dia 07 de fevereiro, Kennedy encomendou 1.200 charutos cubanos para consumo pessoal -- um bem desde então interdito aos cidadãos norte-americanos.
Com o tempo, "o objetivo oficial [do embargo] evoluiu", nota John Kavulich, presidente do Conselho Económico Cubano-Norte-americano. "De um modo geral, o objetivo não-oficial era conseguir uma mudança de regime e, publicamente, obter uma mudança de atitude do regime".
Nos últimos anos, o Governo norte-americano justificou o seu embargo em torno de duas questões: os direitos humanos e o apoio de Havana ao Governo de Nicolás Maduro, na Venezuela. Mas nunca obteve concessões cubanas nesses pontos.
Um embargo reforçado ao longo dos anos...
"Não só a justificação evoluiu, mas também o tipo de ações" postas em prática, sublinhou Alina López Hernández, investigadora e editora do jornal 'online' La Joven Cuba.
"Enquanto [o embargo] foi bilateral, era mais fácil para Cuba", era, aliás, uma questão "pouco mencionada nas três primeiras décadas da revolução" do Governo cubano, então apoiado pelo grande irmão soviético.
Mas desde as leis Torricelli (1992) e Helms-Burton (1996), as empresas e os bancos estrangeiros que trabalham com Cuba correm o risco de pesadas sanções.
Segundo Alina López Hernández, "com essas duas leis, [o embargo] perdeu o seu caráter bilateral, exteriorizou-se e tornou-se um bloqueio", o termo utilizado pelo Governo cubano, que estima o prejuízo acumulado para a sua economia em 150 mil milhões de dólares a valores atuais.
Desde 2000, os alimentos estão isentos de embargo, mas Cuba deve pagá-los em dinheiro.
...mas todos os anos condenado na ONU
Desde 1992, Cuba apresenta anualmente uma moção a condenar o embargo. Embora da primeira vez só 59 países tenham votado a favor, o apoio aumentou depois. Agora, a quase totalidade dos Estados vota a favor.
Só os Estados Unidos e Israel é que sempre votaram contra, exceto em 2016, aquando da breve aproximação diplomática durante a Presidência de Barack Obama
A lei Helms-Burton "visava criar um embargo internacional contra Cuba", explicou Ric Herrero, diretor do Grupo de Estudos sobre Cuba, que defende a abertura entre Washington e Havana. A votação da ONU mostra até que ponto essa lei foi "um fracasso retumbante".
Um quebra-cabeças para levantar o embargo
"A política em relação a Cuba foi ditada pela política interna [norte-americana] desde o fim da Guerra Fria", precisou Ric Herrero. Tradicionalmente, o peso eleitoral da Florida -- Estado capaz de fazer virar as eleições e com uma grande diáspora cubana -- impediu qualquer desanuviamento.
Mas atualmente, "não há qualquer hipótese de os democratas ganharem a Florida", assegurou Herrero.
"A pressão interna vem inteiramente do senador Bob Menéndez (democrata, Nova Jérsia, filho de pais cubanos), porque o Senado está dividido 50-50 e, por isso, é preciso o voto dele para aprovar a agenda legislativa. Para o satisfazer, a Administração [Biden] apoia-o quanto a Cuba".
E, se nem Obama, que atenuou algumas sanções, conseguiu levantar o embargo, isso é também uma herança da lei Helms-Burton: ela proíbe qualquer Presidente de alterar as suas normas ou de a suprimir por decreto, uma prerrogativa reservada aos membros do Congresso.
O outro embargo, interno
Em Cuba, chama-se-lhe o "bloqueio interno": "A burocracia, a centralização excessiva, a falta de apoios aos produtores", resumiu o economista Omar Everleny Pérez.
"Economicamente, o bloqueio [norte-americano] é uma das causas da situação em Cuba, mas não é a única", sustentou.
Na ausência de uma produção local suficiente, nomeadamente agrícola, a ilha importa 80% do que consome. Quanto à abertura ao setor privado, ela chegou tardiamente e enfrenta ainda obstáculos administrativos.
Para Alina López Hernández, "as políticas internas pesam mais sobre a situação de Cuba que o bloqueio, porque o reforço do embargo data dos anos 1990, mas as más políticas são históricas, elas remontam aos anos 1960".