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Manoel de Oliveira: A calma veloz

O cinema de Manoel de Oliveira era calmo num mundo veloz. O contrário do que ele prometia, enquanto jovem, fascinado pelo atletismo e pelo automobilismo, querendo sempre chegar mais alto e mais rápido.

Reuters
02 de Abril de 2015 às 17:53
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Os filmes de Manoel de Oliveira nunca quiseram ser velozes: desejavam ter ritmo e este também poderia ser mais lento (como foi na fase inicial da sua carreira como cineasta) como mais rápido (como foi na última).

 

A sua longa carreira foi de uma calma veloz. Talvez estivesse já tudo num dos seus mais belos trabalhos: "Douro – Fauna Fluvial", de 1931, onde a veloz fúria destrutiva do rio Douro está imersa no trabalho ritmado da fauna. Os dois mundos de Manoel de Oliveira conviviam já aqui. Talvez ele, desde sempre, estivesse a antever a verdadeira modernidade deste século XXI: tudo o que é calmo é o moderno, tudo o que é veloz é retrógrado. E, ainda assim, até parece o contrário.

 

A sua morte aos 106 anos, uma longa marcha de um guerreiro que queria conquistar o tempo, deixou um vazio que será difícil de ocupar no frágil mundo do cinema português, onde sobram autores e falta uma indústria. Ele, afinal, era a ponte entre dois mundos políticos (nasceu na Monarquia, em 1908) e cinematográficos ("Douro – Fauna Fluvial" era do tempo dos filmes mudos e a preto e branco). Não há outro referente assim. Um criador que parecia ser imortal.

 

Agustina Bessa-Luís, a grande escritora, que tantas vezes Manoel de Oliveira adaptou para cinema ("Francisca", Party" ou "O Convento", por exemplo), escreveu um dia: "Fim – o que resta é sempre o princípio feliz de alguma coisa". Ao longo dos anos o cineasta libertou-se do fim previsto para qualquer ser humano e criou uma vida sustentada em filmes que sobrevirão ao tempo.

 

Antes de falecer tinha, é claro, muitos projectos para concretizar. Ainda recentemente o seu 106º aniversário serviu para mostrar o seu último trabalho, a curta-metragem "O Velho do Restelo". Mas a sua convivência com Portugal nunca foi fácil: mais facilmente foi reconhecido lá fora do que aqui. Os seus filmes eram acusados de demasiado devotos da calma que não vendia nestes tempos em que as cenas têm de se suceder a um ritmo que tire o fôlego a todos os espectadores.

 

Mas Manoel de Oliveira persistiu. O que nunca serviu para uma reconciliação com o "establishment" nacional. Ainda há cerca de um ano ele dizia à revista "Cahiers du Cinema" que "em Portugal há uma grande indiferença pelo que já realizei". Nada de novo. E aí voltamos a "Douro – Faina Fluvial". Quando foi estreado em 1931 no Congresso Internacional de Críticos de Cinema, em Lisboa, parte da audiência portuguesa vaiou o filme, para espanto do autor Luigi Pirandello, que o tinha adorado. Nada mudou desde então: Manoel de Oliveira era tolerado, mas não saudado.

 

Só que, mostrando a solidez das suas convicções, ele continuou a filmar. Com orçamentos sonantes. Com bons actores estrangeiros. O seu filme póstumo, "Visita ou Memória e Confissões", filmado em 1982, e que é muito autobiográfico, poderá só agora ser visto, por vontade do realizador.

 

Talvez no fundo tudo se reconduza, entre a calma e a velocidade, a um simples jogo, a um pequeno piscar maroto para o espectador, que nas brincadeiras de crianças de "Aniki-Bobó" permitem perceber quem é o polícia e quem é o ladrão: "Aniki-bébé / Aniki-bóbó / Passarinho Tótó / Berimbau, Cavaquinho / Salomão, Sacristão / Tu és Polícia, Tu és Ladrão". O cinema é isto: um jogo de luzes e sombras. Agora foi o tempo do eclipse lunar. A câmara de filmar de Manoel de Oliveira deixou de registar a luz.

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