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Em busca do destino

Um hotel, perdido no interior de Portugal, é o cenário perfeito para Rui Ângelo Araújo nos desvendar uma história repartida por diferentes décadas sobre uma certa decadência do país.

07 de Outubro de 2017 às 09:15
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Rui Ângelo Araújo
Hotel do Norte
Companhia das Ilhas, 295 páginas, 2017

O Hotel do Norte, na estância termal de Fonte da Moura, é um local povoado por memórias. Das décadas de 40 e 70 do século XX e da primeira década do XXI. São ecos vagos de vidas diferentes que se cruzaram num local também já desaparecido. E vamos à sua descoberta a partir da chegada dos retornados de 1975 ali, como a muitos outros locais em Portugal. Seguimos Walter, Delfina e Beirão durante um ano, que funciona como um parêntesis nas suas existências, fechando um ciclo e procurando adivinhar a rota do vento, como se este lhes pudesse indicar o destino. Em cada momento desta história soberba contada por Rui Ângelo Araújo desvenda-se uma era do Hotel do Norte.

Como se escreve: "Os fantasmas que o visitavam no quarto vinham todos dos anos trinta e quarenta do século XX, de quando o termalismo mobilizava as boas famílias para verões de água e ócio. (...) Os álbuns eram habitados por cavalheiros distintos, de fato e chapéu, com feições escuras e rudes, e por damas de vestidos compridos, tão feias quanto os seus esposos. Walter via-os tremer de indignação, por não lhes parecer bem que plebeus da estirpe dele pudessem substituí-los nos quartos que eles alugavam à temporada geração após geração. Havia algo de herético na sua permanência ali, mas só à noite, na cama, se sentia incomodado com isso, fruto da superstição tropical, da crença no poder dos mortos." Percorremos a paisagem das almas como se fôssemos também explorando um Portugal que se transformou. E é aí que, desde logo, o autor vai construindo uma teia criativa muito tentadora. O hotel do Norte é um microclima onde nos apercebemos dos sonhos e pesadelos das personagens que por aqui passam.

Percorremos décadas e ficamos com a sensação de como as coisas mudaram. Walter acaba por nos conduzir neles, ajudado pelos arquivos do hotel, que ilustram outros tempos e outros olhares. Recuamos a 1941, anos de outra guerra: "Na sua opinião, o hotel era um museu de cera. Quando os hóspedes chegavam para se registar, deixavam na recepção, como às portas do Inferno, as alegrias e os apetites. Aceitar a prescrição clínica de um mês ou dois nas termas era aceitar que o sangue abandonasse as veias para ser substituído por água mineral gaseificada - bebida a goles rigorosos e com pontualidade castrense. Os resquícios de volúpia que teimassem em ficar à flor da pele eram meticulosamente removidos no balneário à força de mangueiras de pressão - que faziam jorrar água gelada, caso a força da agulheta não eliminasse todos os ânimos." São diferentes olhares que nos dão diferentes ângulos de vida em épocas que se cruzam. A beleza das descrições interiores, a forma como se iluminam os pensamentos pessoais e a dinâmica da narração tornam este romance um belo exercício de escrita. Rui Ângelo Araújo mostra aqui, na sequência do que já havia feito anteriormente, que é um excelso prosador. "Hotel do Norte" é, a partir de um edifício onde se tratam os males, um olhar sobre a própria decadência de um povo e de uma nação.





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