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O lado errado da cidade

“Swing Time” é uma excelsa obra sobre a sociedade, o sexo ou as diferentes étnicas. Tudo está aqui calibrado e permite-nos perceber um pouco melhor o universo de uma sociedade britânica estilhaçada.

24 de Junho de 2017 às 09:30
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A quinta novela de Zadie Smith mostra a escritora no seu melhor momento. Ela traz-nos a história de duas raparigas que cresceram naquilo que poderíamos designar como "o lado errado da cidade". Estamos a falar de Londres, como é óbvio. A narradora (de que desconhecemos o nome) é alguém que é inteligente mas duvida das suas capacidades. A outra, Tracey, é autoconfiante mas também autodestrutiva. A mais talentosa acaba por ser rebelde na escola e independente em casa, fazendo a sua vida (incluindo sexualmente) de forma muito precoce. A outra tenta sair da comunidade através do trabalho árduo na escola. Consegue isso, tornando-se assistente de uma cantora pop chamada Aimee e, com ela, acaba por conhecer o mundo.

A consistência da história é notória e representa uma solidificação de um estilo que já se adivinhava em "Dentes Brancos", o seu primeiro livro de 2000, quando Zadie Smith tinha apenas 24 anos. Pelo caminho, Smith tem construído obras onde a flexibilidade estilista é notória.

Este "Swing Time" é também um tempo de alguma mudança na prosa da autora. É escrito na primeira pessoa e, de alguma maneira, faz lembrar, através da narradora, a própria vida de Smith: uma jovem nascida em casas de habitação social, filha de uma mãe negra e de um pai branco. Mas os traços autobiográficos acabam por terminar aqui. Depois de ter sido despedida de assistente de Aimee, a narradora fica com tempo para reflectir sobre a sua vida. E vai a uma projecção do musical "Swing Time", de Frank Sinatra, e tem uma verdadeira revelação: os seus anos não surgem empilhados uns nos outros. Confronta-se com o posto: ela sempre fixou ligada à luz de outras pessoas sem tempo para dar luz a si própria. Sempre foi uma sombra e não a luz.

Tudo isto também nos remete para a dança, onde é Tracey que tem talento. Smith liga aí o dom de saber fazer algo no preciso momento em que tal é necessário com o dom de saber o tempo certo para dizer algo. E Tracey, desde muito nova, tem ambos os dons. Tracey é uma mestre na manipulação das narrativas. Como conta a narradora, Tracey, quando se julga que uma história vai ter um final feliz, consegue arranjar uma fórmula de o destruir. Quando, mais tarde, Tracey reaparece na vida da narradora, este dom é o seu meio para se vingar. Até porque a vida desta é aquela desenhada pela sua mãe: tem filhos e nas ruas passa como se não existisse. O contrário da vida da narradora.

"Swing Time" é uma excelsa obra sobre a sociedade, o sexo ou as diferentes étnicas. Tudo está aqui calibrado e permite-nos perceber um pouco melhor o universo de uma sociedade britânica estilhaçada e que busca o seu próprio destino. A mudança acaba por ser o tema central de todo o livro: a das pessoas e a da sociedade. E é também por isso que o seu ritmo é empolgante.

Zadie Smith

Swing Time
D. Quixote,
453 páginas, 2017

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