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Inquilinos: proposta do Governo para as rendas “é uma lei para criar devedores”
Os inquilinos estão contra a proposta de lei do Governo para proteger o arrendamento na sequência do estado de emergência. Dizem que não protege inquilinos nem senhorios e que obriga as pessoas a endividarem-se, não lhes dando tempo para recuperar das previsíveis quebras de rendimento.
Não protege devidamente os inquilinos, deixa os senhorios com dívidas em mãos e protege rendas especulativas. Em suma, é "uma lei que não serve a ninguém e que apenas vai criar devedores". Depois de a Associação Lisbonense de Proprietários ter esta terça-feira tecido fortes críticas à proposta de lei do Governo para a proteção do arrendamento em tempos de pandemia, também a Associação de Inquilinos Lisbonenses (AIL) faz uma apreciação negativa do documento preparado pelo Executivo.
Para a AIL, a questão devia ser resolvida através de um financiamento ao senhorio. "O que defendemos é que, se há quebra de rendimento, os proprietários devem ter direito a um apoio a fundo perdido", afirma António Machado, secretário-geral. E, mais, tais apoios deveriam "deixar de fora os fundos de investimento, bancos, companhias de seguro e especuladores em geral, que esses tem forma de encaixar as perdas", sublinha.
A proposta, entregue esta segunda-feira no Parlamento, cria um regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional. Basicamente, prevê que os inquilinos que tenham fortes quebras de rendimento possam deixar de pagar a renda durante os meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente. Além disso, terão depois um ano para pagar os valores em dívida, "em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda de cada mês". Só no fim desse ano, caso a divida não esteja saldada, é que os senhorios poderão pôr um fim ao contrato de arrendamento.
Por outro lado, o Governo cria também a possibilidade de as pessoas se financiarem através de empréstimos junto do Instituto da habitação e Reabilitação Urbana. E essa possibilidade serve para os inquilinos, mas também para os senhorios, caso os arrendatários não o façam e não paguem a renda atempadamente. Para poderem beneficiar de empréstimo, os senhorios terão também de provar que tiveram uma quebra de rendimentos superior a 20% por terem deixado de receber as rendas.
Ora, critica António Machado, secretário-geral da AIL, "esta proposta de lei vem determinar que os senhorios , todos, vão receber de uma forma ou de outra as rendas por inteiro sem contribuir de nenhuma forma para a perda de rendimentos".
Por outro lado, a proposta do Governo parte do princípio que um mês após ser decretado o fim do estado de emergência "tudo estará estabilizado e se voltam a poder pagar as rendas normais", alerta o representante da AIL. Lembrando que vai haver muitas pessoas com perdas de rendimentos e que os não recuperarão tão cedo, António Machado defende que "devia haver um período de adaptação superior".
A AIL "não defende que os inquilinos não paguem as rendas", mas lembra que estamos "perante um problema social" e que "havendo quebras de rendimento, com este mecanismo as pessoas só vão acabar por se endividar". Ou seja, "deve ser financiado o senhorio", sendo que "o senhorio particular que vive das rendas é que nos preocupa, não são os fundos de investimento ou os bancos. Esses têm poder de encaixe. Os pequenos senhorios que têm uma ou duas casas arrendadas, esses é que têm de ser protegidos", defende António Machado.
De acordo com a proposta do Governo, os senhorios "podem pedir um financiamento, mas depois, ou aguardam que o inquilino possa pagar tudo por inteiro ou então terão de ser eles próprios a pagar do seu bolso".
O facto de ainda não se saber como será o procedimento – haverá ainda uma portaria e um regulamento emitido pelo IHRU – também traz preocupações, já que o mercado "tem muitas diversidades". Além de não ter um projeto "que considere as diversidades do mercado", o Governo opta por "proteger toda a gente, ou seja, os especuladores também". Esta proposta, remata"não serve".
A proposta de lei do Governo será debatida no Parlamento na próxima quinta-feira.