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A economia surpreendeu os economistas. Eles explicam porquê
Economistas contactados pelo Negócios explicam os motivos por trás do surpreendente crescimento da economia portuguesa no terceiro trimestre.
O produto interno bruto (PIB) português cresceu 1,6% no terceiro trimestre do ano em comparação com o mesmo período de 2015 e 0,8% face ao trimestre anterior. Ambos os valores são surpreendentes e ficam muito acima da projecção média dos economistas contactados pela Bloomberg e das instituições portuguesas contactadas ontem pela Agência Lusa (média de 0,9% em termos homólogos e 0,3% em cadeia).
O ISEG era o mais optimista, esperando um crescimento homólogo de 1,3%. O Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa (NECEP) o mais pessimista (apenas 1%). A economia acabou por ultrapassar todos. Ao Negócios, os economistas explicam o que esteve por trás deste desempenho surpreendente e os motivos pelos quais não o conseguiram antecipar. Em baixo seguem excertos não editados das suas respostas:
Rui Bernardes Serra, do Montepio: exportações líquidas surpreenderam
O crescimento do 3.º trimestre superou a mediana das projecções das instituições contactadas pela Bloomberg (+0.3%) e as nossas próprias perspectivas (entre +0.2% e +0.4%). Admite-se que as nossas perspectivas possam ter estado contaminadas pelos dados do lado da oferta, que sugeriam um crescimento inferior para o VAB (teoricamente o VAB e o PIB são a mesma realidade, mas, na prática, há discrepâncias entre as duas medidas, como sucedeu no 2.º trimestre, quando o PIB subiu 0.3% e o VAB avançou 0.4%). Na óptica da procura, o INE refere que o crescimento, em cadeia, se deveu apenas ao contributo da procura externa líquida, reflectindo o forte aumento das exportações de bens e serviços, enquanto a procura interna registou um contributo negativo. O nosso erro de previsão terá resultado sobretudo da dimensão do contributo das exportações líquidas, reiterando-se as dinâmicas das diversas componentes da procura interna. Assim, estimamos um crescimento do consumo privado (+0.5%), mas uma queda do investimento (devido à variação de existências [que tinha tido um forte contributo positivo de 0.6 p.p. para o crescimento do PIB do 2.º trimestre], já que o investimento em capital fixo (FBCF) terá subido ligeiramente [-0.3% no 2.º trimestre]). O consumo público terá, grosso modo, estabilizado. Reflectindo o facto de os dados do PIB terem ficado acima do esperado, revimos em alta o crescimento de 2016 de 1.0% para 1.2%, valor que é consistente com crescimentos em cadeia entre 0.0% e 0.3% no 4.º trimestre. Para 2017, mantemos a nossa previsão de um crescimento do PIB de 1.5%, mas observando-se uma redução dos riscos descendentes.
Paula Carvalho, BPI: maior credibilidade para os planos do Governo
A actividade económica evoluiu muito favoravelmente no 3º trimestre de 2016 sobretudo graças ao comportamento das componentes externas da procura agregada, segundo a informação preliminar do INE. Estas são notícias positivas na medida em que tornam mais plausível o cenário inscrito no Orçamento de Estado, reforçando também a credibilidade dos planos oficiais e a trajectória de consolidação das contas públicas aos olhos dos investidores internacionais. Melhorias na frente económica são um dos ingredientes mais relevantes na avaliação da percepção do risco país, pelo que esta é uma boa notícia, sobretudo se confirmada pela análise do detalhe das Contas Nacionais, em finais de Novembro.
A análise possível ao comportamento das componentes sugere que o principal destaque vai para as exportações, que reflectem uma influência decrescente dos efeitos negativos causados pela redução das exportações de combustíveis e da queda das exportações para Angola. Espelham também o bom comportamento das restantes componentes: repare-se que as exportações de bens, sem estes dois efeitos, registam um ritmo de crescimento de cerca de 6%; relativamente às exportações de serviços, destacam-se as exportações de Turismo, que têm vindo notoriamente a acelerar, contribuindo para o reforço do excedente externo – representam cerca de metade das exportações de serviços. Outro elemento a relevar é a aparente queda do consumo de bens duradouros, que deverá ter pesado nas importações, com efeitos mistos sob o PIB mas que revela um padrão de crescimento tendencialmente mais saudável, eventualmente com reforço da taxa de poupança das famílias.
Núcleo de Estudos de Conjuntura da Economia Portuguesa: cautela na interpretação
A leitura deste novo dado é muito positiva e sinaliza um andamento do produto claramente acima da dinâmica instalada. Na conjuntura actual, a evolução dos dados reais é influenciada pela evolução dos deflatores pelo que esta aceleração pontual deve ser interpretada com cautela.
Estes dados são uma boa notícia já que surpreendem pela positiva em Portugal e primam pelo alinhamento face ao esperado no caso da zona euro. Não é de colocar inteiramente de parte a existência de alguns efeitos de calendário ou pontuais na variação em cadeia ora divulgada (0,8%). Estes dados sugerem que o processo de recuperação da economia portuguesa continua em curso e afasta o cenário de quase estagnação que se vislumbrava desde o início do ano. E são consistentes com crescimentos tendenciais anuais próximos de 1.5%, tornando plausível crescimento de 2016 inscrito pelo Governo no Orçamento do Estado para o próximo ano.
Filipe Garcia, Informação de Mercados Financeiros (IMF): consumo ainda não puxa pela economia
Segundo o INE, esta aceleração resulta da procura externa líquida, para a qual o turismo deverá ter registado um contributo importante. O modelo de crescimento baseado na tentativa de promoção do consumo privado continua a não parecer ser o que "puxa" pela economia e o caminho mais adequado para se chegar a um crescimento sustentado, até porque a procura interna teve um contributo negativo de Julho a Setembro. Preocupa-nos o que estará a acontecer ao investimento, que não deixa de ser a semente de crescimento futuro e que, receamos, terá tido mais um mau trimestre.
O crescimento homólogo de 1.6% provavelmente será bem-recebido pelos analistas internacionais. Trata-se ainda de uma taxa de crescimento baixa e é uma dinâmica que carece de confirmação nos trimestres seguintes, mas é um bom número.