Notícia
O misterioso e genial Porto Vintage
A propósito do anúncio dos Vintage Offley, Sandeman e Ferreira e da festa que se faz no país à volta da colheita de 2016, algumas considerações sobre o misterioso vinho que só depende da natureza.
05 de Maio de 2018 às 13:00
Os Porto Vintage 2016 da Sogrape só chegarão ao mercado em Setembro, mas a empresa já aceita encomendas. O Offley custará 49€,o Sandeman 75€ e o Ferreira 80€.
O vinho que me faz acreditar que o sector não se rendeu totalmente à insuportável padronização é o Porto Vintage. Bem sei que há produtores em todas as regiões que fazem questão de vincar o ano climático em cada colheita, mas ninguém vai tão longe como o sector do Porto. Ninguém vai tão longe na procura de uma identidade esmiuçada como um produtor de Vintage. E a beleza é que há sempre dois factores que, combinados, fazem a festa: primeiro, o perfil vincado de Vintage que cada casa gosta de manter; e, segundo, o impacto do clima em cada quinta e em cada casta. É por isso que sentimos sempre ansiedade quando um produtor nos coloca à frente o seu último Vintage. Provamos, identificamos e deixamos a memória a fazer comparações com os Vintage anteriores. Foi o que senti esta semana ao provar os Porto Vintage 2016 do grupo Sogrape - Offley, Sandeman e Ferreira.
É claro que este "modus operandi" faz parte do ADN do Porto Vintage. Apesar de me encantar com tawnies datados porque temos muito saber acumulado do homem, emociono-me com a imponderabilidade do tempo na feitura de Vintage.
Vejamos. Existem registos climáticos com largas dezenas de anos no Douro, pelo que - atiremos para o ar - todas as declarações de Vintage nos últimos 50 ou 60 anos estão descritas ao detalhe em matéria de temperatura e pluviosidade ao longo dos 12 meses do ciclo. E, todavia, ninguém no Douro é capaz de dizer que, perante determinado comportamento climático de Janeiro a Setembro, estaremos ou não perante um ano de Vintage clássico.
Não tirei isto do meu juízo. Tirei de um trabalho refinado de António Magalhães (grupo Fladgate Partnership), apresentado há um ano. E, se querem saber, fiquei contente por constatar que, em matéria de Vintage, continua a mandar mais o humor da natureza do que a ciência do homem, sendo que, como dizia o outro, previsões, só no final do jogo.
E muito mais contente fiquei quando, ao provar os Vintage 2016 Offley, Sandeman e Ferreira, senti que, apesar de o enólogo Luís Sottomayor querer que os seus vinhos tenham elegância e frescura (e de facto têm), cada uma das casas segue o seu caminho. Cada uma das casas tem uma matriz própria. Isto é desafiante. Isto é saboroso de cheirar e provar. Isto é bonito. E isto, lá está, é a razão de ser de um vinho.
Convém dizer que, depois do mítico ano de 2011, a colheita de Porto Vintage 2016 insere-se na "categoria" de Vintage clássico (a generalidade das empresas declaram as suas marcas nobres), depois de algum ruído sobre se tal deveria já ter acontecido com a colheita de 2015. A doutrina dividiu-se: houve quem achasse que os senhores ingleses tinham razão (Symington e Fladgate) e houve quem pensasse que foi um desperdício. Tudo para manter as tradições.
Agora, perante os Vintages 2016 do grupo Sogrape, essa questão não se coloca. Se é certo que o Ferreira é daqueles vinhos que nos exige a rotação do copo vezes sem conta porque nos sentimos encantados e com desejo de assimilar tanta riqueza, o diálogo entre o Sandeman e o Oflley tem que se lhe diga. Se este último é daqueles vinhos que atrai de imediato, com certas notas de flores, chocolate e uma boca de frutos de baga (mirtilos), o Sandeman, de todos o mais fechado e com taninos mais rudes, recorda-nos alguns Vintage que, muito depois dos 12 anos do estágio da praxe, adquirem um perfil senhorial e clássico.
Se o clima afectou positivamente os três vinhos, a diferença entre eles deve-se à proveniência das uvas para cada uma das casas. Deve-se ao terroir de cada quinta. É a tal beleza que fecha o ciclo. Luís Sottomayor quer sempre Vintage perfeitos, mas sabe que cada marca tem de continuar a seguir o seu caminho. Haverá um cliente padrão Offley, um cliente padrão Sandeman e outro Ferreira? Não sei. Mas sinto-me agradecido à manutenção desta cultura organizacional.
Perguntem-me qual o vinho que maior nota levaria (coisa chata) e aponto o dedo ao Ferreira. Pela complexidade (flores, arbustos, especiarias e uma estrutura de boca delicada, mas que cresce e envolve em força a boca), pela elegância e pelo porte.
E se tudo isso já justifica a compra e prova dos vinhos agora, convém não esquecermos que eles só se revelarão em plenitude daqui por algumas décadas. O Vintage foi inventado para evoluir em garrafa, ao contrário dos outros vinhos do Porto. Daqui por 12, 20, 30 anos (tenhamos fé na medicina) poderemos sempre comparar as notas dos dois momentos de prova. Que outro vinho no mundo permite tal coisa?
O vinho que me faz acreditar que o sector não se rendeu totalmente à insuportável padronização é o Porto Vintage. Bem sei que há produtores em todas as regiões que fazem questão de vincar o ano climático em cada colheita, mas ninguém vai tão longe como o sector do Porto. Ninguém vai tão longe na procura de uma identidade esmiuçada como um produtor de Vintage. E a beleza é que há sempre dois factores que, combinados, fazem a festa: primeiro, o perfil vincado de Vintage que cada casa gosta de manter; e, segundo, o impacto do clima em cada quinta e em cada casta. É por isso que sentimos sempre ansiedade quando um produtor nos coloca à frente o seu último Vintage. Provamos, identificamos e deixamos a memória a fazer comparações com os Vintage anteriores. Foi o que senti esta semana ao provar os Porto Vintage 2016 do grupo Sogrape - Offley, Sandeman e Ferreira.
Vejamos. Existem registos climáticos com largas dezenas de anos no Douro, pelo que - atiremos para o ar - todas as declarações de Vintage nos últimos 50 ou 60 anos estão descritas ao detalhe em matéria de temperatura e pluviosidade ao longo dos 12 meses do ciclo. E, todavia, ninguém no Douro é capaz de dizer que, perante determinado comportamento climático de Janeiro a Setembro, estaremos ou não perante um ano de Vintage clássico.
Não tirei isto do meu juízo. Tirei de um trabalho refinado de António Magalhães (grupo Fladgate Partnership), apresentado há um ano. E, se querem saber, fiquei contente por constatar que, em matéria de Vintage, continua a mandar mais o humor da natureza do que a ciência do homem, sendo que, como dizia o outro, previsões, só no final do jogo.
E muito mais contente fiquei quando, ao provar os Vintage 2016 Offley, Sandeman e Ferreira, senti que, apesar de o enólogo Luís Sottomayor querer que os seus vinhos tenham elegância e frescura (e de facto têm), cada uma das casas segue o seu caminho. Cada uma das casas tem uma matriz própria. Isto é desafiante. Isto é saboroso de cheirar e provar. Isto é bonito. E isto, lá está, é a razão de ser de um vinho.
Convém dizer que, depois do mítico ano de 2011, a colheita de Porto Vintage 2016 insere-se na "categoria" de Vintage clássico (a generalidade das empresas declaram as suas marcas nobres), depois de algum ruído sobre se tal deveria já ter acontecido com a colheita de 2015. A doutrina dividiu-se: houve quem achasse que os senhores ingleses tinham razão (Symington e Fladgate) e houve quem pensasse que foi um desperdício. Tudo para manter as tradições.
Agora, perante os Vintages 2016 do grupo Sogrape, essa questão não se coloca. Se é certo que o Ferreira é daqueles vinhos que nos exige a rotação do copo vezes sem conta porque nos sentimos encantados e com desejo de assimilar tanta riqueza, o diálogo entre o Sandeman e o Oflley tem que se lhe diga. Se este último é daqueles vinhos que atrai de imediato, com certas notas de flores, chocolate e uma boca de frutos de baga (mirtilos), o Sandeman, de todos o mais fechado e com taninos mais rudes, recorda-nos alguns Vintage que, muito depois dos 12 anos do estágio da praxe, adquirem um perfil senhorial e clássico.
Se o clima afectou positivamente os três vinhos, a diferença entre eles deve-se à proveniência das uvas para cada uma das casas. Deve-se ao terroir de cada quinta. É a tal beleza que fecha o ciclo. Luís Sottomayor quer sempre Vintage perfeitos, mas sabe que cada marca tem de continuar a seguir o seu caminho. Haverá um cliente padrão Offley, um cliente padrão Sandeman e outro Ferreira? Não sei. Mas sinto-me agradecido à manutenção desta cultura organizacional.
Perguntem-me qual o vinho que maior nota levaria (coisa chata) e aponto o dedo ao Ferreira. Pela complexidade (flores, arbustos, especiarias e uma estrutura de boca delicada, mas que cresce e envolve em força a boca), pela elegância e pelo porte.
E se tudo isso já justifica a compra e prova dos vinhos agora, convém não esquecermos que eles só se revelarão em plenitude daqui por algumas décadas. O Vintage foi inventado para evoluir em garrafa, ao contrário dos outros vinhos do Porto. Daqui por 12, 20, 30 anos (tenhamos fé na medicina) poderemos sempre comparar as notas dos dois momentos de prova. Que outro vinho no mundo permite tal coisa?