Notícia
França: Quem é o dono da poção mágica?
A vitória de François Fillon nas directas dos Republicanos diz muito sobre esta nova França. A sua poção liberal recentra a direita francesa: coloca-a com um discurso mais à direita, capaz de entrar no território de caça de Marine Le Pen. As presidenciais do próximo ano serão determinantes.
O antigo Presidente Charles de Gaulle sintetizava numa frase o problema central de França: "Como se há-de governar um país que tem 246 variedades de queijo?" A pergunta não era retórica. De Gaulle era um homem partidário de soluções fortes, como mostrou ao longo da sua carreira política. Mas, defronte das respostas de França às suas iniciativas, percebeu a fragilidade do seu poder. Há muito que os franceses procuram uma poção mágica (como a que ajudou Astérix e os seus bravos gauleses a combater com sucesso o poderio romano) capaz de dar resposta às suas inquietações.
Por um lado, a sua situação económica (e do emprego) é preocupante. Por outro, muita da "profunda França" vê com desconfiança o multiculturalismo e, sobretudo, quer uma resposta musculada ao terrorismo islâmico. Como se isso não bastasse, os franceses assistem, há muito, a uma subordinação do seu país às opções da Alemanha dentro de uma União Europeia que tinha sido desenhada à medida de dois poderes fortes que dividiam entre si as decisões. O crescente poder da Frente Nacional de Marine Le Pen e a fragilidade colossal de François Hollande e do Partido Socialista (seja nas suas variantes mais liberais ou mais esquerdistas) mostram uma França em busca de um rumo. A vitória de Donald Trump veio dar ainda mais fôlego às correntes antiglobalização e anti-UE dentro de França. Por isso, as presidenciais do próximo ano acabam por ser determinantes: para França e para a Europa.
Muitos olham como o inimigo público maior a vitória de Marine Le Pen. Se ela vencer, a União Europeia como a conhecemos acabará. E políticas contra o comércio global, limitativas da imigração e contrárias a muitos valores da laica França, vão ser desenvolvidas. Mas o seu discurso forte seduz os deserdados pela globalização, muitos deles velhos apoiantes do Partido Comunista, que se transferiram com armas e bagagens para a fileira da extrema-direita. É um sinal dos tempos. Um sinal que vai varrendo como vento frio toda a Europa. Cada vez é mais visível uma França dividida a três: a esquerda agrupada à volta do PS, a direita dos republicanos (agora liderada por François Fillon, vencedor das primárias para as presidenciais) e a Frente Nacional de Marine Le Pen. Conseguirão elas convergir em algo? Ou França radicalizou-se?
A vitória de François Fillon nas directas dos republicanos diz muito sobre esta nova França. Ele, que partia como o mais frágil dos candidatos (Sarkozy dizia que ele era o "Mr. Nobody"), impôs-se a Nicolas Sarkozy (o mais estridente defensor de políticas mais à direita) e a Alain Juppé (mais centrista). Não foi um acaso do destino: Fillon, que foi primeiro-ministro durante a presidência de Sarkozy, vem há muito lamentando o declínio económico francês. Mas, escudado na ventania "anti-establishment" que levou Donald Trump à Casa Branca, Fillon acabou por ser a melhor voz de uma França inquieta. Por um lado, é uma França conservadora e católica que não tem visto com bons olhos leis liberais em áreas como a da família. Por outro lado, detesta a elite de Paris, que considera culpada por tudo. Fillon percebeu o que esses franceses desejam: defesa dos valores tradicionais, conter a imigração e voltar a impor o poder francês fora das fronteiras.
A poção liberal de Fillon recentra a direita francesa: coloca-a com um discurso mais à direita, capaz de entrar no território de caça de Marine Le Pen. Ou seja, França desloca-se para a direita. Fillon não é um entusiasta da União Europeia. É a favor de um choque na função pública, cortando aí 500 mil empregos, e quer reduzir o Estado Social. Além de querer impostos mais baixos para as empresas. É também adepto de uma aproximação à Rússia. Uma novidade em França, conhecida pelos seus ideais de "Estado forte". Fillon representa a revolta de uma França que tem como ponto de união o desagrado e o medo com o que vê pela frente. Fillon simboliza também essa revolta: Sarkozy via-o como um "perdedor": está a provar o contrário.
As suas francas hipóteses de vencer, quer François Hollande (ou outro candidato da esquerda) quer Marine Le Pen, são visíveis: o seu discurso é duro e de ruptura. Algo que muitos querem ouvir. Conhecido admirador de Margaret Thatcher, avisa que o seu programa é para "doer". E isso os franceses querem ouvir: querem mudar, seja lá o que isso for. Há também nas suas palavras uma clara resposta musculada à complicada questão da relação do Islão com o terrorismo, sobretudo numa nação que alberga milhões de imigrantes vindos do Médio Oriente. Fillon já declarou que a prática do Islão deve ser "controlada" e que o financiamento das mesquitas deve ser "transparente". Algo que vai contra aquilo que o sector mais à esquerda recusa. O seu livro "Vaincre le totalitarisme islamique", publicado em Setembro, vai ao encontro destas ideias: ali, ele defende que França está "em guerra" com o Islão e que é preciso medidas mais duras, como tirar a nacionalidade francesa a terroristas confessos. E mostra uma ideia que também está presente em Trump: para derrotar o Daesh, França tem de se unir à Rússia e ao Irão.
A entrada em cena de François Fillon vem mostrar como França se está a virar para a direita e para a defesa de políticas mais duras contra os fantasmas que a assolam. Mais uma dor de cabeça para Bruxelas e para Angela Merkel, que vão vendo esboroar-se a ideia de uma União Europeia feita à medida das ideias de Berlim. Isto mostra também uma deslocação de França do centro de gravidade da Europa comum, por troca com um país mais isolado e com soluções próprias para os seus problemas. Se Marine Le Pen é a solução mais rápida e dolorosa para o estilhaçar da União Europeia, Fillon representa uma opção não menos dura. Mais diplomática. Mas, ao mesmo tempo, é um sinal destes tempos anti-elites e antiglobalização. E é para aí que caminha França. Em busca de uma poção mágica que lhe traga a força perdida.
Por um lado, a sua situação económica (e do emprego) é preocupante. Por outro, muita da "profunda França" vê com desconfiança o multiculturalismo e, sobretudo, quer uma resposta musculada ao terrorismo islâmico. Como se isso não bastasse, os franceses assistem, há muito, a uma subordinação do seu país às opções da Alemanha dentro de uma União Europeia que tinha sido desenhada à medida de dois poderes fortes que dividiam entre si as decisões. O crescente poder da Frente Nacional de Marine Le Pen e a fragilidade colossal de François Hollande e do Partido Socialista (seja nas suas variantes mais liberais ou mais esquerdistas) mostram uma França em busca de um rumo. A vitória de Donald Trump veio dar ainda mais fôlego às correntes antiglobalização e anti-UE dentro de França. Por isso, as presidenciais do próximo ano acabam por ser determinantes: para França e para a Europa.
A vitória de François Fillon nas directas dos republicanos diz muito sobre esta nova França. Ele, que partia como o mais frágil dos candidatos (Sarkozy dizia que ele era o "Mr. Nobody"), impôs-se a Nicolas Sarkozy (o mais estridente defensor de políticas mais à direita) e a Alain Juppé (mais centrista). Não foi um acaso do destino: Fillon, que foi primeiro-ministro durante a presidência de Sarkozy, vem há muito lamentando o declínio económico francês. Mas, escudado na ventania "anti-establishment" que levou Donald Trump à Casa Branca, Fillon acabou por ser a melhor voz de uma França inquieta. Por um lado, é uma França conservadora e católica que não tem visto com bons olhos leis liberais em áreas como a da família. Por outro lado, detesta a elite de Paris, que considera culpada por tudo. Fillon percebeu o que esses franceses desejam: defesa dos valores tradicionais, conter a imigração e voltar a impor o poder francês fora das fronteiras.
A poção liberal de Fillon recentra a direita francesa: coloca-a com um discurso mais à direita, capaz de entrar no território de caça de Marine Le Pen. Ou seja, França desloca-se para a direita. Fillon não é um entusiasta da União Europeia. É a favor de um choque na função pública, cortando aí 500 mil empregos, e quer reduzir o Estado Social. Além de querer impostos mais baixos para as empresas. É também adepto de uma aproximação à Rússia. Uma novidade em França, conhecida pelos seus ideais de "Estado forte". Fillon representa a revolta de uma França que tem como ponto de união o desagrado e o medo com o que vê pela frente. Fillon simboliza também essa revolta: Sarkozy via-o como um "perdedor": está a provar o contrário.
As suas francas hipóteses de vencer, quer François Hollande (ou outro candidato da esquerda) quer Marine Le Pen, são visíveis: o seu discurso é duro e de ruptura. Algo que muitos querem ouvir. Conhecido admirador de Margaret Thatcher, avisa que o seu programa é para "doer". E isso os franceses querem ouvir: querem mudar, seja lá o que isso for. Há também nas suas palavras uma clara resposta musculada à complicada questão da relação do Islão com o terrorismo, sobretudo numa nação que alberga milhões de imigrantes vindos do Médio Oriente. Fillon já declarou que a prática do Islão deve ser "controlada" e que o financiamento das mesquitas deve ser "transparente". Algo que vai contra aquilo que o sector mais à esquerda recusa. O seu livro "Vaincre le totalitarisme islamique", publicado em Setembro, vai ao encontro destas ideias: ali, ele defende que França está "em guerra" com o Islão e que é preciso medidas mais duras, como tirar a nacionalidade francesa a terroristas confessos. E mostra uma ideia que também está presente em Trump: para derrotar o Daesh, França tem de se unir à Rússia e ao Irão.
A entrada em cena de François Fillon vem mostrar como França se está a virar para a direita e para a defesa de políticas mais duras contra os fantasmas que a assolam. Mais uma dor de cabeça para Bruxelas e para Angela Merkel, que vão vendo esboroar-se a ideia de uma União Europeia feita à medida das ideias de Berlim. Isto mostra também uma deslocação de França do centro de gravidade da Europa comum, por troca com um país mais isolado e com soluções próprias para os seus problemas. Se Marine Le Pen é a solução mais rápida e dolorosa para o estilhaçar da União Europeia, Fillon representa uma opção não menos dura. Mais diplomática. Mas, ao mesmo tempo, é um sinal destes tempos anti-elites e antiglobalização. E é para aí que caminha França. Em busca de uma poção mágica que lhe traga a força perdida.