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Bicicletas “made in” Portugal vão do céu ao inferno em apenas oito horas

“Covid-19 provoca aumento de produção de bicicletas e componentes” era o título de um comunicado da associação portuguesa do setor, que perdeu aderência a uma realidade feita de encerramentos em catadupa de grandes fábricas, depois de em 2019 ter ultrapassado os 400 milhões de euros de exportações.

A indústria de bicicletas Órbita foi declarada insolvente em fevereiro, dois meses depois de a empresa-mãe, a Miralago, ter seguido para liquidação.
28 de Março de 2020 às 21:00
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Na passada segunda-feira, 23 de março, o Negócios recebeu, pelas 8 horas, um comunicado da Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas, Ferragens, Mobiliário e Afins (Abimota) a revelar que "nos países da Europa, em que os governos não decretaram a paragem da atividade económica, devido à pandemia da covid-19, a procura de bicicletas e e-bikes disparou, o que está a provocar uma procura elevada na produção nacional, estando algumas empresas a trabalhar a 100%, mantendo estritamente as regras de segurança para conter a propagação do vírus".

 

Avançava a mesma associação que "a necessidade de novas respostas no que à micro-mobilidade diz respeito, nomeadamente nos mercados centro e norte-europeus, está a criar uma enorme pressão nos pontos de venda e como tal também na produção de bicicletas e e-bikes".

 

Segundo a Abimota, "o público não confia nos transportes públicos, pois o ato de evitar concentração de pessoas e proximidade social é fundamental para controlar a propagação do novo coronavírus".

 

Por outro lado, acrescentava, "o uso, ou mesmo a aquisição do automóvel não se apresenta como opção para deslocações curtas e não só, e por isso os mercados, com enfoque na Alemanha, aumentaram significativamente a procura de bicicletas e e-bikes".

 

Para a Abimota, Portugal surgia, assim, como "o local óbvio para responder às necessidades do mercado", com "cadeias de distribuição curtas, capacidade de produção e a qualidade do produto final", fatores estes que "provocam e sobretudo aumentam a procura do nosso mercado, enquanto fornecedor".

 

Nesse comunicado, Gil Nadais, secretário-geral da Abimota, garantia que, "neste momento, o ‘cluster’ das duas rodas tem empresas que, não descurando as preocupações com o combate à covid-19, estão a trabalhar a 100% da capacidade para satisfazer a procura que algum mercado exige".

 

"A capacidade de resposta e a criatividade das nossas empresas e empresários está a ser testada e a resposta ao teste está a ser plenamente positiva", afiançava o mesmo dirigente associativo.

 

"Não podemos deixar de referir que este é o caso de algumas empresas que exportam para mercados onde as pessoas têm possibilidade de ir trabalhar, porque onde as restrições são maiores o mercado está fechado e as empresas estão a paralisar", rematava Gil Nadais.

 

Covid-19 fecha maiores fábricas portuguesas de bicicletas

 

Mas, nessa mesma segunda-feira, pelas 16 horas, quando contactado pelo Negócios, Gil Nadais reconhecia que, perante o encerramento de grandes fábricas portuguesas do setor, provocado, directa ou indirectamente, pela pandemia do coronavírus, a indústria nacional deixou de ter capacidade para responder à procura europeia, pelo que o conteúdo do comunicado enviado ao Negócios oito horas antes tinha perdido aderência à realidade nacional.

 

Foi o que aconteceu com a maior montadora de bicicletas da Europa, a RTE, que tem sede em Gaia e produz, em exclusivo para a Decathlon, cerca de 1,3 milhões de unidades anuais, assim como a A.J. Maias, de Anadia, que fabrica, também em exclusivo para a marca francesa, 400 mil bicicletas por ano.

 

Perante a decisão da gigante cadeia francesa de desporto de fechar temporariamente a sua rede de lojas, que em Portugal são 35, a RTE e a A.J. Maias – a segunda maior do setor no nosso país - viram-se obrigadas a encerrar as suas unidades industriais, no dia 20 de março, mandando para casa cerca de mil trabalhadores.

Nesse mesmo dia, FJ Bikes Europe, situada em Águeda, que emprega cerca de 160 pessoas e fechou 2019 com uma facturação da ordem dos 23 milhões de euros, também foi obrigada a fechar as suas instalações industriais, por indicação da autoridade de saúde local, depois de uma funcionária ter sido infetada com o coronavírus.

Foi há pouco mais de três anos que a FJ Bikes Europe abriu em Águeda, num investimento de 8,2 milhões de euros da responsabilidade do maior fabricante asiático de bicicletas, a Fritz Jou Manufacturing, de Taiwan, naquela que foi a sua primeira fábrica fora da Ásia.

 

Poucos dias antes, tinha já fechado a fabricante de componentes para bicicletas Miranda & Irmão, onde foi detectado o primeiro infectado com a covid-19 de Águeda, pelo que todos os seus trabalhadores foram colocados de quarentena. Esta empresa fechou 2017 com vendas de 19,3 milhões de euros, dos quais 15 milhões foram gerados nos mercados internacionais.

 

A covid-19 chegou a Portugal poucos dias depois de a Órbita, provavelmente a mais emblemática marca portuguesa de bicicletas, ter sido declarada insolvente, num processo que caminha inexoravelmente para a liquidação desta indústria de Águeda, depois de a empresa-mãe, a Miralago, ter já entrado em fase de liquidação.

 

Uma situação desoladora após o setor ter fechado 2019 com um recorde de exportações de 402 milhões de euros, mais 74 milhões do que no ano anterior, que correspondem a cerca de dois milhões de unidades.

 

A indústria portuguesa de bicicletas e seus componentes é constituída por cerca de meia centena de empresas e emprega mais de oito mil pessoas.

Já esta sexta-feira, o Governo acedeu ao pedido das associações ligadas à venda e reparação e de utilizadores de velocípedes, tendo alterado a listagem de estabelecimentos que podem estar abertos durante esta fase de estado de emergência para nela incluir as lojas e oficinas de reparação de bicicletas.

"Os serviços de manutenção e reparação de velocípedes, bem como a venda de peças e acessórios podem manter-se em funcionamento para responder às necessidades dos cidadãos que optem por estes veículos para as deslocações previstas no Decreto n.º 2-A/2020, que regulamenta a aplicação do estado de emergência", lê-se numa nota do Ministério da Economia.

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