Notícia
A Revolta da Batata foi há 100 anos
Há um século Lisboa e Porto estavam em estado de sítio. Em protesto contra a fome e o aumento do custo de vida a população pilhou as mercearias e armazéns. Entre 19 e 21 de Maio de 1917 os confrontos com as forças da autoridade fizeram 40 mortos. Esta explosão social ficou conhecida como “A Revolta da Batata”.
As condições de vida agravavam-se a cada dia que passava. Em 1917, Portugal era um país em erupção. O racionamento de alimentos por causa da I Guerra Mundial provocou a revolta popular. O país afundava numa profunda crise económica.
Era cada vez mais difícil sobreviver, sobretudo nas zonas urbanas. De acordo com o Anuário Estatístico de Portugal, o custo de vida subiu 192,7% entre 1914 e 1918. Um litro de leite custava o equivalente a 18% do salário de um operário e uma dúzia de ovos correspondia a 60%. Paralelamente, o desemprego alastrava.
Nesta altura Portugal era um país rural. A grande maioria da população era analfabeta e os que vinham do campo à procura de emprego nas cidades, quando lá chegavam, viviam em condições sub-humanas. Precisavam de apoio social para sobreviver, como a Sopa para os Pobres, criada pelo jornal O Século, com a ajuda das paróquias, em Abril de 1917. Os fundos eram angariados através da organização de espectáculos de beneficência.
A Sopa para os Pobres foi criada pelo jornal O Século semanas antes da Revolta da Batata. A Ilustração Portugueza destaca esta instituição de solidariedade na edição de 28 de Maio de 1917.
A agitação social intensificou-se um pouco por todo o país mas foi nas regiões de Lisboa e Porto que ganhou força, com sucessivas greves, comícios e motins.
A participação portuguesa na Guerra tornava-se cada vez mais impopular. Nas ruas da capital, depois das 23 horas, não havia luz nem polícia.
Excerto de uma crónica de Augusto de Castro na Ilustração Portugueza, de 28 de Maio de 1917.
Os ânimos aqueceram ainda mais quando houve um aumento súbito do preço da batata, um produto muito consumido pelas classes mais desfavorecidas, devido à falta de pão. A isso juntava-se a escassez de carne, peixe, leite e açúcar.
A população estava faminta e a 19 de Maio de 1917 começaram os assaltos em massa a mercearias, padarias, restaurantes. No mesmo dia houve uma paralisação dos trabalhadores da construção civil, que se juntaram numa manifestação no Parque Eduardo VII, em Lisboa, onde reivindicavam aumentos salariais.
A situação, nos dias seguintes, ficou descontrolada. Os violentos confrontos dos populares com as forças da autoridade entre 19 e 21 de Maio provocaram cerca de 40 mortos. E houve centenas de pessoas que foram presas. No Rossio, a enfrentar a guarda, estiveram mais de 4 mil pessoas.
O governo, liderado por Afonso Costa, declarou o estado de sítio e suspendeu as garantias constitucionais. A capital passou a ser patrulhada pela infantaria e pela cavalaria. No Porto também houve confrontos com a GNR e a polícia de que resultaram cerca de 20 mortos e vários feridos.
A edição da Ilustração Portugueza, de 4 de Junho de 1917, faz um relato dos acontecimentos ocorridos na capital, durante a Revolta da Batata.
Na Câmara dos Deputados, na sessão de 22 de Maio, o Chefe do Governo descreve os acontecimentos no mercado da Praça da Figueira, três dias antes, dizendo que se assaltaram "géneros e mercadorias de primeira necessidade, especialmente batata que foi destruída ou arrebatada querendo a esses factos atribuir os comerciantes a razão do aumento do preço que, quase em geral, se deu nesse mesmo dia".
Mas o deputado Brito Camacho apresenta uma moção onde justifica os acontecimentos com a "imprevidência dos poderes públicos". No documento afirma: "Não era segredo para ninguém que muitas famílias em Lisboa estiveram dois e três dias sem comerem pão, e posso garantir a V. Exas. que em minha casa houve pão porque o mandei vir da província. Mas quem manda vir pão da província não faz do pão a base da sua alimentação, nem vem para a rua protestar contra a carestia da vida. E apesar destes factos, que providências tomou o Governo? Absolutamente nenhumas."
Brito Camacho apontava também o dedo à "ganância dalguns merceeiros e armazenistas", que "tendo dentro dos seus estabelecimentos a batata, a aumentaram para um preço exorbitante dum momento para o outro."
O descontentamento da população foi usado como arma de arremesso entre políticos. A Revolução da Batata seria mais um dos muitos momentos críticos da I República.