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Salvem a Olaria do Corval

Na aldeia alentejana de São Pedro do Corval sobrevive uma arte oleira única, mas a possibilidade de extinção num prazo próximo é muito séria, se não for implementada uma estratégia de valor.

12 de Agosto de 2017 às 09:00
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Não deverá existir uma hipótese muito grande de sobrevivência num tempo que se avizinha próximo para a Olaria de São Pedro do Corval. A aldeia alentejana ao lado de Monsaraz tem uma história do barro muito engraçada. Graças aos terrenos fronteiros, com terra abundante na matéria-prima da cerâmica, desenvolveu, de há uns séculos para cá, uma manufactura massiva que criou uma tradição e um mercado nacional e internacional.

Houve tempos em que uma larga maioria dos habitantes da aldeia, hoje com perto de duas mil pessoas, se dedicava à arte, e os fornos coziam dia e noite o que os oleiros moldavam. Hoje, existem ainda umas duas dezenas de olarias e continua a existir procura, mas sentem-se já os sinais de fraqueza, o mais importante dos quais é o de que não há oleiros jovens.

Por outro lado, é inequívoco que existe mercado, e que as olarias escoam o seu produto. Mas, na verdade, é aqui que começa o problema. O modelo de negócio da Olaria do Corval assenta hoje no volume, ou seja, na venda do maior número possível de peças, e na loiça utilitária, como por exemplo recipientes para azeitonas ou para assar chouriços, muitas vezes destinados à restauração.

O que esta estratégia provoca é a criação e comercialização de um produto indistinto e que, para mais, pode ser copiado e fabricado industrialmente. Ou seja, que não tem diferença, o que poderá levar a procura a escolher, no futuro, outros centros oleiros, se o preço for concorrencial. Deste modo, a grande força da Olaria de São Pedro do Corval, o saber e a arte que lhe permite criar peças únicas e com uma identidade singular, não está a ser aproveitada.

O que torna esta olaria distinta, antes de tudo o mais, são as peças rurais centenárias, das quais se destacam os alguidares da carne e os enormes pratos de comer, que alguns chamam de pratos alentejanos, moldados à mão, e pintados com o rebordo branco. Assim, existindo uma marca e uma arte rara, toda a estratégia deveria começar por aqui.

Antes de tudo o mais, devia ser feito um levantamento do que são as peças genuínas de São Pedro do Corval e proceder à indispensável certificação, como já tem sido feito com artes e objectos semelhantes em Portugal. Por outras palavras, elevar a manufactura a património. Depois, deveria existir um esforço conjunto, que passa pelos oleiros e pela edilidade, para mudar o modelo de produção, criando peças em séries mais limitadas, numeradas e assinadas pelo mestre. Ou seja, criando valor para os bens. E, finalmente, deveria existir capacidade para os oleiros estarem reunidos numa estrutura que defendesse os seus interesses e que lhes permitisse chegarem a um nó vital, a que ainda não chegaram, que é o da comunicação e venda em plataformas virtuais.

Se o mundo oleiro de São Pedro do Corval continuar a apostar no grande volume indistinto, não classificado e não identificado, continuará na margem do baixo valor e, dentro de pouco tempo, a sua identidade desaparecerá. 


Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.


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