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A batalha legal e política pela despedida de José Eduardo dos Santos
Cronologia dos principais acontecimentos em torno da morte do antigo chefe de Estado angolano, falecido no passado dia 8 de julho, em Barcelona.
O corpo do antigo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, chega hoje a Angola, culminando um longo processo de apuramento das causas da morte e uma disputa familiar sobre a guarda do corpo e as exéquias fúnebres.
A informação foi anunciada pelo Governo de Angola, que referiu em comunicado que "a data e o programa das exéquias serão oportunamente comunicados", num momento em que o país vive uma campanha eleitoral, com as eleições agendadas para 24 de agosto.
Cronologia dos principais acontecimentos em torno da morte do antigo chefe de Estado angolano, falecido no passado dia 08 de julho, em Barcelona, Espanha:
8 de julho
A Presidência da República angolana anuncia a morte de José Eduardo dos Santos, em Barcelona (Espanha), aos 79 anos. "O Executivo da República de Angola inclina-se, com o maior respeito e consideração, perante a figura de um Estadista de grande dimensão histórica, que regeu durante muitos anos com clarividência e humanismo os destinos da Nação Angolana, em momentos muito difíceis", refere o executivo angolano em comunicado.
O Presidente de Angola, João Lourenço, decreta luto nacional de cinco dias e cria uma comissão do Estado para organizar a cerimónia fúnebre do antigo chefe de Estado. Entretanto, multiplicam-se no país e também em Portugal as declarações de pesar pelo ex-governante angolano, marcadas também por algumas críticas aos 38 anos que durou a sua presidência.
No mesmo dia, a advogada de Tchizé dos Santos, Carmen Varela, adianta ter sido pedida a realização de uma autópsia e garante que os filhos de José Eduardo dos Santos recusam um funeral em Angola. Acrescenta que a vontade do antigo Presidente angolano era ser enterrado em Espanha para evitar um eventual aproveitamento político da cerimónia, existindo também desavenças entre alguns membros da família dos Santos e o governo.
9 de julho
Isabel dos Santos lembra numa publicação nas redes sociais o apoio do pai "desde a primeira hora". Na primeira reação pública à morte de José Eduardo dos Santos, a empresária assinalou a "sorte" de ter como pai "um homem simples e de grande gentileza".
Numa nota à imprensa, os advogados ligados a Tchizé dos Santos escrevem que "existem indícios" de que a morte do ex-Presidente foi favorecida por Ana Paula dos Santos, o médico João Afonso, "e outras figuras próximas do regime angolano", apontando negligência nos cuidados prestados. Paralelamente, o tribunal (Juzgado de Guardia de Barcelona) autoriza a realização da autópsia, mas sem deixar uma data marcada para o procedimento.
11 de julho
Fontes judiciais revelam à AFP que o corpo do antigo Presidente de Angola já foi autopsiado, sem, contudo, serem reveladas quaisquer informações sobre os resultados.
12 de julho
O resultado preliminar da autópsia feita ao corpo de José Eduardo dos Santos aponta para uma morte por causas naturais, mas defende a necessidade de mais exames, revela uma fonte judicial à Lusa. As informações apuradas afastam, pelo menos para já, uma das questões levantadas por Tchizé dos Santos, que tinha sugerido que o pai podia ter sido envenenado, e daí a necessidade de ser feita uma autópsia para averiguar essa possibilidade.
Os resultados preliminares da autópsia feita a José Eduardo dos Santos durante o fim de semana mostram uma "insuficiência cardíaca" e uma grande infeção pulmonar, mas no relatório entregue à família salienta-se que é preciso complementar esta primeira informação com mais exames antes de uma conclusão definitiva.
15 de julho
O ministro da Administração do Território angolano, Marcy Lopes, afirma que um advogado espanhol está a defender o Estado angolano no processo judicial que decorre em Espanha no quadro do impasse sobre a transladação do corpo do ex-Presidente angolano.
Por outro lado, o presidente da UNITA, Adalberto da Costa Júnior, aconselha o Governo angolano a tirar do plano público a "má imagem de conflitualidade" devido às divergências sobre o funeral de José Eduardo dos Santos, que são consequência da perseguição que moveu contra o ex-presidente.
Já em Espanha, o Tribunal de Instrução de Barcelona decide que o Instituto de Medicina Legal vai manter a custódia do corpo de José Eduardo dos Santos, solicitando mais provas forenses sobre a morte, o que irá atrasar a sua entrega à família e funeral do ex-presidente angolano.
19 de julho
Os filhos mais velhos do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos comprometem-se a colaborar na realização de um funeral nacional, mas após as eleições de 24 de agosto e pedem um mausoléu para acolher os restos mortais, numa carta a que a Lusa teve acesso e subscrita por cinco (Isabel, José Filomeno "Zenu", Welwitschea "Tchizé", Joess e José Eduardo Paulino "Coreon Dú") dos seus oito descendentes.
Nesse documento, os filhos mais velhos de José Eduardo dos Santos, alguns dos quais na mira da justiça, defendem uma lei de amnistia geral e o "fim dos processos judiciais e institucionais contra muitos angolanos", considerando que, "para restaurar a unidade e a harmonia nacional, chegou o momento de pedir desculpa" à memória do antigo chefe de Estado.
No entanto, neste mesmo dia, a filha Tchizé dos Santos demarca-se da carta. "Não assinei esta carta, não tive conhecimento e não assinei. Concordo que o meu pai não deve ser enterrado agora porque não faz sentido. Concordo que o corpo do meu pai seja enterrado em Angola quando houver condições e quando as pessoas que o perseguiram até à morte já não sejam Governo", sublinhou, referindo-se ao Presidente João Lourenço.
20 de julho
Fonte próxima do processo adianta que José Eduardo dos Santos não deixou testamento, dificultando a tarefa da justiça espanhola na batalha legal que envolve Governo e a família. "Não existe testamento, isso foi já confirmado pelos familiares e pelo chefe da escolta com que confidenciou durante os últimos 33 anos", disse a fonte à Lusa.
21 de julho
Os bispos católicos angolanos apelam ao diálogo entre a família do ex-presidente da República e o Governo no diferendo sobre a trasladação dos seus restos mortais.
23 de julho
O Presidente de Angola, João Lourenço, que lidera o MPLA para as eleições gerais de 24 de agosto, apela aos angolanos a votarem no partido para vencer o ato eleitoral. No discurso de lançamento da campanha eleitoral, em Camama (Luanda), João Lourenço considera que o voto no MPLA é "a melhor forma de honrar a memória do presidente José Eduardo dos Santos" e que uma vitória do partido seria "a maior alegria" para o antigo chefe de Estado.
27 de julho
O candidato do MPLA, partido no poder em Angola, às eleições gerais de 24 de agosto, critica os partidos da oposição por não prestarem homenagem ao ex-presidente angolano, numa intervenção na cidade do Sumbe, capital da província do Cuanza Sul.
"Vocês viram alguns desses que foi salvo por José Eduardo do Santos, a ir prestar homenagem a quem lhes salvou? Eu não vi ninguém. Então, que tipo de gente é essa? Não foram prestar homenagem ao salvador deles", referiu João Lourenço, que sucedeu em 2017 ao antigo chefe de Estado.
10 de agosto
O Presidente de República de Angola e candidato do MPLA às eleições, João Lourenço, reafirma o combate à corrupção e acusou a UNITA, principal partido da oposição, de pactuar com corruptos. "Essa oposição já teve alianças piores do que estas; quem se aliou ao 'apartheid' não admira que se alie àqueles que esvaziaram os cofres do Estado e levaram esses recursos para outras economias", apontou João Lourenço.
O Governo angolano tem sido frequentemente acusado de levar a cabo uma justiça seletiva visando familiares ou colaboradores próximos do antigo presidente José Eduardo dos Santos.
Tchizé dos Santos, uma das filhas, militante e ex-deputada do MPLA, tem demonstrado publicamente o seu apoio à candidatura de Adalberto da Costa Júnior (UNITA), mas nenhum dos restantes filhos se pronunciou sobre a campanha, em particular Isabel dos Santos, que vive fora de Angola há vários anos e é visada em vários processos cíveis e criminais.
17 de agosto
O tribunal de Barcelona decide entregar os restos do ex-presidente de Angola à sua viúva, argumenta que Ana Paula dos Santos tem preferência sobre os filhos na disputa pelo cadáver e confirma definitivamente a morte por causas naturais.
"O relatório de 09 de julho de 2022 estabelece o tipo de morte natural, causa de morte insuficiência cardiorrespiratória crónica agravada por uma infeção respiratória, cardiopatia isquémica crónica e fibrose pulmonar", lê-se na decisão do juiz, datada de 16 de agosto.
Tchizé dos Santos revela, através da sua advogada, que vai recorrer da decisão, explicando que a fundamentação está relacionada com a competência do tribunal. "Vamos interpor recurso por entendermos que a jurisdição penal não é competente para deliberar sobre este assunto, que deve ser a jurisdição civil a pronunciar-se sobre ele", disse a advogada Cármen Varela.
18 de agosto
Tchizé dos Santos apresenta recurso da decisão judicial que entregou o corpo do pai à ex-mulher, Ana Paula dos Santos, e argumenta que o processo é civil e não criminal. "O processo atual não é, nem pode ser, o local apropriado para decidir o destino dos restos mortais do senhor dos Santos, ao invés, o direito civil é o apropriado e deve ser utilizado para determinar quem tem legitimidade para receber os restos mortais do falecido e para decidir sobre o local de sepulcro", lê-se no recurso.
Em entrevista à Lusa, Tchizé dos Santos admite recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos sobre esta matéria, considerando que a decisão de trasladar o corpo de José Eduardo dos Santos de Espanha para Angola pode representar "risco de vida" para ela e outros cidadãos europeus caso entrem no país africano.
20 de agosto
O Governo de Angola anuncia em comunicado que chegam à tarde a Luanda os restos mortais do antigo Presidente da República: "O executivo angolano torna público que chegam na tarde deste sábado a Luanda os restos mortais do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, falecido no passado dia 8 de Julho em Barcelona, Reino de Espanha".
Já depois de ser conhecida a trasladação, cinco filhos do ex-Presidente de Angola assumem que desconheciam que o corpo do pai tinha já sido entregue à viúva. De acordo com a advogada de Tchizé dos Santos, havia ainda recursos por decidir em tribunal, embora não tivessem efeitos suspensivos, e não houve qualquer notificação judicial.
"Alguma coisa aconteceu. Uma das partes não ter conhecimento disto é estranho, para qualificar a situação de alguma forma", diz a advogada Carmen Varela, sem deixar de notar que haverá uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por parte dos cinco filhos mais velhos de José Eduardo dos Santos.