Notícia
A vida de um chef em 48 receitas
Miguel Castro Silva é fundador da moderna cozinha portuguesa de autor. A partir de 48 ingredientes, revisita criações que já fazem parte da nossa história. Daqui resulta o livro “Na Cozinha de Miguel Castro Silva”, da autoria de Augusto Freitas de Sousa, com fotos de Jorge Simão.
12 de Novembro de 2016 às 16:00
Se há uma área editorial que passa pelos pingos da chuva da crise é a da gastronomia, que, como se sabe, é muito vasta. As prateleiras enchem-se com livros de receitas de gente "gira"; livros para entreter turistas; publicações didácticas sobre vinhos; obras para vegetarianos e outras famílias próximas; livros de cozinhas exóticas; livros de sumos e sopas detox, ou "livros objecto" lindíssimos, carregados de design, que nos convidam a passar vagarosamente página a página, sendo que, nestes casos, a compreensão das receitas pouco importa.
Mas o que é difícil de encontrar num livro é beleza, história, bons textos e - cereja no topo do bolo - receitas com produtos muito nossos e explicadas com tal simplicidade que um tipo encartado em ovos estrelados e esparguete possa executá-las com facilidade. Isto, sim, faz diferença. Isto, sim, é a quadratura do círculo. E isto é, em concreto, o livro "Na Cozinha de Miguel Castro Silva", da autoria de Augusto Freitas de Sousa, com fotos de Jorge Simão.
Miguel Castro Silva e Augusto Freitas de Sousa são do Porto e conheceram-se há pouco mais de um ano quando o jornalista que escrevia no jornal i convidou o cozinheiro para jantar em sua casa. Em vez de ir ao restaurante do chef fazer a criticazinha do costume, a ideia era convidar os chefs e apresentar-lhes criações que deslumbrassem um profissional. Tripeiro, o autor deste livro resolveu fazer um arroz de polvo seco, que, parecendo simples, tem os seus truques. Resultado, e nas palavras do Augusto, "a coisa nem correu lá muito bem". Parece que o lote de arroz "era uma mistura de grãos de diferentes proveniências". Pois é, Augusto, se eu tivesse de cozinhar para o Miguel, haveria de apanhar uma carga de nervos que a colher de pau a bater nos tachos faria uma ruidosa batucada africana. Deixa lá, eu percebo.
Mas o que importa é que, a partir deste jantar, os dois ficaram amigos e cúmplices de patuscadas, às quais se juntou o fotógrafo e gastrónomo Jorge Simão, velho conhecido do chef. Ou seja, este não é um livro em que um editor se lembra de um chef e vai depois à procura de um escritor e de um fotógrafo. É um livro pensado e construído entre amigos, com muita conversa na mesa e na cozinha. Parecendo que não, faz diferença.
Ora, o que temos aqui são 48 receitas criadas a partir de 48 ingredientes fundamentais no percurso profissional do chef. Com eles, Miguel ora cria de raiz (quase todos os pratos), ora recria a partir de pratos históricos, sendo que, em todos os casos, há sempre a preocupação de trabalhar a intensidade do sabor, respeitar a integridade dos produtos e surpreender pela ligação destes.
Nem sei por onde começar, mas imaginemos as amêijoas com feijão manteiga. Quem diria que a coisa funcionava? Mas não só funciona como é simples de executar. Bacalhau com cebola e vinho do Porto? Isso liga? Pois liga e muito bem.
Quem se interesse por estas coisas da gastronomia há meia dúzia de anos, poderá estranhar que um cozinheiro apresente agora receitas como morcela, cebola e maçã ou tártaro de carapau. Pois, mas convém recordar que estas receitas terão uns 15 anos. É um detalhe importante. Aliás, há uns anos, a cozinhar em França no Maison de Bricourt, Miguel Castro Silva disse ao chef Olivier Roellinger que iria fazer uma pré-entrada com carapau cru. Pergunta deste: "ça se manje?". Parece que, hoje, em França, se come aji tataki por todo o lado.
Poderia ficar aqui a dissertar sobre outras iguarias (o soberbo robalo com laranja e funcho, por exemplo), mas terei de finalizar o texto com um lamento: a ausência das receitas das iscas do cachaço (bacalhau) e da terrina de laranja e whisky apresentada num "whisky dinner" ocorrido no restaurante Largo há uns cinco anos e que silenciou a sala. Lamentável, oh Miguel. De maneira que o melhor é começares já a meter no papel outras receitas para uma reedição desta obra.
Mas o que é difícil de encontrar num livro é beleza, história, bons textos e - cereja no topo do bolo - receitas com produtos muito nossos e explicadas com tal simplicidade que um tipo encartado em ovos estrelados e esparguete possa executá-las com facilidade. Isto, sim, faz diferença. Isto, sim, é a quadratura do círculo. E isto é, em concreto, o livro "Na Cozinha de Miguel Castro Silva", da autoria de Augusto Freitas de Sousa, com fotos de Jorge Simão.
Mas o que importa é que, a partir deste jantar, os dois ficaram amigos e cúmplices de patuscadas, às quais se juntou o fotógrafo e gastrónomo Jorge Simão, velho conhecido do chef. Ou seja, este não é um livro em que um editor se lembra de um chef e vai depois à procura de um escritor e de um fotógrafo. É um livro pensado e construído entre amigos, com muita conversa na mesa e na cozinha. Parecendo que não, faz diferença.
Ora, o que temos aqui são 48 receitas criadas a partir de 48 ingredientes fundamentais no percurso profissional do chef. Com eles, Miguel ora cria de raiz (quase todos os pratos), ora recria a partir de pratos históricos, sendo que, em todos os casos, há sempre a preocupação de trabalhar a intensidade do sabor, respeitar a integridade dos produtos e surpreender pela ligação destes.
Nem sei por onde começar, mas imaginemos as amêijoas com feijão manteiga. Quem diria que a coisa funcionava? Mas não só funciona como é simples de executar. Bacalhau com cebola e vinho do Porto? Isso liga? Pois liga e muito bem.
Quem se interesse por estas coisas da gastronomia há meia dúzia de anos, poderá estranhar que um cozinheiro apresente agora receitas como morcela, cebola e maçã ou tártaro de carapau. Pois, mas convém recordar que estas receitas terão uns 15 anos. É um detalhe importante. Aliás, há uns anos, a cozinhar em França no Maison de Bricourt, Miguel Castro Silva disse ao chef Olivier Roellinger que iria fazer uma pré-entrada com carapau cru. Pergunta deste: "ça se manje?". Parece que, hoje, em França, se come aji tataki por todo o lado.
Poderia ficar aqui a dissertar sobre outras iguarias (o soberbo robalo com laranja e funcho, por exemplo), mas terei de finalizar o texto com um lamento: a ausência das receitas das iscas do cachaço (bacalhau) e da terrina de laranja e whisky apresentada num "whisky dinner" ocorrido no restaurante Largo há uns cinco anos e que silenciou a sala. Lamentável, oh Miguel. De maneira que o melhor é começares já a meter no papel outras receitas para uma reedição desta obra.