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A terra é tudo

Aprecio os viticultores que, por paixão, hipotecam tudo para comprar terras. Não para comprar uvas e fazer marca. É mesmo comprar terra. Com os vinhos Mapa, Pedro Garcias cai bem na categoria de vigneron.

17 de Fevereiro de 2018 às 13:00
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Os trabalhos de enologia estão a cargo do jovem Sérgio Mendes (residente) e de Francisco Baptista (consultor). Um Flor do Mapa tinto 2015 custará €9,5 e o Mapa Grande Reserva Tinto 2015, €47,50. O Mapa Branco 2016, €8,95 e o Vinha dos Pais Branco 2016, €19,95. O Vintage 2015, €47

Antes de ser produtor no Douro, Pedro Garcias foi e continua a ser jornalista e crítico de vinhos do jornal Público, onde assina, no suplemento Fugas, crónicas que, por vezes, parecem mais escritas com uma malagueta do que com um teclado. Num país de crítica ordeira, o seu pensamento balizado por genes transmontanos pode chocar. Com mais ou menos razão, com mais ou menos exagero, há sempre princípios estruturantes nos seus textos: a defesa do mundo rural, a defesa de quem nele trabalha e o respeito pelo conceito matricial que é a Denominação de Origem Protegida. E isso faz diferença.

A aventura de Pedro e da mulher Cristina começou em 1999, com a compra de uma quinta de sete hectares em Foz Côa, junto ao Douro, paga com algumas economias, a hipoteca de um andar em Vila Real e a venda antecipada de quatro colheitas à Ramos Pinto. Tal propriedade, apta para vinho do Porto, foi mais tarde vendida, com as mais-valias a serem aplicadas numa propriedade sonhada, em Muxagata (25 hectares de vinha), na altitude adequada para fazer vinhos tintos e brancos mais frescos - a obsessão do casal. O projecto cresceu e, hoje, com outra vinha de 2,5 hectares em Favaios, coloca no mercado 35 mil garrafas, divididas pelas linhas Flor de Mapa, Mapa Reserva e Grande Reserva, Mapa Rosé, Mapa Moscatel Galego, Mapa Colheita Tardia, Mapa Vintage e ainda edições especiais que homenageiam as famílias do casal.

Quando os primeiros vinhos Mapa saíram (2009), eu entendia que, sim, senhor, apesar de frescos e equilibrados entre estrutura, fruta, acidez, taninos e álcool (já faziam parte de uma tendência que invertia o "status quo" do Douro), estavam marcados pela madeira de estágio. Mas, com a prova das colheitas ao longo do tempo, fui percebendo que as barricas num produtor novo são uma espécie de dor de parto. Faz parte. Quem é novo tem de comprar barricas novas, que, inevitavelmente, marcam mais os vinhos nas primeiras colheitas. Com o passar das colheitas, a gestão das barricas torna-se eficaz.

Por outro lado, uma alegre e caótica prova recente entre camaradas de profissão em Lisboa serviu para comparar colheitas recentes com outras recuadas. E o que se conclui? O costume. Que é uma tolice bebermos vinhos acabados de sair da adega, mesmo que estes já tenham dois ou três anos de garrafa. Nas colheitas antigas temos aromas e sabores terciários desafiantes, com taninos domados e acidez refrescante. É outra coisa.

Mesmo em matéria de brancos, algumas garrafas antigas comprovaram a capacidade de evolução dos vinhos Mapa, significando isto que é boa ideia comprá-los para justo descanso na garrafeira. É isso que devemos fazer com o Mapa Reserva 2016 (mais cítrico e tropical) e com o fantástico Vinha dos Pais 2015 - um field blend de Rabigado, Viosinho, Arinto e Gouveio. Feito em inox e em barrica, revela notas alimonadas com muita mineralidade e untuosidade.

A história é velha, mas os consumidores esclarecidos, os responsáveis de garrafeiras, os escanções e os críticos gastronómicos devem insistir no exercício do consumo do vinhos no tempo certo, que raramente coincide o tempo de lançamento. Grandes produtores podem dar-se ao luxo de lançar colheitas com 4, 6 e oito anos de garrafa. Um pequeno produtor necessitado de liquidez, não. Só a educação do consumidor pode contornar o problema. No caso dos tintos, e depois da passagem pela mesa do restaurante Nobre de vinhos que ainda estão em estágio na adega, destaco o Flor de Mapa pela frescura e pela relação qualidade-preço, bem como o senhorial Mapa Grande Reserva 2015, que no nariz revela fruta delicada e notas florais da Touriga Nacional com especiarias e, na boca, estrutura e raça.

A festa terminou com um Mapa Vintage 2015. Fino, com notas de flores, de chocolate e uma grande harmonia com a aguardente.

Para fim de conversa, um episódio testemunhado há um ano. Numa viagem com outros jornalistas pela DOP Trás-os-Montes, o então presidente da Junta de Freguesia de Sendim do Douro (homem castiço que resolvia os problemas da terra no adro da igreja quando o pessoal saía da missa) resolveu mostrar umas vinhas velhas e sobranceiras ao rio. O que ele foi fazer. Pedro Garcias ficou numa excitação tal a remover solos, a passar as mãos nas cepas deformadas e a imaginar o perfil dos vinhos que dali sairiam que não se calava a perguntar por hipotéticos valores de compra ou arrendamento de terras. Num aparte, e enquanto subíamos e descíamos de uma pick-up qualquer, o Dr. Almendra confidenciou: "Vamos esperar que ele não tenha o livro de cheques consigo, caso contrário ainda se desgraça aqui."

Pedro Garcias não é caso único, mas faz parte de um lote de vignerons em que a terra é mais importante do que adega e, claro, do que o marketing e afins. Com a prova feita no tempo, de colheita para colheita, acabamos por sentir isso nos seus vinhos.


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