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Europa resiste ao movimento anti-ESG dos EUA

Impulsionado pela direita americana, o movimento considera que os valores ambientais e sociais não devem ser tidos em conta nos investimentos. Uma corrente que pode atrasar a descarbonização da economia e as metas climáticas.

Sónia Santos Dias 05 de Abril de 2023 às 12:00
Estados pró-republicanos nos Estados Unidos têm aprovado medidas que mexem com a gestão de carteiras de ativos que definem critérios de investimento sustentável.
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Os Estados Unidos têm assistido ao crescimento de um movimento anti-ESG que não reconhece os fatores ambientais ou sociais como riscos financeiros, defendendo que estes não devem interferir na gestão das empresas que visam, em primeiro lugar, o lucro. O movimento reflete uma polarização política que se tem vindo a verificar nos últimos anos na sociedade norte-americana. "A direita conservadora que promove este movimento está associada a uma ideologia que assume uma posição cética em relação às mudanças climáticas e à importância dos valores sociais na tomada de decisões financeiras", explica Miguel Ferreira, professor de Finanças Sustentáveis da Nova SBE.

Esta polarização já levou alguns estados liderados por republicanos a tomarem medidas que contrariam objetivos ambientais e sociais. "Um exemplo deste movimento é a proposta de Ron DeSantis, governador da Flórida e potencial candidato presidencial pelo Partido Republicano em 2024, para eliminar considerações ESG na gestão dos fundos de investimento e pensões do estado, proposta que foi aprovada em 2022. Outro exemplo deste movimento passa pelas resoluções dos estados do Texas e de West Virginia, que impedem que os seus fundos de investimento e pensões sejam geridos por instituições financeiras defensoras das alterações climáticas ou que tenham posições contra a utilização de combustíveis fósseis", acrescenta Miguel Ferreira.

Um dos visados do movimento anti-ESG é o Nordea Asset Management que, juntamente com uma série de outros gestores de ativos, foi colocado numa lista negra pelo estado do Texas. "Até agora, líderes nos estados controlados pelos republicanos do Alabama, Mississippi, Nebraska, West Virginia, entre outros, juntaram-se a este movimento. Ironicamente, acusam o ESG de ser um movimento político quando são eles que, por razões políticas, querem impedir os gestores de carteiras de terem em conta fatores como o clima ou questões sociais, que representam um risco real para o valor de uma carteira de investimentos", sublinha Eric Pedersen, diretor de Investimentos Responsáveis no Nordea Asset Management.

O que motiva este movimento é apenas o interesse de não querer mudar, de não fazer investimentos na transição e maximizar dividendos. Sofia Santos
CEO da Systemic
Seja por motivos políticos, ideológicos ou de lucro, o movimento anti-ESG incorpora uma relutância à mudança, pois aceitar e incorporar riscos ambientais na gestão empresarial "é assumir que alguns negócios terão de mudar completamente", sublinha, por sua vez, Sofia Santos, CEO da Systemic. Na sua perspetiva, "o que motiva este movimento é apenas o interesse de não querer mudar negócios, de não fazer investimentos na transição, e na maximização dos dividendos a curto prazo".

Porém, o movimento anti-EGS já teve de fazer alguns retrocessos nesta relutância. Por exemplo, uma medida tomada no estado do Indiana teve de ser alterada pelos líderes republicanos "depois de o próprio Governo ter reconhecido que obrigar o sistema público de pensões a desinvestir dos fundos que consideram os critérios ESG custaria potencialmente ao sistema quase 7 mil milhões de dólares em retornos ao longo de 10 anos", conta Eric Pedersen.

Além disso, há indicadores a apontar para custos diretos ligados a estes estados por não quererem fazer negócios com as maiores instituições financeiras. Um estudo recente da Wharton School of Business refere que os contribuintes do Texas enfrentam até 532 milhões de dólares em pagamentos de juros adicionais devido às restrições ESG introduzidas neste estado.

Há fundamentalismo ESG?

Algumas empresas e indivíduos têm opiniões contrárias à adoção de práticas ESG, criticando as exigências que são feitas às empresas nestas matérias. "Críticas legítimas", sublinha Miguel Ferreira, pois "algumas empresas podem-se sentir pressionadas a priorizar as questões ESG em detrimento dos seus objetivos financeiros de curto prazo. Além disso, algumas críticas argumentam que os investimentos ESG podem ser menos rentáveis do que outras formas de investimento, ou que a avaliação de ESG é subjetiva e pode variar entre diferentes empresas e investidores".

Também o "greenwahsing", ou seja, a divulgação de informação falsa por empresas sobre o seu impacto ambiental, é um entrave que ensombra a agenda sustentável, uma vez que compromete e descredibiliza os esforços de empresas e investidores que implementam medidas para a promoção de um modelo de desenvolvimento sustentável.

Para além disso, quem discordar do alinhamento pro-ESG pode arriscar sofrer consequências graves, como aconteceu com Stuart Kirk, ex-gestor de ativos do HSBC, que se viu obrigado a demitir depois de uma intervenção crítica sobre estratégias de investimento focadas em questões ambientais. O agora colunista do Financial Times, presente numa conferência do Negócios no passado mês de janeiro, acredita na sustentabilidade como o rumo a seguir, mas defende que não pode ser dissociada do crescimento económico. E lamenta a "falta de espírito crítico" para debater de forma mais aberta as estratégias de investimento sustentável.

Ou seja, estas variáveis podem trazer algum ceticismo e críticas à agenda da sustentabilidade. Porém, Eric Pedersen considera que não existe nenhum exagero nas exigências ESG feitas às empresas, destacando que "está muito relacionado com o fator político nos EUA e, em certa medida, com empresas específicas dos setores do petróleo, gás e da defesa que têm sido menos populares entre os investidores".

Porém, este movimento anti-ESG está a crescer e a ter impacto na opinião pública. Um estudo publicado na revista "Nature Communications" aferiu que o esforço conservador tem tido algum sucesso em confundir a opinião pública sobre as mudanças climáticas. Na análise "Os americanos experimentam uma falsa realidade social", os autores concluem que existe uma "ignorância pluralista", ou seja, uma perceção quase universal da opinião pública que é o oposto do verdadeiro sentimento público. Ou seja, 66-80% dos americanos apoiam políticas climáticas, porém estimam que esse apoio seja apenas de 37-43%.

Europa e EUA diferentes

Na agenda climática, é reconhecido que a Europa vai à frente e quer ser líder. Com o Pacto Ecológico Europeu, a União Europeia comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica em 2050. O objetivo é reduzir drasticamente as emissões de gases de efeito estufa, proteger a biodiversidade, incentivar a economia circular, garantir a segurança alimentar e aumentar a eficiência energética. Deste programa decorrem uma série de metas e regulamentos para todos os setores de forma a impulsionar esses objetivos. Uma meta intermédia, por exemplo, é reduzir 55% das emissões de gases de efeito estufa até 2030. A UE também estipula como meta tornar 35 milhões de edifícios mais eficientes energeticamente até 2030 e ter 40% de energias renováveis no seu cabaz no final da década.

Não vemos qualquer movimento semelhante na UE. O que vemos são alguns casos de retrocesso nos objetivos climáticos ao nível empresarial. Eric Pedersen
Nordea Asset Management
Coloca-se agora a questão: este movimento anti-ESG já está a contagiar a Europa e o seu exaustivo plano verde? Eric Pedersen é perentório: "Não vemos qualquer movimento semelhante na Europa. O que vemos são alguns casos de retrocesso nos objetivos climáticos ao nível empresarial, com algumas grandes companhias de petróleo e gás a reduzirem as suas ambições climáticas e, em vez disso, a pagarem enormes dividendos, bem como a ameaçarem avançar com grandes programas de investimento nos seus negócios tradicionais em detrimento das energias renováveis". Na sua opinião, "ao nível político, a grande maioria das forças dominantes continua, pelo menos na sua retórica, a apoiar a agenda climática".

Sofia Santos também considera que o impacto na Europa é e será diminuto. Quanto muito, "pode contribuir para que alguns regulamentos e diretivas demorem mais tempo a ser aprovadas, ou que sejam menos exigentes. Mas não penso que consiga mudar mais do que isso".

Na realidade, na Europa, muito deste impulso ESG vem com força de lei. Por exemplo, as exigências regulamentares europeias para reporte de sustentabilidade vão obrigar grandes empresas, empresas cotadas e PME cotadas a reportar sobre os seus impactos a nível ambiental e em fatores de governação, com aplicação já a partir de 2024. Além disso, "a International Financial Reporting Standards também já veio dizer que os primeiros standards de sustentabilidade estarão disponíveis em 2024, por isso esta contestação nos EUA não terá grande impacte substantivo no movimento ESG que já está a ser implementado pelo regulador europeu, investidores europeus e internacionais", reforça Sofia Santos.

Para além disso, existem diferenças significativas entre os mercados americano e europeu em relação aos investimentos sustentáveis. Decorrente da sua agenda verde, na Europa, há já uma forte cultura de investimento sustentável, com investidores, empresas e governos comprometidos com a transição para uma economia de baixo carbono e com a implementação de políticas de sustentabilidade.

"Nos EUA o interesse em investimentos sustentáveis está a aumentar, mas ainda está numa fase inicial, em parte devido às iniciativas da direita conservadora e da presidência Trump. Existem algumas regulamentações e iniciativas governamentais em vigor, mas a maioria dos investimentos ESG é voluntária e não regulamentada", explica o professor da Nova SBE. "Os investidores americanos ainda estão a adaptar-se às práticas de investimento sustentável e muitas vezes dão prioridade ao retorno financeiro em detrimento da sustentabilidade", acrescenta.

Sofia Santos sublinha, por seu lado, que há muito investimento nos EUA na economia verde e que é um mito pensar-se que nos EUA não há interesse por fundos sustentáveis. "Havendo um business case para os negócios verdes, este movimento anti-ESG não terá grande impacto. E o governo dos EUA tem vindo, recentemente, a criar o enquadramento que proporcione a existência de um business case para as atividades associadas à economia verde".

É o caso da "Lei de Redução da Inflação" promulgada por Joe Biden, presidente dos EUA, em agosto de 2022, para responder à inflação e à crise climática. A proposta visa investir 300 mil milhões de dólares na redução do défice americano e 369 mil milhões na segurança energética e transição climática em 10 anos. "A maior peça de legislação climática do mundo até agora", classifica Eric Pederson, que pretende impulsionar os EUA para a transição climática e que está, por outro lado, a preocupar as instâncias europeias. Nomeadamente, porque existe o risco de fuga de muitas empresas da UE para os EUA para beneficiarem das condições para investimentos verdes, naquela que é já chamada de "a grande corrida".

Entretanto, a sociedade também está a mudar e os cidadãos estão cada vez mais atentos à responsabilidade ambiental e social das empresas, cancelando ou privilegiando aquelas que comunguem dos seus valores. E isso vale tanto para a Europa como para os EUA, dando alento ou não ao crescimento deste movimento anti-ESG.
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