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O mercado de carbono "poderá catalisar, de forma séria, investimento de empresas que querem de facto contribuir para a compensação das emissões de CO2 em projetos que podem valorizar o território e contribuir para a valorização dos serviços dos ecossistemas". É desta forma que Sofia Santos, CEO da Systemic, reage à publicação do diploma que estabelece o mercado voluntário de carbono (MVC).
O mercado voluntário de carbono em Portugal tem por objetivo criar condições para a mitigação das emissões de gases com efeito de estufa através da criação de um mercado onde empresas e outras entidades possam adquirir créditos de carbono gerados por projetos de redução de emissões ou sequestro de carbono.
O diploma agora publicado em Diário da República define, nesse sentido, os critérios para a elegibilidade dos projetos que podem gerar créditos de carbono no mercado voluntário de Portugal. Tudo numa lógica de "transparência das atividades desenvolvidas".
A ideia não é nova, lembra Nuno José Ribeiro, advogado e pós-graduado em Direito da Energia, já que tem mais de trinta anos e surgiu na ECO-92, realizada no contexto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática. No entanto, só em 1997 começou a ser implementada por via do Protocolo de Quioto de 1997.
Para Carolina Silva, da Zero, "existem alguns aspetos positivos, mas a essência do decreto-lei permanece inalterada, ou seja, teremos um mercado voluntário de carbono com foco em projetos de sequestro florestal de CO2, sem grandes garantias de permanência, ou seja, de que o dióxido de carbono não regressa à atmosfera nos próximos cem anos, que é o tempo que a maior parte deste gás, emitido pelas atividades humanas, permanece na atmosfera".
Carolina Silva vai mais longe e afirma que o diploma continua a associar medidas de sequestro temporário de carbono a políticas de mitigação das alterações climáticas, o que não só não é correto cientificamente, como pode induzir em erro os participantes nestes mercados, levando-os a pensar que podem ser menos ambiciosos nas metas de redução de emissões, porque têm a possibilidade de compensar emissões. "Este é, sem dúvida, um sinal errado, sobretudo numa altura em que precisamos urgentemente de acelerar o processo de descarbonização e de redução de emissões", aponta.
Já Sofia Santos refere que o critério da adicionalidade tem de ser muito bem compreendido pelas empresas e pelos fundos de investimento. Para a CEO da Systemic, só se reconhece como potencial crédito de carbono projetos que garantam "que a redução de emissões de gases com efeito de estufa ou o sequestro de carbono previstos apenas ocorrem com a concretização do projeto proposto". Por outras palavras, e na opinião da especialista, a adicionalidade não reconhece todas e quaisquer plantações como passíveis de gerarem créditos.
O mesmo acontece com projetos que sejam financeiramente atrativos como resultado da certificação da atividade pelo mercado voluntário de carbono.
Para Sofia Santos esta adicionalidade, que é típica do mercado de emissões de gases com efeito de estufa numa vertente científica, pode trazer dificuldades às empresas em fazer vender os seus créditos. A opção vem assim evitar a especulação financeira sobre o carbono, o que é bom. Mas limita a participação das empresas em projetos que possam ver reconhecidos os créditos gerados. É importante as empresas agora compreenderem que para comprarem créditos neste mercado voluntário é necessário que os projetos que os originam não sejam viáveis pela economia de mercado existente sem este enquadramento de mercado voluntário de carbono.
E, a prática, como funciona o mercado voluntário de carbono? Nuno Ribeiro explica que a ideia básica é relativamente simples e funciona com base no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o qual se baseia nos seguintes pressupostos: cada país ou empresa tem o direito de emitir determinada quantidade dos chamados gases com efeito de estufa, entre os quais se inclui o carbono; essa emissão é quantificada em um direito de emissão por cada tonelada de gás com efeito de estuda produzida; há atividades que poluem mais e outras que poluem menos; e quando um país ou empresa não emite toda a quantidade de gases com efeito de estufa que poderia emitir pode, guardar esse excesso para uso futuro ou vendê-lo aqueles que emitem mais. Por outras palavras, o "mercado de carbono é esta espécie de jogo de soma nula, em que se atinge uma redução global da emissão dos gases com efeito de estufa mediante a compra e venda do direito de emitir".
Desafios à implementação
Segundo o diploma, cabe à Agência para a Energia (ADENE) o desenvolvimento e gestão da plataforma de registo de projetos e de créditos de carbono, bem como pelo acompanhamento e monitorização do mercado.
A agência reconhece que a plataforma é um instrumento essencial para o funcionamento do mercado, pois garante a transparência das atividades desenvolvidas e minimiza os riscos de dupla contagem de emissões.
A par disso, refere a ambientalista Carolina Silva, as propostas de metodologias de carbono deverão ser sujeitas a um processo de discussão pública que antecede a sua aprovação e divulgação pela Associação Portuguesa do Ambiente. Algo que considera ser um ponto muito positivo. No entanto, acrescenta, "será importante ter em conta os mecanismos de participação pública a serem adotados, de forma a assegurar a participação plena de todos os interessados".
Também positivo é o facto de o diploma referir os projetos de sequestro de carbono em ecossistemas costeiros e marinhos, "já que importa maximizar o potencial do oceano e do carbono azul". No entanto "será importante ter alguma cautela e rigor para garantir que os objetivos de proteção e conservação do oceano não saem prejudicados", defende.
Sofia Santos, da Systemic, afirma que é urgente ter a plataforma a funcionar porque "sem isso não há mercado". Na outra vertente, a do negócio, frisa ser "importante os fundos de investimento em projetos de carbono compreenderem bem que tipo de plantações podem fazer para obter estes créditos".
A gestora aponta ainda que, ao nível do Estado, é importante compreender que sem uma componente fiscal associada que viabilize financeiramente os fundos e os projetos de investimento em carbono, estes poderão não existir. E, como tal, não se produzem créditos nem se diminuem as emissões por via deste mercado.
A par dos desafios da implementação há ainda uma outra questão. Para Sofia Santos o documento é omisso na questão da compensação explícita para a economia local. "Defendo que quando uma tonelada de carbono se transforma num crédito que é vendido, uma percentagem desse valor de venda deve ser investido em desenvolvimento sustentável na localidade que originou o crédito", explica. Logo, "se isto não acontecer, é possível que uma região venha a ter muitas plantações, geridas por drones e inteligência artificial, se vendam os créditos, o valor da venda entre na carteira de um fundo de investimento com sede em Lisboa ou Luxemburgo, e nada fica na comunidade". Algo que para a CEO da Systemic "não faz sentido". "Esta parte não está inserida neste decreto."
Já Carolina Silva entende que este é um mecanismo que potencia "compensações" de carbono, ao invés de redução de emissões de gases com efeito de estufa na fonte. A ambientalista refere que enquanto na primeira versão do diploma ainda existia um artigo que enquadrava a "compensação" de emissões, ligando-a à necessidade de uma contabilização das emissões das empresas e organizações por forma a garantir que a "compensação" através da compra de créditos de carbono fosse feita apenas para emissões residuais e de acordo com um plano de descarbonização conducente à neutralidade carbónica, nesta versão, agora aprovada e publicada, esse artigo desaparece. E cai um elemento crucial não só para o combate ao "greenwashing", mas também para a verdadeira ação climática. "Não temos nenhuma referência à necessidade de compensar apenas emissões residuais, nem de deixar claro que a compra de créditos de carbono deve estar sujeita a uma contabilização de emissões e a uma política de descarbonização."
O mercado voluntário de carbono em Portugal tem por objetivo criar condições para a mitigação das emissões de gases com efeito de estufa através da criação de um mercado onde empresas e outras entidades possam adquirir créditos de carbono gerados por projetos de redução de emissões ou sequestro de carbono.
O diploma agora publicado em Diário da República define, nesse sentido, os critérios para a elegibilidade dos projetos que podem gerar créditos de carbono no mercado voluntário de Portugal. Tudo numa lógica de "transparência das atividades desenvolvidas".
A ideia não é nova, lembra Nuno José Ribeiro, advogado e pós-graduado em Direito da Energia, já que tem mais de trinta anos e surgiu na ECO-92, realizada no contexto da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática. No entanto, só em 1997 começou a ser implementada por via do Protocolo de Quioto de 1997.
Para Carolina Silva, da Zero, "existem alguns aspetos positivos, mas a essência do decreto-lei permanece inalterada, ou seja, teremos um mercado voluntário de carbono com foco em projetos de sequestro florestal de CO2, sem grandes garantias de permanência, ou seja, de que o dióxido de carbono não regressa à atmosfera nos próximos cem anos, que é o tempo que a maior parte deste gás, emitido pelas atividades humanas, permanece na atmosfera".
Carolina Silva vai mais longe e afirma que o diploma continua a associar medidas de sequestro temporário de carbono a políticas de mitigação das alterações climáticas, o que não só não é correto cientificamente, como pode induzir em erro os participantes nestes mercados, levando-os a pensar que podem ser menos ambiciosos nas metas de redução de emissões, porque têm a possibilidade de compensar emissões. "Este é, sem dúvida, um sinal errado, sobretudo numa altura em que precisamos urgentemente de acelerar o processo de descarbonização e de redução de emissões", aponta.
Já Sofia Santos refere que o critério da adicionalidade tem de ser muito bem compreendido pelas empresas e pelos fundos de investimento. Para a CEO da Systemic, só se reconhece como potencial crédito de carbono projetos que garantam "que a redução de emissões de gases com efeito de estufa ou o sequestro de carbono previstos apenas ocorrem com a concretização do projeto proposto". Por outras palavras, e na opinião da especialista, a adicionalidade não reconhece todas e quaisquer plantações como passíveis de gerarem créditos.
O mesmo acontece com projetos que sejam financeiramente atrativos como resultado da certificação da atividade pelo mercado voluntário de carbono.
Para Sofia Santos esta adicionalidade, que é típica do mercado de emissões de gases com efeito de estufa numa vertente científica, pode trazer dificuldades às empresas em fazer vender os seus créditos. A opção vem assim evitar a especulação financeira sobre o carbono, o que é bom. Mas limita a participação das empresas em projetos que possam ver reconhecidos os créditos gerados. É importante as empresas agora compreenderem que para comprarem créditos neste mercado voluntário é necessário que os projetos que os originam não sejam viáveis pela economia de mercado existente sem este enquadramento de mercado voluntário de carbono.
E, a prática, como funciona o mercado voluntário de carbono? Nuno Ribeiro explica que a ideia básica é relativamente simples e funciona com base no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o qual se baseia nos seguintes pressupostos: cada país ou empresa tem o direito de emitir determinada quantidade dos chamados gases com efeito de estufa, entre os quais se inclui o carbono; essa emissão é quantificada em um direito de emissão por cada tonelada de gás com efeito de estuda produzida; há atividades que poluem mais e outras que poluem menos; e quando um país ou empresa não emite toda a quantidade de gases com efeito de estufa que poderia emitir pode, guardar esse excesso para uso futuro ou vendê-lo aqueles que emitem mais. Por outras palavras, o "mercado de carbono é esta espécie de jogo de soma nula, em que se atinge uma redução global da emissão dos gases com efeito de estufa mediante a compra e venda do direito de emitir".
Desafios à implementação
Segundo o diploma, cabe à Agência para a Energia (ADENE) o desenvolvimento e gestão da plataforma de registo de projetos e de créditos de carbono, bem como pelo acompanhamento e monitorização do mercado.
A agência reconhece que a plataforma é um instrumento essencial para o funcionamento do mercado, pois garante a transparência das atividades desenvolvidas e minimiza os riscos de dupla contagem de emissões.
A par disso, refere a ambientalista Carolina Silva, as propostas de metodologias de carbono deverão ser sujeitas a um processo de discussão pública que antecede a sua aprovação e divulgação pela Associação Portuguesa do Ambiente. Algo que considera ser um ponto muito positivo. No entanto, acrescenta, "será importante ter em conta os mecanismos de participação pública a serem adotados, de forma a assegurar a participação plena de todos os interessados".
Também positivo é o facto de o diploma referir os projetos de sequestro de carbono em ecossistemas costeiros e marinhos, "já que importa maximizar o potencial do oceano e do carbono azul". No entanto "será importante ter alguma cautela e rigor para garantir que os objetivos de proteção e conservação do oceano não saem prejudicados", defende.
Sofia Santos, da Systemic, afirma que é urgente ter a plataforma a funcionar porque "sem isso não há mercado". Na outra vertente, a do negócio, frisa ser "importante os fundos de investimento em projetos de carbono compreenderem bem que tipo de plantações podem fazer para obter estes créditos".
A gestora aponta ainda que, ao nível do Estado, é importante compreender que sem uma componente fiscal associada que viabilize financeiramente os fundos e os projetos de investimento em carbono, estes poderão não existir. E, como tal, não se produzem créditos nem se diminuem as emissões por via deste mercado.
A par dos desafios da implementação há ainda uma outra questão. Para Sofia Santos o documento é omisso na questão da compensação explícita para a economia local. "Defendo que quando uma tonelada de carbono se transforma num crédito que é vendido, uma percentagem desse valor de venda deve ser investido em desenvolvimento sustentável na localidade que originou o crédito", explica. Logo, "se isto não acontecer, é possível que uma região venha a ter muitas plantações, geridas por drones e inteligência artificial, se vendam os créditos, o valor da venda entre na carteira de um fundo de investimento com sede em Lisboa ou Luxemburgo, e nada fica na comunidade". Algo que para a CEO da Systemic "não faz sentido". "Esta parte não está inserida neste decreto."
Já Carolina Silva entende que este é um mecanismo que potencia "compensações" de carbono, ao invés de redução de emissões de gases com efeito de estufa na fonte. A ambientalista refere que enquanto na primeira versão do diploma ainda existia um artigo que enquadrava a "compensação" de emissões, ligando-a à necessidade de uma contabilização das emissões das empresas e organizações por forma a garantir que a "compensação" através da compra de créditos de carbono fosse feita apenas para emissões residuais e de acordo com um plano de descarbonização conducente à neutralidade carbónica, nesta versão, agora aprovada e publicada, esse artigo desaparece. E cai um elemento crucial não só para o combate ao "greenwashing", mas também para a verdadeira ação climática. "Não temos nenhuma referência à necessidade de compensar apenas emissões residuais, nem de deixar claro que a compra de créditos de carbono deve estar sujeita a uma contabilização de emissões e a uma política de descarbonização."