Notícia
Uma luz muito ténue lá ao fundo
"Quando há maiores dificuldades, a criação acaba por ser mais forte", diz Joaquim Durães, da Lovers & Lollypops, que aponta alternativas como as "gravações caseiras", que hoje em dia já são de "qualidade".
As vendas no sector fonográfico decrescem a um ritmo de 20 a 30% ao ano em Portugal. A pirataria aumenta e o fisco faz cobranças "indevidas". A quantidade de projectos que chega às editoras mantém-se, mas muitos não se concretizam. São traços de uma indústria que vislumbra uma luz muito ténue ao fundo do túnel.
As receitas da indústria musical, a nível mundial, cresceram em 2012 pela primeira vez desde 1999. Os dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica revelam uma subida de 0,3%, perfazendo 16,5 mil milhões de euros, com o segmento das vendas em suporte digital a aumentar 9%.
Porém, a realidade do mercado musical português é bem diferente. A Associação Fonográfica Portuguesa (AFP) ainda não revelou os dados oficiais do mercado relativos a 2012. Contudo, os valores parciais do último ano revelam que a indústria nacional segue a tendência de queda verificada nos últimos anos. A variação da facturação total no primeiro semestre de 2012 diminuiu 2,15% face ao período homólogo. Em 2011, a facturação total caiu 26,47%.
O único indicador positivo está nas vendas em suporte digital, que seguem a tendência internacional e têm vindo a crescer ao longo dos anos. No primeiro semestre de 2012, o digital cresceu 27,13% e em 2011 aumentou 63,56%.
As vendas em suporte digital não amparam a queda das do suporte físico. Em 2011, o número de CD's vendidos recuou 13,57% face a 2010 e nos primeiros seis meses do último ano decresceram 25%. Na última década, as vendas em suporte físico recuaram 80%.
Eduardo Simões, director-geral da AFP, considera a pirataria como principal factor para a diminuição das vendas, apontando o dedo à legislação que não será "adequada" e "desenhada para a pirataria física". Contudo, a crise também tem a sua dose de culpa. "Há consumidores que deixaram de comprar por questões exclusivamente económicas".
Já Joaquim Durães da editora Lovers & Lollypops, encara a partilha de ficheiros como "oportunidade". "A partir do momento em que disponibilizamos música para "download", a venda dos discos duplica e a exposição internacional das bandas aumenta".
"Quando há maiores dificuldades, a criação é mais forte"
Apesar da conjuntura socioeconómica, a procura dos artistas pelas editoras continua a ser a mesma. "Não houve uma quebra da procura, mas a concretização dos projectos é diferente", revela Fernando Rocha, fundador da Numérica. "São poucos os artistas que se conseguem financiar para gravar", diz. Na Numérica, a gravação e edição de um disco ronda os quatro mil euros.
"Quando há maiores dificuldades, a criação acaba por ser mais forte", garante o homem da Lovers & Lollypops, que aponta alternativas como as "gravações caseiras", que hoje em dia já são de "qualidade". Na Lovers & Lollypops, editar um álbum pode ir dos dois aos oito mil euros.
Cobrança fiscal "indevida"
Aos problemas sentidos pela indústria musical portuguesa junta-se o que a Audiogest, associação que gere os direitos de autor, nomeia de "cobrança retroactiva" pelas autoridades financeiras. As Finanças têm vindo a realizar inspecções a produtores fonográficos e a "exigir", de acordo com a Audiogest, liquidações adicionais de IVA que remontam à actividade entre 2008 e 2009.
Segundo a associação, o fisco estará a aplicar retroactivamente uma norma que vigorou apenas em 2012 e impunha a liquidação de IVA aos direitos de autor e conexos de pessoas colectivas. Em causa estão valores de liquidação na ordem dos 12 milhões de euros, valor que representa "mais de metade do volume de negócio da indústria fonográfica", afirma Miguel Carretas, director-geral da Audiogest. Esta medida, diz, "poderá deitar abaixo toda a indústria discográfica".
A luz ao fundo do túnel
Para Fernando Alves, das Edições Valentim de Carvalho, uma das soluções para reavivar a indústria fonográfica é a "devida publicitação" dos serviços, nomeadamente os digitais e de "streaming". No entanto, o formato físico não deve ser descurado: "há uma parte do mercado que não abre mão do suporte físico, quer pela qualidade, quer pelo grafismo". O director-geral da AFP acrescenta a criação de legislação mais actual para atenuar os "downloads" ilegais, como forma de devolver sustentabilidade ao mercado. Para Joaquim Durães, a solução passa por potencializar os concertos das bandas associadas às editoras.