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Dona Georgina em jeito de balanço

Treze anos após o lançamento do vinho que homenageia a mãe de Celso Lemos é tempo para percebermos como evoluem estes tintos do Dão de perfil internacional e meticulosamente tratados.

17 de Março de 2018 às 13:00
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O Tinto Dona Georgina da famosa colheita de 2011 recebeu 94 pontos da equipa do sr.º Robert Parker e custará cerca de 35€


Os franceses inauguraram a narrativa e os americanos esticaram o texto. Quando entramos em muitas propriedades de França ou dos EUA um dos itens em destaque é o solo da propriedade. Ou, melhor dizendo, dos vários solos.

É certo que podemos observar a diversidade dos terroir num passeio pelas vinhas, mas os donos das herdades - em particular os californianos - gostam de colocar em vasos de vidro pazadas de xisto, granito, calcário, areias, argila simples e ou argila combinada com calcário. É diferente. Os visitantes sentem-se atraídos pela terra e os enólogos conseguem explicar o perfil dos seus vinhos.

Ainda recentemente, em Sancerre, no Donaime Henri Bourgeois, o enólogo Jean-Christophe Bourgeois divertia-se, perante visitantes, a bater uma pedra contra outra para fazer exalar o cheiro de pólvora, que, em seu entender, estaria presente nos vinhos. Como se imagina, nenhum vinho revelava tal intensidade olfactiva, mas determinados aromas minerais estão presentes. Isto não é novidade: os vinhos são um reflexo do solo.

Mas o que é mais raro é um vinho cheirar com alguma intensidade a uma flor que cresce no solo onde está localizada a vinha. Foi isto que sentimos há dias numa prova vertical dos tintos Dona Georgina, na Quinta de Lemos (Dão), quando, a dada altura, chega-nos ao nariz, a partir do copo da colheita de 2011, aromas expressivos de margaça, que é - mais coisa menos coisa - a flor da camomila. Flor esta que, quando as vinhas ainda nem rebentaram, faz um tapete de grande beleza nas entre linhas. Que a casta Touriga Nacional cheire a violeta ou a bergamota, isso é dos livros. Agora, margaça, já é pouco comum. E, todavia, acontece porque as uvas absorvem muitos dos aromas das plantas e arbustos circundantes à vinha. Isso faz parte do ADN do vinho e é pretexto para se falar de terroir e de outras coisas.

Ora, a partir da prova de oito colheitas de Dona Georgina (vinho que homenageia a mãe de Celso Lemos, dono do projecto), podemos registar uma filosofia de grande exigência e experimentação vitícola, um trabalho de enologia com estilo Novo Mundo e uma cultura organizacional assente na confiança extrema nos técnicos da empresa, neste caso, no enólogo Hugo Chaves.

Feito à base de Touriga Nacional (com 20 % de Tinta Roriz), os vinhos Dona Georgina das oito colheitas a contar desde 2005 revelam sempre concentração e trabalho meticuloso de madeiras. Donde, será fácil aceitar que as colheitas recuadas - em particular as de 2007 e 2008, e já agora, a de 2011 - são mais cativantes. Apesar de os vinhos serem lançados cinco anos após a vindima, o tinto de 2013 está ainda marcado pela madeira, a colheita de 2012 revela notas vegetativas e rústicas bem interessantes, sendo que o tal vinho de 2011 atira-nos para as tais margaças, com especiarias à mistura. Na boca, uma ligeira doçura vai levar-nos para um tinto muito elegante. Não sou grande fã da mítica colheita de 2011 para tintos, mas neste caso mudo de ideias.

A colheita de 2010 revelará alguma evolução, com as notas de alcaçuz ou casca de cereja em destaque e um certo vegetal com aromas de madeira de cedro. E, chegados a 2008, ficamos com a sensação de que nos aproximamos de um certo perfil clássico do Dão, em parte por causa da finura e do aveludado do vinho na boca. De todos os vinhos, só este nos atira de caras para o Dão.

Mais contido, o Dona Georgina 2007 indica-nos notas químicas e casca de cereja, com a boca a mostrar equilíbrio entre estrutura, acidez e álcool. Já o famoso 2005 pareceu-nos mais concentrado, com notas alicoradas e, quase 13 anos depois, ainda amadeirizado. Agora, entre o 2013 e o 2007, encontrar diferenças cromáticas, só com a ajuda de uma lupa. Nesta matéria, os vinhos parecem ter sido feitos ontem.

O trabalho de viticultura nesta quinta impressiona e pode irritar um padre conservador que ache que aquilo que Deus criou não deve ser destruído pelo Homem, visto que, nalgumas castas, só fica a amadurecer um cachinho de 750 gramas por cepa... Com uvas bem alimentadas teremos vinhos concentrados, razão pela qual são muito do agrado da equipa do sr.º Robert Parker.

Da gama de vinhos da Quinta de Lemos, aprecio mais - e é só uma questão de gosto - aqueles que cheiram mesmo a Dão: o invulgar e desafiante Alfrocheiro, o típico Jaen, um fantástico rosé que pelos vistos só se beberá na Mesa de Lemos (uma chatice) e outras criações livres do irreverente enólogo/pescador. Livres porque Celso Lemos é daqueles patrões que dá liberdade total aos técnicos. Quando diz, a propósito da Abiss&Abidecor (a sua empresa de têxteis), que aquilo que faz a diferença é o factor humano, não está a atirar um slogan para o ar. E isso faz bem aos vinhos da quinta, ao azeite que Cátia Correia extrai e à comida que Diogo Rocha cria na Mesa de Lemos. Tudo bem pensado.


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