Notícia
Mudar de vinho nas festas
Passe por uma garrafeira e escolha vinhos que nunca provou, novos ou velhos. Uma vez no ano obrigue os seus amigos a mudar de marcas. Vai fazer-lhes bem.
23 de Dezembro de 2017 às 13:00
O Bical 2008 deverá ir ao frio num decante duas horas antes de ser servido. Vai ganhar mistério. Custou-nos 8€. Mal cai no copo, o Poeirinho 2015 começa a revelar aromas de romã, outros frutos vermelhos e certas notas vegetais. Na boca, sedoso, leve e muito fresco. Custa 25€. Apetece estar sempre a cheirar e a provar estes dois vinhos.
Mais de 95% dos vinhos que compro resultam de visitas a pequenas garrafeiras de bairro, o que significa que, se dependessem de mim, os hipermercados não se safavam. E quando acontece eu não conhecer o dono do estabelecimento e este encarar-me como um desconhecido, melhor ainda. É perfeito. Ando à vontade, com vagar, olhando para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, à procura de coisas novas ou garrafas raras. É certo que, nalguns casos, um tipo ainda está com um pé fora da loja e já está a ouvir a frase mais estúpida que um lojista diz a um cliente ("posso ajudar?"), mas, enfim, nada que o olhar gélido e o silêncio de desprezo não resolva.
Aliás, ainda gostaria de saber quem inventou tal pergunta protocolar e universal. Se alguém vai a uma drogaria comprar armadilhas para ratos, ainda se percebe a oferta da ajuda perante tão melindroso assunto, mas, numa sapataria, quando ainda nem vimos um único sapato, por que razão nos querem ajudar e nos atiram logo de seguida "esteja à vontade, se precisar de ajuda é só pedir"? Dá vontade de dizer: "A sério? Olhe que não fazia ideia". Mas adiante.
Se uma garrafeira é boa visita em qualquer altura do ano, entre o Natal e o Ano Novo, as coisas melhoram porque, em regra, os lojistas aproveitam para colocar nuns cestos vinhos ditos velhos a preços de saldo. Há de tudo. Vinhos que não pegaram, vinhos de regiões difíceis de vender, vinhos que vieram de outras garrafeiras que fecharam portas e, claro, colheitas efectivamente recuadas. Como, infelizmente, ainda não temos a cultura generalizada de beber vinhos com idade e não estamos para arriscar uns euros no escuro, a possibilidade de nascer monos nas garrafeiras é real.
É nesta altura do ano que me torno ditador à mesa. É nesta altura que comunico a total ausência de vinhos do Douro e do Alentejo. Não por falta de respeito por estas regiões, como é óbvio, mas por necessidade de despertar o gosto dos amigos e familiares por outros terroir. Se no dia a dia quase só bebem Douro e Alentejo, que ao menos nos dias festivos experimentem novos aromas e sabores, sendo certo que se lhes apresentar um Dão, um Bucelas ou um Verdelho do Pico preocupo-me em escolher vinhos que espelhem o terroir original e não vinhos na categoria 'Maria vai com as outras'.
Ora, em Ponta Delgada, a Vinha Garrafeira é uma belo poiso. Ninguém faz perguntas ou sugestões tolas e há sempre uma prateleira de fundo de catálogo num canto qualquer. Aqui encontrei um branco esquecido e um tinto quase só valorizado pelos "nerds" do vinho. A saber: o Campolargo Bical de 2008 e o Niepoort Poeirinho de 2013. Olhando para o par, a ideia é perfeita: dois vinhos de uma região pouco pedida espontaneamente e feitos por produtores que misturam a irreverência com uma boa dose de loucura. O Bical é de Carlos Campolargo; o Poerinho, de Dirk Niepoort.
Carlos Campolargo é um personagem que só poderia ser da Bairrada, que é, como se sabe, o território com maior concentração de produtores cheios de si. Donos da verdade e de uma língua sempre bem afiada, são, todavia, homens que arriscam sem transigir no respeito por um património vitícola da região. Apesar de trabalhar algumas castas estrangeiras (os seus Pinot Noir são fantásticos), um dos brancos que Campolargo apresenta em forma varietal é o Bical - casta muito bairradina.
No mercado, a última colheita Campolargo Bical é de 2015 e é uma compra muito segura. Mas, a meu ver, cometemos um vinicídio se o bebermos agora porque o tempo acrescenta-lhe mistério. É por isso que considero uma festa descobrir uma garrafa de 2008 à venda. Alguns dirão que nove anos é muito tempo para um vinho branco, mas quando o vinho é colocado num decanter duas horas antes de ser servido e permanecido no frio, isso vai revelar uma estrutura aromática muito complexa e uma boca aveludada, mineral quanto baste e boa acidez. Vai dar muito que falar à mesa. Um branco que tanto acompanha um bacalhau como uma peça de carne.
Já o Poeirinho de Dirk Niepoort é uma homenagem do sempre inconformado criador de vinhos aos grandes tintos da casta Baga, neste caso de vinhas velhas da Quinta de Baixo. Como Dirk odeia vinhos pesados e alcoólicos, este tinto bairradino da colheita de 2013 é de uma finura desarmante. De início chocará quem está habituado a coisas híper extraídas, mas, a partir do terceiro gole tudo muda, não só porque aderimos às notas vegetais e ao carácter sedoso e leve na prova de boca como, acima de tudo, agradecemos o facto do vinho não se tornar enjoativo ao longo da refeição - seja ela de bacalhau ou de capão.
Quer dizer, o Bical e o Poeirinho são vinhos festivos, capazes de fazer mudar de hábitos amigos nossos com ideias feitas. Quando tal acontece sinto que recebi um belo presente de Natal.
Mais de 95% dos vinhos que compro resultam de visitas a pequenas garrafeiras de bairro, o que significa que, se dependessem de mim, os hipermercados não se safavam. E quando acontece eu não conhecer o dono do estabelecimento e este encarar-me como um desconhecido, melhor ainda. É perfeito. Ando à vontade, com vagar, olhando para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, à procura de coisas novas ou garrafas raras. É certo que, nalguns casos, um tipo ainda está com um pé fora da loja e já está a ouvir a frase mais estúpida que um lojista diz a um cliente ("posso ajudar?"), mas, enfim, nada que o olhar gélido e o silêncio de desprezo não resolva.
Se uma garrafeira é boa visita em qualquer altura do ano, entre o Natal e o Ano Novo, as coisas melhoram porque, em regra, os lojistas aproveitam para colocar nuns cestos vinhos ditos velhos a preços de saldo. Há de tudo. Vinhos que não pegaram, vinhos de regiões difíceis de vender, vinhos que vieram de outras garrafeiras que fecharam portas e, claro, colheitas efectivamente recuadas. Como, infelizmente, ainda não temos a cultura generalizada de beber vinhos com idade e não estamos para arriscar uns euros no escuro, a possibilidade de nascer monos nas garrafeiras é real.
É nesta altura do ano que me torno ditador à mesa. É nesta altura que comunico a total ausência de vinhos do Douro e do Alentejo. Não por falta de respeito por estas regiões, como é óbvio, mas por necessidade de despertar o gosto dos amigos e familiares por outros terroir. Se no dia a dia quase só bebem Douro e Alentejo, que ao menos nos dias festivos experimentem novos aromas e sabores, sendo certo que se lhes apresentar um Dão, um Bucelas ou um Verdelho do Pico preocupo-me em escolher vinhos que espelhem o terroir original e não vinhos na categoria 'Maria vai com as outras'.
Ora, em Ponta Delgada, a Vinha Garrafeira é uma belo poiso. Ninguém faz perguntas ou sugestões tolas e há sempre uma prateleira de fundo de catálogo num canto qualquer. Aqui encontrei um branco esquecido e um tinto quase só valorizado pelos "nerds" do vinho. A saber: o Campolargo Bical de 2008 e o Niepoort Poeirinho de 2013. Olhando para o par, a ideia é perfeita: dois vinhos de uma região pouco pedida espontaneamente e feitos por produtores que misturam a irreverência com uma boa dose de loucura. O Bical é de Carlos Campolargo; o Poerinho, de Dirk Niepoort.
Carlos Campolargo é um personagem que só poderia ser da Bairrada, que é, como se sabe, o território com maior concentração de produtores cheios de si. Donos da verdade e de uma língua sempre bem afiada, são, todavia, homens que arriscam sem transigir no respeito por um património vitícola da região. Apesar de trabalhar algumas castas estrangeiras (os seus Pinot Noir são fantásticos), um dos brancos que Campolargo apresenta em forma varietal é o Bical - casta muito bairradina.
No mercado, a última colheita Campolargo Bical é de 2015 e é uma compra muito segura. Mas, a meu ver, cometemos um vinicídio se o bebermos agora porque o tempo acrescenta-lhe mistério. É por isso que considero uma festa descobrir uma garrafa de 2008 à venda. Alguns dirão que nove anos é muito tempo para um vinho branco, mas quando o vinho é colocado num decanter duas horas antes de ser servido e permanecido no frio, isso vai revelar uma estrutura aromática muito complexa e uma boca aveludada, mineral quanto baste e boa acidez. Vai dar muito que falar à mesa. Um branco que tanto acompanha um bacalhau como uma peça de carne.
Já o Poeirinho de Dirk Niepoort é uma homenagem do sempre inconformado criador de vinhos aos grandes tintos da casta Baga, neste caso de vinhas velhas da Quinta de Baixo. Como Dirk odeia vinhos pesados e alcoólicos, este tinto bairradino da colheita de 2013 é de uma finura desarmante. De início chocará quem está habituado a coisas híper extraídas, mas, a partir do terceiro gole tudo muda, não só porque aderimos às notas vegetais e ao carácter sedoso e leve na prova de boca como, acima de tudo, agradecemos o facto do vinho não se tornar enjoativo ao longo da refeição - seja ela de bacalhau ou de capão.
Quer dizer, o Bical e o Poeirinho são vinhos festivos, capazes de fazer mudar de hábitos amigos nossos com ideias feitas. Quando tal acontece sinto que recebi um belo presente de Natal.