Notícia
Os pesadelos africanos
A vaga das independências em África e na Ásia começou após a II Guerra Mundial. Valentim Alexandre, num livro sólido, mostra-nos como reagiu Portugal até ao início da década de 60.
Valentim Alexandre
Contra o Vento
Temas & Debates, 840 páginas, 2017
Numa época em que se volta a falar, às vezes com demasiada radicalidade e superficialidade (como foram as manifestações contra um dos mais notáveis pensadores portugueses, o padre António Vieira), sobre o mundo colonial português, um livro poderoso, lúcido e culto vem colocar a discussão nos territórios sensatos em que deve ser debatido. Há muito que Valentim Alexandre é um dos mais sólidos historiadores portugueses sobre o período do colonialismo (sobretudo em África) e este livro, dedicado aos anos entre 1945 e 1960 (ou seja, até antes das "lutas de libertação"), é um trabalho claro sobre essa época, na sequência de cinco séculos de aventuras portuguesas nas sete partidas do mundo.
Os anos de que fala Valentim Alexandre correspondem ao período final do império português, numa altura em que, na sequência da II Guerra Mundial, e sobretudo após a conferência dos "não-alinhados" de Bandung de 1955, o novo nacionalismo africano e asiático ganhava força e forçava as independências. Algo que a independência da "jóia da coroa", a Índia, deixava antever, e que teria sequência em toda a Ásia e África nas décadas de 1950 e 1960. Portugal manteve-se imóvel ao que sucedia. Até ser demasiado tarde.
Afinal, o colonialismo português em África só se tornou mais real depois das tentativas de ocupação territorial por parte das potências coloniais (desejosas disso, como a Bélgica) começarem a actuar nas últimas décadas do século XX. O BNU, banco para financiar as empresas coloniais, surge numa fase tardia e as acções no interior de África para delimitar fronteiras são escassas e tardias. A presença colonial portuguesa era feita junto ao mar e em poucos outros locais.
Os sinais de alarme - "Visto, desde meados da década, como uma realidade a encarar a médio ou longo prazo, o movimento de descolonização de África conhecera bruscamente uma expressão vertiginosa, que o levara junto às fronteiras dos territórios portugueses: de preocupação longínqua, o destino final do Império passara a ser um problema iminente, ocupando um lugar central da vida política nacional", escreve-se - não inquietam demasiado um regime fechado como o de Salazar. A pressão em Angola, Moçambique e Guiné era pouco visualizada em Lisboa, quando Franco Nogueira já falava na "erosão" dos apoios dos "aliados" de Portugal.
Não deixa de ser curioso vermos como evoluiu o "receio" de Salazar face ao que se passava no mundo pós-II Guerra Mundial, sobretudo em África. Valentim Alexandre escreve: "O receio do expansionismo de Washington levava a tentar preservar tanto quanto possível os territórios portugueses em África da influência dos Estados Unidos. A primeira tentativa de investimento norte-americano - no caso concreto, na Companhia de Cabinda - foi mal recebida: ainda no tempo do ministro Vieira Machado, a concessão à empresa foi anulada 'por inexecução das suas cláusulas pelo concessionário', segundo a informação dada ao embaixador Norweb." Para Marcelo Caetano, a concessão entregaria Cabinda aos americanos. E era nesta perspectiva de cerco que Portugal foi forjando a sua política colonial até ao início da guerra colonial. E, depois, foi aquilo que se sabe.
Contra o Vento
Temas & Debates, 840 páginas, 2017
Numa época em que se volta a falar, às vezes com demasiada radicalidade e superficialidade (como foram as manifestações contra um dos mais notáveis pensadores portugueses, o padre António Vieira), sobre o mundo colonial português, um livro poderoso, lúcido e culto vem colocar a discussão nos territórios sensatos em que deve ser debatido. Há muito que Valentim Alexandre é um dos mais sólidos historiadores portugueses sobre o período do colonialismo (sobretudo em África) e este livro, dedicado aos anos entre 1945 e 1960 (ou seja, até antes das "lutas de libertação"), é um trabalho claro sobre essa época, na sequência de cinco séculos de aventuras portuguesas nas sete partidas do mundo.
Afinal, o colonialismo português em África só se tornou mais real depois das tentativas de ocupação territorial por parte das potências coloniais (desejosas disso, como a Bélgica) começarem a actuar nas últimas décadas do século XX. O BNU, banco para financiar as empresas coloniais, surge numa fase tardia e as acções no interior de África para delimitar fronteiras são escassas e tardias. A presença colonial portuguesa era feita junto ao mar e em poucos outros locais.
Os sinais de alarme - "Visto, desde meados da década, como uma realidade a encarar a médio ou longo prazo, o movimento de descolonização de África conhecera bruscamente uma expressão vertiginosa, que o levara junto às fronteiras dos territórios portugueses: de preocupação longínqua, o destino final do Império passara a ser um problema iminente, ocupando um lugar central da vida política nacional", escreve-se - não inquietam demasiado um regime fechado como o de Salazar. A pressão em Angola, Moçambique e Guiné era pouco visualizada em Lisboa, quando Franco Nogueira já falava na "erosão" dos apoios dos "aliados" de Portugal.
Não deixa de ser curioso vermos como evoluiu o "receio" de Salazar face ao que se passava no mundo pós-II Guerra Mundial, sobretudo em África. Valentim Alexandre escreve: "O receio do expansionismo de Washington levava a tentar preservar tanto quanto possível os territórios portugueses em África da influência dos Estados Unidos. A primeira tentativa de investimento norte-americano - no caso concreto, na Companhia de Cabinda - foi mal recebida: ainda no tempo do ministro Vieira Machado, a concessão à empresa foi anulada 'por inexecução das suas cláusulas pelo concessionário', segundo a informação dada ao embaixador Norweb." Para Marcelo Caetano, a concessão entregaria Cabinda aos americanos. E era nesta perspectiva de cerco que Portugal foi forjando a sua política colonial até ao início da guerra colonial. E, depois, foi aquilo que se sabe.