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Fred: Hoje até fico contente quando dizem que sou o filho do Kalú

Ser conhecido como filho do baterista dos Xutos & Pontapés foi coisa que o chateou quando era miúdo. Hoje gosta. E até já é o pai baterista a dizer ao filho baterista: “Ó pá, agora toda a gente diz que eu sou o teu pai”.

Bruno Simão
22 de Julho de 2016 às 15:00
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Ele é o filho do Kalú e o pai do Sebastião. E da Maria. Ele é o Fred, o Fred Ferreira. Ser conhecido como filho do baterista dos Xutos foi coisa que o chateou um pouco quando era miúdo. Hoje não. Hoje gosta. E até já é o pai baterista a dizer ao filho baterista: "Ó pá, agora toda a gente diz que eu sou o teu pai." Nascido à beira dos anos 80, Fred andou pelo país com o pai, com a tia e os tios, e com a grande família que é a família dos Xutos. Aos três anos, Fred tinha uma banda, ele e o primo Marco. Eram só dois e por isso chamavam-se os Os 3 Malucos. Tocavam Clash e davam concertos na garagem da avó. Fred foi pai cedo, saiu da escola cedo, trabalhou numa padaria, numa tabacaria, num café. E sempre a tocar. Com os Yellow W Van e outras bandas. Foi baterista dos Buraka Som Sistema, pertence à Banda do Mar e aos Orelha Negra, grupo que vai estar no festival Sol da Caparica, no dia 11 de Agosto. O filho Sebastião lá anda a acompanhar o pai. E o pai Fred até já diz: daqui a uns anos, serei o pai do DJ Master. Do Sebastião.


Eu sempre quis ser baterista, por causa do meu pai, claro, e porque fico entusiasmado com todo aquele ambiente à volta da música e dos concertos. Aliás, eu já fiz de tudo nos festivais, desde tocar no horário principal do Alive até descarregar camiões TIR e transportar amplificadores. Nasci com isto, não consigo fazer outra coisa, e não quero fazer outra coisa. Com o meu filho, o Sebastião, passa-se a mesma coisa. Ele até já tem um nome artístico, DJ Master, mas, de momento, só toca em festas de anos de amigos. Tem 14 anos. Cada coisa a seu tempo. Ele também gosta de produzir. Tudo isto está dentro dele e não vai sair, ele andou sempre comigo, eu a tocar e ele, ainda bebé, com uns "phones" a proteger os ouvidos, sentado ao meu lado.
Eu também adorava andar com o meu pai em digressão, mas os tempos eram outros. Estávamos nos anos 80. Muitas vezes, eu passava a tarde com os Xutos, a preparar a festa, e à noite ia para o hotel com uma "babysitter" ou ficava em casa. Na altura, sofri um bocado. Lembro-me de andar na quarta classe e no quinto ano e de ouvir dizer - eh pá, a banda do teu pai é horrível. E, na altura, as pessoas associavam os músicos a álcool e a drogas. O meu pai era treinador de futebol da escola, ia buscar-nos para treinar, pagava-nos o lanche, mas havia miúdos cujas mães não deixavam sequer que eles se aproximassem do meu pai. Aconteceu o meu pai estar no supermercado e os seguranças irem atrás dele, por pensarem que estaria a roubar. Isso era muito esquisito para mim. Mas não foi nada que me tenha traumatizado muito.

Comecei a tocar bateria logo aos três anos, o meu pai ofereceu-me uma, e eu ficava ali a tocar e a tocar. Cheguei a ter uma banda, Os 3 Malucos, era eu e o Marco (Nunes), o meu primo, meu amigo de sempre, que é o guitarrista do Pedro Abrunhosa, do Jorge Palma, dos Blind Zero. Eu tinha cinco anos, ele tinha 10, tocávamos Clash, Xutos e dávamos concertos na garagem da minha avó. Depois, aos seis, sete anos, parei de tocar e fui jogar futebol e, aos 12, 13, comecei outra vez a tocar sério. Houve um Verão em que os Xutos me deram a chave da sala deles, em Almada, onde ensaiavam. Eu morava em Oeiras e, então, apanhava um autocarro para a estação, um comboio para o Cais do Sodré, um barco para Almada e um autocarro até à sala de ensaio. Passei o Verão sozinho a tocar e foi nessa altura que senti que gostava mesmo de música.

A minha mãe acha que eu acabei o 12.º ano. Se calhar, já sabe que isso não aconteceu e finge que não sabe. Quando saí da escola, fui trabalhar numa padaria, depois numa tabacaria, depois numa loja de discos. Aos 19 anos, fui pai pela primeira vez e, então, o meu pai disse-me: "Parabéns, mas nós vamos ser avós e tu é que vais ser o pai. Comida, não te faltará. Com tudo o resto, desenrasca-te." Eu fiz de tudo. Desde montar palcos a distribuir panfletos. Durante vários anos, tive uma banda, os Yellow W Van, e trabalhava num café em Carnaxide. A dada altura, tive hipótese de trabalhar com o David Fonseca. Os Silence 4 tinham acabado, ele ia lançar o primeiro álbum, e eu fui a uma audição para bateristas. Mas ia muito mal preparado e fiquei com uma grande vergonha. Dias depois, estava eu na Makro, com uma grande cena de carne às costas, o telefone toca, era o David. "Olha, era para te dizer que foste o escolhido. Tu e o Sérgio" - é o meu tio Sérgio Nascimento, que é baterista dos Deolinda e do Sérgio Godinho. Na altura, o Zé Pedro, acho que foi o Zé Pedro, disse-me que achava que eu era muito novo para entrar na cena de músico contratado, que seria preferível continuar a tocar com os meus amigos. Telefonei ao David - "Desculpa, é um bocado estúpido, eu não estava à espera de ser escolhido." Ele foi espectacular - "Eu, se estivesse no teu lugar, teria feito o mesmo."
O café fechou, para aí, num Agosto. Inscrevi-me, já fora de prazo, num "workshop" dado pelo Branko (João Barbosa). Comecei numa segunda de manhã e, à hora de almoço, ele diz-me - "Eh pá, tu é que podias ser um baterista fixe para o Sam the Kid." E ligou-lhe. Na altura, o João estava a começar os Buraka (Som Sistema). Seis meses depois, fiz o Sudoeste com eles e depois entrei para a banda. Entretanto, o Sam the Kid acabou a "tournée" e fizemos os Orelha Negra. Mais tarde, o meu amigo Marcelo Camelo convidou-me para fazer a Banda do Mar.
O Marcelo Camelo é mesmo um dos meus melhores amigos e a nossa história é gira. Eu ainda estava a trabalhar no tal café e percebi que precisava de aprender mais sobre música. Liguei a um grande amigo, o Henrique Amaro, da Antena 3, uma pessoa importantíssima para a música portuguesa, e pedi-lhe ajuda. Ia a casa dele uma sexta-feira por mês. Chegava lá e tinha cinco CD e um almoço na mesa. Uma vez, ele deu-me a conhecer Los Hermanos, e eu fiquei louco. Um dia, eles vieram tocar cá e eu apresentei-me ao Marcelo Camelo - o meu nome é Fred, sou teu fã. E mandei umas cartadas sobre música. Ele tirou da mochila uma caixinha com os álbuns que estava a ouvir - leva, copia, e devolve. No dia a seguir, pedi à minha avó umas garrafas de vinho do Porto e levei-lhas. E ele simpatizou comigo.

Adoro tocar, é mesmo aquilo de que eu mais gosto. Mas também adoro estar nos bastidores. O meu pai é mais "desenvergonhado", mais dado, eu sou mais reservado à primeira vista, mais do que os meus irmãos. Gosto de estar por trás, gosto de ajudar o pessoal mais novo a fazer coisas interessantes, gosto de planear a carreira deles. Adoro transmitir as coisas que sei e até acho que o meu futuro passará por estar envolvido na gestão de carreiras.
Consegui construir o meu próprio estúdio, que tem salas para gravar discos, salas de produção e tenho lá pessoal mais novo que está a começar a produzir. Consegui, também, ter uma editora pequenina, a Kambas. Juntámo-nos recentemente à Meifumado. Construímos também uma pequena plataforma de venda física, as Caixas de Som, que são uns cubos pequeninos que já estiveram no Lux, no Musicbox e podem estar em concertos. Consigo ter tudo de uma forma mais ou menos independente, o que não quer dizer que consiga fazer tudo sozinho, preciso de apoio. E gosto da estrutura familiar que tenho, aprendi isso com os Xutos, aquilo é, e foi sempre, uma família.
"Ó pá, agora toda a gente diz que eu sou o teu pai", disse-me noutro dia o meu pai. Não sinto nada disso. Fico contente, mas também não levo nada a mal quando dizem que sou o filho do Kalú. Quando era miúdo é que ficava chateado. Somos pessoas, não é? Agora percebo que o pessoal precisa de referências para encaixar as pessoas e isso não faz mal nenhum. Hoje em dia até fico contente quando dizem que sou o filho do Kalú ou o pai do Sebastião. Sim, na escola, sou o pai do Sebastião. Ou da Maria. E, daqui a uns anos, se calhar, serei o pai do DJ Master… Eu não levo nada a mal, para mim, está-se bem desde que o pessoal esteja todo na boa. 


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