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Entre a lei e a desordem na era do Jazz

Dennis Lehane regressa com um olhar tentador sobre o período que antecedeu a Depressão norte-americana e quando todos os sonhos eram possíveis. E necessários.

25 de Maio de 2013 às 10:01
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Dennis Lehane, "Viver na Noite", Sextante, 413 páginas, 2013

 

 

Há eras que parecem perdidas no tempo. E são elas que cada vez mais fascinam escritores que, como Dennis Lehane, se centraram no mundo urbano de Boston e criaram "thrillers" cheios de tensão policial e emocional. A era da proibição, cuja banda sonora era o jazz, é um dos palcos preferidos da América, onde o bem e o mal andavam de mãos dadas, como se fossem irmãos-de-sangue. A lei e a desordem cruzam-se nesta novela. A história de "Viver na Noite" começa em 1926, num universo de delírio existencial e crime. Joe Coughlin, o filho mais novo, e mais rebelde, de um oficial da polícia de Boston, assalta com uns amigos um "Speakeasy" (as lojas que vendiam bebidas alcoólicas) de um "gansgter" local, Albert White. Não contente com isso, apaixona-se pela namorada deste e foge com ela. Mas esta, Emma, acaba por traí-lo e voltar para o antigo namorado. Joe ganhou um inimigo para a vida e vai parar à prisão. Onde só a sua capacidade de forjar alianças consegue evitar um fim triste.


O pai de Joe, como bom polícia, tenta mostrar-lhe que a violência traz mais violência. Mas Joe conhece Maso Pescatore, um chefe mafioso, que se torna o seu mentor, pelo que essas palavras entram-lhe por um ouvido e saem-lhe por outro. Este oferece-lhe o lugar de gerente dos seus negócios de tráfico de bebidas na Florida. O sol e o calor abrem perspectivas novas a Joe. O seu mundo alarga-se.


Só que a Florida é um mundo onde o entretenimento é mortal. Ali, diferentes famílias mafiosas lutam pelo controlo do tráfico de rum. Sobrevivente da prisão onde esteve, Joe ignora as alianças locais e junta-se a um grupo de traficantes cubanos tão pragmáticos como ele e em poucos anos estabelece um império. Com o tempo Joe vai-se tornando uma outra personagem, mais sensata e diplomática. Como se isso lhe pudesse trazer a redenção face a tudo o que fez na juventude. Graciela, a beleza cubana por quem ele acaba por se apaixonar, poderia ser a porta para um novo paraíso.


Mas ele, ao mesmo tempo, desvia um navio para armar revolucionários cubanos, bebe rum sem fim, guerreia com o Ku Klux Klan e tenta defender a sua própria posição face aos interesses mais vastos dos grupos mafiosos da Florida. Lehane descreve, com muito cuidado, as belezas arquitectónicas da Florida, como o Plant's Palace, um lendário hotel de Tampa. Parecemos estar a ver um filme através da descrição de Lehane. É todo este mundo que transpira nas páginas deste delicioso novo livro do autor de "Mystic River".


Dennis Lehane é um dos mais talentosos escritores americanos das últimas décadas, sendo conhecido sobretudo pelos seus policiais, nos quais a cidade de Boston costuma ser central. Colaborou, também, na mais importante série policial dos últimos anos, "The Wire", de David Simon, para a qual escreveu alguns episódios. É essa capacidade de escrita, quase sempre extremamente visual (daí o sucesso da adaptação dos seus livros ao cinema) que acaba por ser visível neste "Viver na Noite". Uma boa forma de regressarmos a um tempo mítico da América, especialmente nestes tempos de crise que, de alguma maneira, a era da Proibição também anunciava no meio de festas sem fim. Lehane não cria heróis. Transfere a tragédia grega para este mundo onde todos tentam sobreviver. E, de alguma maneira, salvar a alma.

 

 

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