Em 2024, um em cada cinco adultos, à escala global, dizia ter sentido solidão no dia anterior, aponta o relatório Gallup Global Emotions. Já em 2022, o mesmo documento tinha revelado que 330 milhões de adultos passavam duas semanas sem falar com um único amigo ou familiar, e que uma em cada cinco pessoas sentia não ter ninguém com quem contar. Por seu turno, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta para o facto de 25% das pessoas mais velhas experienciarem isolamento social, e entre 5% e 15% dos adolescentes afirmam sentir-se sozinhos.
Por cá, com mais de um milhão de pessoas a viver sozinhas (55% das quais idosas), os dados da Comissão Europeia, de 2020, revelavam que 21,9% dos portugueses dizia sentir-se só. Com a relação já provada entre o isolamento social e o maior risco de doença e morte, estes números ganham nova dimensão. "A solidão prolongada não é apenas uma questão emocional - é um problema de saúde pública", alerta a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva.
"A solidão e o isolamento social são duas faces da mesma moeda, mas não são sinónimos", continua. A primeira pode ser uma escolha com benefícios ao nível da "introspeção, criatividade e autorregulação emocional", a segunda pode revelar-se uma "experiência de sofrimento, caracterizada pela ausência de relações significativas". "Quando o isolamento se torna involuntário e prolongado, os efeitos são devastadores. A ausência de conexões significativas ativa no cérebro os circuitos associados à dor física, levando a um aumento do cortisol, da inflamação crónica e a um risco 30% maior de mortalidade precoce", afirma Filipa Jardim da Silva.
Vários estudos mostram que o isolamento social e solidão estão ligados a um maior risco de doença e morte. Em 2022, investigadores da Universidade de Cambridge comprovaram a relação entre o isolamento social dos mais velhos com o aumento de 26% do risco de demência. E, em 2024, a equipa publicou, na revista Nature Human Behaviour, outro estudo que sugere que a solidão pode levar ao aumento de cinco proteínas ligadas a processos inflamatórios e às respostas imunitária e antiviral. A análise temporal dos dados de mais de 42 mil participantes - que tiveram os registos clínicos dos últimos 14 anos escrutinados - também mostrou que mais de metade destas proteínas estavam relacionadas com doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, enfarte e morte.
Além disso, lembra Filipa Jardim da Silva, "a solidão é um dos maiores preditores de depressão e ansiedade". "Pessoas que se sentem solitárias têm níveis mais elevados de atividade na amígdala, a região cerebral associada ao medo e ao stress".
Mais velhos e mais sós
Os mais velhos são, a par dos jovens adultos e de indivíduos que passam por fases de mudança de vida (divórcio, mudança de cidade ou país, etc.), quem está em maior risco de isolamento social, diz Filipa Jardim da Silva.
"O isolamento social tem impactos negativos na saúde e no bem-estar, estando associado a uma pior autoavaliação do estado de saúde e a um menor sentimento de felicidade/satisfação com a vida entre os idosos", reconhece Pedro Alcântara da Silva, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, especializado nas áreas do envelhecimento e em sociologia da saúde. "A menor integração social, traduzida em redes interpessoais mais restritas e menor apoio social, tende a aumentar o risco de mortalidade, independentemente da idade após os 65 anos, do género ou das condições socioeconómicas", continua o investigador.
Em Portugal, estas redes interpessoais desenvolvem-se sobretudo na família. Isto explica-se "devido a fatores como mobilidade reduzida (maior número de anos com pior saúde) e menor participação em atividades sociais", diz Pedro Alcântara da Silva. Mas são os relacionamentos sociais mais amplos um dos fatores que podem melhorar a saúde e o bem-estar. "Quanto mais se estendem a amigos e interações sociais alargadas, melhor é a satisfação com a vida e melhor é o estado de saúde físico e mental", refere o investigador.
Os homens casados, bem como aqueles que têm níveis de educação mais baixos, tendem a ter menos amigos, sendo que é entre as mulheres e pessoas mais escolarizadas que há um contacto mais frequente dentro da rede social. Fatores que mudam consoante a geografia. Por exemplo, em Lisboa, há uma tendência para haver redes interpessoais maiores e mais diversificadas. No entanto, a urbanização propicia um maior isolamento e, por isso, é também em Lisboa que "a distância percecionada relativamente às pessoas mais chegadas tende a ser maior tanto física como emocionalmente", explica Pedro Alcântara da Silva.
O peso social
Os efeitos do isolamento vão muito além da saúde, com consequências ao nível da personalidade, da política e até na relação com a realidade, alerta um artigo publicado na edição de fevereiro da revista The Atlantic. Na época do "take away" e do "streaming", atividades como comer fora ou ver um filme passaram a ter lugar em casa, muitas vezes sem companhia, originando maior isolamento. Nos EUA, a percentagem de indivíduos que saem para jantar ou tomar uma bebida com amigos caiu 30% nas duas últimas décadas. E até o número de reservas de "mesas para 1" está a aumentar - 29% nos últimos dois anos, de acordo com a plataforma de reservas Open Table.
O declínio na socialização acentuou-se com a pandemia da covid-19, mas começou há algumas décadas, e ganhou ritmo a partir do início deste século. Nos EUA, entre 1985 e 1994, o envolvimento ativo em organizações comunitárias caiu para metade e, nas últimas décadas, foi visível um menor investimento na construção de espaços comunitários.
Marc J. Dunkelman, investigador da Universidade de Brown citado pela The Atlantic, alerta para os efeitos sociais deste modo de vida. A cultura baseada na casa e no smartphone fortalece as relações mais próximas (da família e melhores amigos) e mais distantes (a "tribo" a que estamos ligados pelas afinidades), mas enfraquece o círculo intermédio, composto pelas pessoas que vivem à nossa volta, mas com quem não temos uma relação íntima, denominado por Dunkelman como aldeia. Para o investigador, esse círculo - onde somos forçados a chegar a compromissos e a praticar o "desacordo produtivo" - é essencial para a coesão social. "As famílias ensinam-nos o amor e a tribo a lealdade, mas a aldeia ensina-nos a tolerância", diz.
Noreena Hertz, no seu livro "O Século da Solidão", cita estudos que mostram isso mesmo. No início dos anos 1990, em França, os investigadores já encontravam sinais entre o isolamento social e os votos na Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen. Uma tendência confirmada 18 anos mais tarde, nos Países Baixos, quando a análise de dados de 5.000 indivíduos concluiu que uma menor confiança nas pessoas que os rodeiam estava associada a uma maior probabilidade de voto no partido populista nacionalista de direita neerlandês. Na mesma linha, um estudo que, ao longo de 15 anos, acompanhou 60 mil pessoas de 17 países europeus, revelou que aqueles que participavam em associações de bairro ou grupos de voluntariado tinham menores probabilidades de votar no partido populista de direita.
Mas como pode uma sociedade em que, graças à tecnologia, estamos sempre conectados, ser caracterizada pela solidão e isolamento social? A resposta pode estar na própria tecnologia, com vários estudos a ligarem a dependência das redes sociais aos sentimentos da solidão.