"Estamos a expandir-nos para novos territórios e levamos connosco as nossas lutas de poder. Em breve, o que acontece no espaço vai definir a história humana tal como as montanhas, os rios e os mares fizeram na Terra", escreve o jornalista britânico Tim Marshall no seu novo livro, "O Futuro da Geografia", publicado em Portugal pela Desassossego. Uma história mais vasta está agora surgir. "Uma colonização bem-sucedida da Lua dará a um país, ou a uma aliança de países, vantagens semelhantes às que potências marítimas tiveram em eras anteriores", exemplifica o autor.
"À medida que mais países se tornam viajantes no espaço, a História sugere-nos que haverá competição e cooperação durante o percurso. Isso significará, inevitavelmente, a criação de ‘esferas de influência’ e até mesmo de pretensões territoriais, com as alianças e os conflitos na Terra a alargarem-se ao espaço. Tanto atores militares como civis já estão a identificar as oportunidades, da órbita geoestacionária à Lua, e para além dela". É assim a era da astropolítica.
A vida acima da Terra está a ficar muito movimentada, cheia de satélites artificiais - e de destroços - que assumem um papel de destaque nas guerras modernas. São mais de 80 os países com satélites próprios em órbita (transportados por países ou empresas com capacidade para fazer lançamentos). Calcula-se que, até 2050, possa haver no mínimo 50 mil satélites espaciais. E estes números deverão engordar bastante, até porque a nova corrida ao espaço envolve bilionários como Elon Musk, Richard Branson e Jeff Bezos, e as suas SpaceX, Virgin, Galactic e Blue Origin. Estamos todos de cabeça no ar, também à caça de materiais preciosos e de recursos que escasseiam em Terra.
O espaço está a tornar-se o palco mais feroz da intensa competição entre os seres humanos, aponta Tim Marshall. "Já mudou muita coisa na nossa vida quotidiana. É essencial para as comunicações, para a economia e para a estratégia militar". Daí a sua crescente militarização, com satélites mais e menos avançados e com armas antissatélite. Os três atores principais neste palco - Estados Unidos, China e Rússia - têm as suas próprias "forças espaciais". Em 2019, o governo norte-americano lançou mesmo a Space Force, o mais recente dos seis ramos das Forças Armadas dos EUA. Japão, França e Reino Unido criaram também comandos militares espaciais para reforçar a capacidade bélica dos meios terrestres, navais e aéreos.
Versão 2.0
É sabido que a corrida espacial foi uma das grandes disputas nas décadas da Guerra Fria. "O sistema que conseguiu concretizar a perícia técnica e financeira necessárias para ganhar a contenda desferiu um golpe psicológico ao sistema rival. Muitas vezes, diz-se que a Guerra Fria foi ganha ‘sem se disparar um tiro’. Se pensarmos em todas as guerras por procuração que a Guerra Fria provocou ou incentivou em todo o mundo, isso nunca foi verdade, mas também é certo que um outro tipo de tiro, ‘o tiro da Lua’, desempenhou um papel", escreve o autor.
Mas a luta é agora sobretudo civil e comercial, e tem na corrida poderosas multinacionais de origem norte-americana e também companhias como a chinesa i-Space. Os negócios são muitos, e incluem as famosas viagens tripuladas, e muito mais. No limite, "se uma companhia privada ou um indivíduo for realmente capaz de criar uma colónia noutro planeta, os ‘governantes’ destas novas ‘colónias’ fora da Terra vão ter de ver os limites da sua autoridade bem definidos e fiscalizados" - caso contrário, "quem chegar primeiro, é o primeiro a ser servido", salienta.
De quem é o espaço?
Para Tim Marshall, as "leis" do espaço que já existem estão terrivelmente desatualizadas e são demasiado vagas para as condições que hoje se verificam. A maior parte foi produto da Guerra Fria e já não responde aos propósitos de hoje. O Tratado do Espaço Sideral (1967) e o "Tratado da Lua (1979) não refletem a atualidade. "Foram ultrapassados pela tecnologia e pelas realidades geopolíticas sempre em mudança. Com um número crescente de plataformas baseadas no espaço, com finalidades militares e civis - mineração, projetos de energia solar, trabalho científico e turismo espacial -, o espaço está a tornar-se um ambiente congestionado do século XXI, que precisa de acordos e de leis do século XXI. Sem isso, podemos acabar a lutar uns com os outros pela geografia do espaço, tal como fizemos em relação à geografia da Terra".
Tim Marshall
"O Futuro da Geografia"
Editora: Desassossego