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Rueffa: Gosto de juntar os tempos

Resina cristal, fibra de vidro e esferovite são os materiais-âncora de Rueffa, artista do universo da chamada neo pop art. A sua última exposição chama-se “Time Lapse II e está na Casa-Museu Medeiros e Almeida.

23 de Dezembro de 2016 às 14:00
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Uma Kate Moss eternizada em resina cristal, camada sobre camada, com uma peça de joalharia inclusa. Uma nota de dólar gigante com folha de ouro incrustada. Um Beethoven em fibra de vidro com circuitos electrónicos incorporados. Um Salvador Dali feito a partir de esferovite. Resina cristal, fibra de vidro e esferovite são os materiais-âncora de Rueffa, artista do universo da chamada neo pop art, que está agora a aventurar-se pelo mundo da instalação. A sua última exposição chama-se "Time Lapse II", está na Casa-Museu Medeiros e Almeida até dia 30 de Dezembro e sucede a "Time Lapse I", onde tinham figurado ícones como Andy Warhol, Basquiat e António Variações. Admiradora dos pintores do Renascimento, Rueffa inclui, na sua obra, referências aos mestres de então. Daí o seu Time Lapse. "Nesta sala, estão reunidos cerca de 430 anos". Ela gosta de juntar os tempos. Fora de Portugal, a artista tem tido os seus trabalhos expostos em espaços como a Hoxton Gallery, em Londres.


O universo que povoa o meu trabalho é o universo da neo pop art, em que revisito determinados ícones e configuro-lhes um novo discurso. Tenho como desafio manter vivas as personalidades que estou a representar, é uma espécie de homenagem que lhes presto. Procuro pensar: se esta pessoa estivesse viva, gostaria de estar representada desta forma? Será que o Freddie Mercury gostaria de ser visto assim? Eu acho que sim. Posso dizer que, quando terminei o quadro, ao fim de três meses, chorei. Eu adoro o Freddie Mercury e, quando estou a trabalhar, entro num frenesim louco, fico em estado de transe. Faço um trabalho de biografia gigante e fico a saber quase tudo sobre as personalidades que vou representar. Tudo aquilo que faço é muito intenso e fico esgotada. Eu não durmo. Literalmente!
A escolha dos ícones tem que ver comigo, acho que sou uma pessoa que parou um bocadinho no tempo, gosto muito de música dos anos oitenta e tenho um padrão muito americano, gosto muito de néones e de cartazes. Quando fiz a exposição "I Love You" - inspirada nos actores da idade de ouro do cinema americano e no universo de pin-ups dos anos 50 - no Casino Lisboa, parecia mesmo que estava nos Estados Unidos.
Pouco a pouco, comecei a aperceber-me de que as pessoas gostavam daquilo que eu fazia e, desde então, não parei. Às vezes, vou um bocadinho abaixo, confesso. Não é fácil viver da arte em Portugal. As galerias praticamente só promovem artistas que já são conhecidos, e eu tenho um "problema" acrescido: supostamente, sou muito nova e sou mulher. Se sou nova, se não sou conhecida e se as galerias não me ajudam, então nunca vou ser conhecida, é uma bola de neve. Levei com muitas portas na cara. Portugal não tem assim tantos espaços culturais em termos de arte e é difícil, para os artistas emergentes, colocarem-se no mercado.
Acho que o meu trabalho é mais valorizado fora de Portugal. Tive de sair para ser reconhecida cá dentro. É o que geralmente acontece. E, claro, se tivesse um "background" financeiro, se calhar, já teria feito obras que me permitiriam ser mais conhecida. Mas eu estou a teimar com Portugal, faço questão, é quase como dar uma chapada - ai, não me ligaste e agora já me ligas? É um desafio. Estive quase para desistir. A dada altura, regressei à banca, onde trabalhei durante alguns anos.

Sim, trabalhei no BPI e no Montepio. Na altura, eu queria tirar a carta de condução e ficar independente dos meus pais. Trabalhei nos serviços centrais do BPI. No início, eu nem sequer sabia o que era uma TAEG. E era-me muito difícil vender um cartão de crédito, achava que estava a pôr uma corda ao pescoço das pessoas, até que comecei a perceber que um cartão, se for bem utilizado, pode ser realmente importante. Tornei-me numa das melhores operadoras. Fui subindo, fui vendendo crédito pessoal, crédito habitação, tornei-me chefe de equipa, fui convidada para o balcão de Braga, depois fui para o centro de investimentos de Braga. Dava formação. Curiosamente, acho que se não tivesse passado pela banca, não seria a pessoa ambiciosa, comunicativa e perspicaz que sou. Paralelamente ao trabalho da banca, fui sempre pintando. A dada altura, juntei algum dinheiro e acabei por focar-me na arte. Nunca sei se foi um erro ou não, se calhar teria conseguido conciliar as coisas.

No meu trabalho, eu faço tudo, desde o princípio ao fim. Não utilizo tela, não utilizo madeira, pinto sobre esferovite, sobre fibra de vidro ou resina cristal. Estes são os meus três grandes suportes. Pego nestas matérias-primas e configuro-lhes um novo tipo de plasticidade. Interessa-me a questão do jogo, das camadas, gosto de acrescentar, eu nunca estou satisfeita.
O meu pai é que me passou o bichinho da arte e da experimentação - "hás-de experimentar este material", dizia-me. O meu pai, Carlos Vidal, é, na verdade, a minha grande referência artística, o meu mestre de todos os tempos. Nós temos um atelier de produções artísticas, o Relevo, que actua na área da publicidade e marketing de guerrilha e faz peças em três dimensões em esferovite ou em fibra de vidro para colocar na rua. Quando eu era pequenina, tínhamos uma garagem onde o meu pai trabalhava. Lembro-me de ele estar a fazer um frasco de perfume gigante e de eu andar por lá no meio do esferovite. Eu era uma espécie de aprendiz do meu pai.
Licenciei-me em História de Arte, mas o meu percurso é muito complexo. Eu tinha a ideia de estudar Marketing e Publicidade, mas enganei-me no código do curso e fui parar a… Ciências Musicais, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova. Cheguei a frequentar as aulas, chumbei a tudo. Era um desastre. A coordenadora do curso viu-me desesperada e, então, andei de departamento em departamento até chegar a História de Arte.
Saí do curso sem saber o que era arte. Às vezes, estava nas aulas, a assistir à teorização sobre as obras, e pensava: mas o artista nunca pensou nada disto, porque é que estamos a criar todo este enredo? Parece ser necessário criar uma boa história sobre o objecto. Na minha opinião, a teoria prevalece sobre a arte. A dada altura, eu ia a exposições e não conseguia sentir nada, e acho que isso acontece com muitas pessoas. Acho que as pessoas estão um bocadinho cansadas de não se emocionarem, e o meu trabalho é um bocadinho esse. O meu objectivo é emocionar as pessoas. 


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