Notícia
Folha de assentos
Nas palavras da semana sobressaem factores de medo. Terror, demências várias povoam os nossos dias. Isto enquanto nos confrontamos com o desafio de António Costa: como "endireitar a sombra da vara torta"? Talvez a Autoridade da Concorrência queira dar uma ajuda, agora que acaba de desmantelar o poderoso cartel dos envelopes...
abalroar. Um camião desgovernado matou e feriu dezenas de pessoas numa feira de Natal em Berlim. Desgovernado ou governado. O camião do terror anda por aí e apenas procura um fim: meter-nos medo. Um polícia turco matou o embaixador russo em Ankara aos gritos de "deus é grande", lembrando Alepo e a Síria. Morte sob a luz das câmaras para todos vermos. Cobarde, como sempre. Abalroar é mais próprio de barcos. Casco contra casco. Neste caso, casco contra homens e mulheres. Soltaram-se os demónios. É difícil contrapor lucidez a este combate contra o medo.
ciberguerra. O fim da União Soviética foi há 25 anos. Não teve comemoração. A Rússia, que sempre foi império e nunca deixou de ser império, pensa e age no sentido de alargar o seu espaço de influência. Isso explica a anexação da Crimeia e a agressão à Ucrânia. Putin olha para o Ocidente, seja a UE ou os EUA, com desconfiança e com vontade de o diminuir e desacreditar. As revelações da administração americana sobre infiltrações russas no sistema informático do Partido Democrata estão a ser vistas com um grau de preocupação inusitado. Já se fala em retaliação. Há receios de interferência russa em batalhas eleitorais europeias, seja na França ou na Alemanha. Há conexões conhecidas em Itália com o Movimento 5 Estrelas ou com a Frente Nacional de Marine Le Pen, em França. Vão acentuar-se as investidas da propaganda. A Rússia leva a dianteira. Investirá anualmente nesta frente cerca de 400 milhões de euros e acaba de obrigar as empresas de telecomunicações a entregar ao governo dados dos seus clientes. Do lado ocidental, o investimento será menor, mas tudo indica que vai aumentar. É o que se deduz do acordo de cooperação entre a UE e a Nato em torno da chamada guerra híbrida, que passa pela cibernética.
negligência. Christine Lagarde foi condenada por um tribunal francês por negligência. Condenada, desleixada, mas nem por isso alvo de qualquer sanção. O caso tem a ver com um pagamento de mais de 400 milhões de euros ao empresário Bernard Tapie a pretexto de uma indemnização, que veio a ser considerada fraudulenta, lesando assim o erário público. Lagarde era ministra das Finanças quando Sarkozy era presidente. Para o tribunal, a "personalidade" e a "reputação internacional" da directora-geral do FMI justificam que nem sequer lhe tenham exigido o pagamento de uma multa. Podia ser de 15 mil euros. Mas não. É mais um contributo para alimentar a desconfiança em relação aos políticos, a desigualdade perante a lei, o estatuto de privilégio dos titulares de cargos públicos e a descredibilização da justiça. Abrem-se alas aos populistas...
envelopes. Numa demonstração cabal do seu papel regulador, a Autoridade da Concorrência desmantelou mais uma rede de conluio de preços, altamente penalizadora da competitividade e da economia nacional. Finalmente, foi posto fim a uma conspiração empresarial que atormentava os agentes económicos e os consumidores. Acabou o cartel dos envelopes. Nada mais, nada menos, do que o poderoso cartel dos envelopes. Sim, esse mesmo, o que se dedicava à comercialização de invólucros para a remessa ou a guarda de correspondência, o dos sobrescritos, com janela ou sem janela. Anos de investigação permitiram identificar cinco empresas que concertavam preços. Não é o primeiro cartel desmascarado pela Concorrência. Já tinha havido outras proezas. A Autoridade pôs fim também ao cartel do sal, ao cartel das cantinas e ao cartel das limpezas. Acção emérita. Depois dos mais poderosos, se tiverem tempo, um dia lá chegarão aos combustíveis… Ou até aos bancos. Quem sabe!
vara. Há muitas acepções para o termo "vara". Pode ser uma unidade de medida, um juiz, uma jurisdição, uma punição, um conjunto de porcos ou porcada. São inúmeros os sentidos. António Costa lembrou-se esta semana de uma expressão de um seu professor de Direito para ilustrar uma impossibilidade: "Endireitar a sombra da vara torta." Referia-se ao problema dos "lesados do BES". Se a vara se herdou torta, como se poderá endireitar a sua sombra? Impossível, diremos em coro. Fazer desaparecer a "lesão" aos clientes do antigo banco não será possível. Mas, curiosamente, o primeiro-ministro anunciou "uma solução que não isenta de pagar quem tem obrigação de pagar, permite a quem tem direito de receber que possa antecipar o que tem direito a receber e garante aos contribuintes que não terão de assegurar com o seu esforço a ultrapassagem desta situação". Sabemos pouco desta solução, mas se isto não é endireitar a vara (ou a sombra?) anda lá perto. O Governo reclama que fez justiça, ou seja, usou a vara. Talvez de condão.
pai. Uma encenação de João Lourenço é sempre imperdível. Junta-se a uma peça muito premiada: "O Pai", do francês Florian Zeller. Está em cena no Teatro Aberto, em Lisboa. Tem João Perry como protagonista e coloca-nos nos labirintos da demência, da perda de identidade, de autonomia. Diz quem viu que a experiência é forte. Confronta-nos com experiências marcantes do nosso tempo. A demência olhada por dentro é a proposta de um dramaturgo e romancista, que também faz incursões pela ópera e pelo cinema.
ciberguerra. O fim da União Soviética foi há 25 anos. Não teve comemoração. A Rússia, que sempre foi império e nunca deixou de ser império, pensa e age no sentido de alargar o seu espaço de influência. Isso explica a anexação da Crimeia e a agressão à Ucrânia. Putin olha para o Ocidente, seja a UE ou os EUA, com desconfiança e com vontade de o diminuir e desacreditar. As revelações da administração americana sobre infiltrações russas no sistema informático do Partido Democrata estão a ser vistas com um grau de preocupação inusitado. Já se fala em retaliação. Há receios de interferência russa em batalhas eleitorais europeias, seja na França ou na Alemanha. Há conexões conhecidas em Itália com o Movimento 5 Estrelas ou com a Frente Nacional de Marine Le Pen, em França. Vão acentuar-se as investidas da propaganda. A Rússia leva a dianteira. Investirá anualmente nesta frente cerca de 400 milhões de euros e acaba de obrigar as empresas de telecomunicações a entregar ao governo dados dos seus clientes. Do lado ocidental, o investimento será menor, mas tudo indica que vai aumentar. É o que se deduz do acordo de cooperação entre a UE e a Nato em torno da chamada guerra híbrida, que passa pela cibernética.
envelopes. Numa demonstração cabal do seu papel regulador, a Autoridade da Concorrência desmantelou mais uma rede de conluio de preços, altamente penalizadora da competitividade e da economia nacional. Finalmente, foi posto fim a uma conspiração empresarial que atormentava os agentes económicos e os consumidores. Acabou o cartel dos envelopes. Nada mais, nada menos, do que o poderoso cartel dos envelopes. Sim, esse mesmo, o que se dedicava à comercialização de invólucros para a remessa ou a guarda de correspondência, o dos sobrescritos, com janela ou sem janela. Anos de investigação permitiram identificar cinco empresas que concertavam preços. Não é o primeiro cartel desmascarado pela Concorrência. Já tinha havido outras proezas. A Autoridade pôs fim também ao cartel do sal, ao cartel das cantinas e ao cartel das limpezas. Acção emérita. Depois dos mais poderosos, se tiverem tempo, um dia lá chegarão aos combustíveis… Ou até aos bancos. Quem sabe!
vara. Há muitas acepções para o termo "vara". Pode ser uma unidade de medida, um juiz, uma jurisdição, uma punição, um conjunto de porcos ou porcada. São inúmeros os sentidos. António Costa lembrou-se esta semana de uma expressão de um seu professor de Direito para ilustrar uma impossibilidade: "Endireitar a sombra da vara torta." Referia-se ao problema dos "lesados do BES". Se a vara se herdou torta, como se poderá endireitar a sua sombra? Impossível, diremos em coro. Fazer desaparecer a "lesão" aos clientes do antigo banco não será possível. Mas, curiosamente, o primeiro-ministro anunciou "uma solução que não isenta de pagar quem tem obrigação de pagar, permite a quem tem direito de receber que possa antecipar o que tem direito a receber e garante aos contribuintes que não terão de assegurar com o seu esforço a ultrapassagem desta situação". Sabemos pouco desta solução, mas se isto não é endireitar a vara (ou a sombra?) anda lá perto. O Governo reclama que fez justiça, ou seja, usou a vara. Talvez de condão.
pai. Uma encenação de João Lourenço é sempre imperdível. Junta-se a uma peça muito premiada: "O Pai", do francês Florian Zeller. Está em cena no Teatro Aberto, em Lisboa. Tem João Perry como protagonista e coloca-nos nos labirintos da demência, da perda de identidade, de autonomia. Diz quem viu que a experiência é forte. Confronta-nos com experiências marcantes do nosso tempo. A demência olhada por dentro é a proposta de um dramaturgo e romancista, que também faz incursões pela ópera e pelo cinema.