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Crónicas de bem e maldizer: Portugal visto pelos escritores estrangeiros

Ao longo dos séculos, vários escritores e intelectuais estrangeiros passaram temporadas em Portugal. Dessas visitas, ficaram muitos registos publicados. Alguns autores, como Hans Christian Andersen e Lord Byron, inspiraram-se nas paisagens que os deslumbraram no país para escreverem as suas obras literárias. Outros fizeram críticas mordazes à sociedade portuguesa. O caso mais célebre é o livro “Portugal a Vol d’Oiseau”, escrito em 1879 pela princesa Maria Rattazzi, que nem os bancos e a bolsa de valores de Lisboa poupou.
Filipa Lino 19 de Agosto de 2023 às 11:00

No Portugal de oitocentos, houve um livro que caiu como uma bomba no meio intelectual português. "Portugal a Vol d’Oiseau" (traduzido para português como "Portugal de Relance") foi publicado em França em 1879 e revelava as impressões que a princesa Maria Rattazzi, familiar de Napoleão III, foi recolhendo quando viajou pelo país em várias ocasiões.


A publicação do livro "Portugal de Relance", em 1879, desencadeou uma tempestade no país. A ousadia da princesa Maria Rattazzi valeu-lhe muitos ódios de estimação. Foi tal o turbilhão, que Rafael Bordalo Pinheiro publicou uma caricatura no Álbum das Glórias, em 1880.

Na obra, a autora, que vivia em Paris, afirmava que a elite portuguesa era parola e periférica da Europa. No fundo, "considerava que Portugal era um país primitivo, provinciano", afirma Francisco José Viegas, diretor editorial da Quetzal, uma chancela que publica, entre outros géneros, literatura de viagens.

 

A princesa relata a falta de higiene nas habitações quando diz que "as casas em Lisboa, como em todo o resto de Portugal, são habitadas, principalmente de verão, por um enxame de baratas (...) Disseram-me que todos acabavam por habituar-se."

 

Acusa ainda os portugueses de serem "indolentes" e aponta o dedo aos homens que, em geral, são "belos e bem-feitos; mas prejudicam muito estas qualidades pelo excesso de vaidade; alguns deles dão-se ares de vencedores quando passam junto das mulheres."

 

Quanto aos empregados do governo nas cidades, "não fazem nada; bastaria um para dar conta da tarefa confiada a meia dúzia". E, na província, com algumas exceções, "o ‘farniente’ é a suprema lei."

 

Rattazzi também põe o dedo na ferida ao falar sobre "a corrupção, a má administração do sistema bancário e as aldrabices na bolsa de Lisboa", refere o também escritor e ex-secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas.

 

A páginas tantas, a princesa conta que "por fim do ano de 1878, e por espírito de imitação, o Banco Ultramarino expiou, como o Banco de Bruxelas, as leviandades de uma péssima administração e o abuso de um guarda-livros, de um exército de empregados e de diretores que meteram a mão nas algibeiras… dos outros, postas sob a sua salvaguarda".

 

A autora questiona ainda a atuação da administração pública. "Com que direito aqueles que administram os dinheiros públicos, aos quais as Cortes consignaram destino especial, podem aplicá-los em socorrer um banco em falência?" Ironicamente, o tema mantém-se bastante atual.

 

A ousadia da princesa valeu-lhe muitos ódios de estimação. Sobretudo entre os intelectuais da altura. Fica a dúvida se o que mais os irritou foram as críticas ao país ou o facto de ter sido uma mulher a ter a coragem de o fazer publicamente e não entre sussurros num salão de festas.

 

O facto é que o livro não deixou ninguém indiferente e suscitou um conjunto de reações por parte de quem sentiu o orgulho de ser português ferido.

 

Numa carta que enviou a João Lobo de Moura, com data de 19 de janeiro de 1880, Antero de Quental escreve: "A Rattazzi, que passou dois invernos a desfrutar os literatos de Lisboa, publicou agora um livro sobre Portugal, delicioso. Imagine uma parisiense descrevendo ao vivo, estes mirmidões! Não se fala noutra coisa, e está tudo furioso". Este excerto de correspondência trocada entre dois membros do movimento cultural "Geração de 70", revela bem o impacto que o livro de Rattazzi teve.

 

Foi tal o turbilhão, que Rafael Bordalo Pinheiro publicou uma caricatura da princesa no Álbum das Glórias, em 1880, que eram folhas de edição avulsa publicadas junto com o jornal O António Maria, com a caricatura de instituições e de figuras da história, da política, da sociedade, do espetáculo e da literatura portuguesas. O desenho terá provocado gargalhadas entre a elite.

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