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João Canário: “O que se passa no Ártico não fica no Ártico e tem impactos a nível global”

Na conferência ESG do Negócios Sustentabilidade 20|30, o investigador João Canário mostrou como o aquecimento acelerado e o degelo no Ártico estão a alterar os ecossistemas em todo o mundo. A Portugal já estão a chegar espécies exóticas que vivem mais a sul.

31 de Outubro de 2022 às 15:30
João Canário: “O que se passa no Ártico não fica no Ártico e tem impactos a nível global”
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A trabalhar no Ártico há mais de 10 anos, João Canário, professor associado convidado do Instituto Superior Técnico e investigador dos Ciclos Biogeoquímicos de Elementos no Ambiente, tem vindo a constatar as alterações que estão a acontecer no planeta e como o degelo do Ártico está a impactar toda a biodiversidade e ciclos da natureza. "O que se passa no Ártico não fica no Ártico e tem impactos a nível global", começou por referir o keynote speaker do painel "Preservação do Capital Natural", na conferência dedicada ao ambiente do Ciclo de Conferências ESG do Negócios Sustentabilidade 20|30, que decorreu a 20 de outubro, na Estufa Real, em Lisboa.

O investigador partilhou evidências de que o planeta está a aquecer, sendo que no Ártico tal está a acontecer a um ritmo muito mais acelerado do que no resto do planeta. O facto de o Ártico estar a aquecer muito mais deve-se a um conjunto de situações derivadas do aquecimento global da atmosfera, "mas sobretudo tem a ver com a perda de gelo". O gelo tem a capacidade de receber radiação do sol e refleti-la para o espaço. "Se esse gelo começa a desaparecer, essa radiação incide sobre o oceano e este acaba por aquecer. Ao aquecer o oceano faz com que mais gelo derreta e aqueça mais", explicou o professor. A agravar a situação, "as projeções não são as melhores. Se olharmos para as projeções para 2085, vemos um aquecimento geral e um aquecimento muito superior nas regiões polares", referiu.

O último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, sigla em inglês) mostra também que "as calotes e os glaciares estão a derreter a um ritmo impressionante, sobretudo nas últimas décadas", descreveu o investigador. Para além disso, as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera são as mais altas há alguns milhões de anos e o nível do mar está a subir de um modo acelerado.

Consequências para o planeta

O permafrost, solo que se mantém gelado há milhões de anos concentrando em si matéria orgânica e gases, tem vindo a reduzir-se e a deixar a descoberto estes elementos. "Quando o gelo derrete e se formam lagos, os micróbios começam a consumir essa matéria orgânica e o produto final é dióxido de carbono e metano, dois gases com efeito de estufa, em grandes quantidades", explicou João Canário. Para além disso, são libertados vírus e bactérias que estiveram congelados milhares ou milhões de anos com os quais o Homem e nem a fauna atual tiveram contacto.

Outra consequência prende-se com o facto de o Ártico se estar a tornar "mais verde", ou seja, começa a surgir vegetação em zonas que antes eram geladas. "O problema de as árvores e a vegetação migrarem para norte é que retêm calor, então, aumenta a temperatura do solo e faz com que mais solo se comece a degradar", explicou o investigador.

O planeta vai assistir cada vez mais a eventos extremos, com episódios de muito calor ou muito frio. João Canário
professor associado convidado do IST e investigador dos Ciclos Biogeoquímicos de Elementos no Ambiente
Para além disso, devido à subida do nível do mar, existem impactos socioeconómicos porque o solo junto às costas começa a ceder, provocando derrocadas e destruição de infraestruturas locais construídas sobre estes solos. "Estamos a falar de centenas de quilómetros por ano na Sibéria, Canadá e Alasca", destacou.

João Canário lembrou também que a vida marinha que vive em águas atlânticas está a subir para o Ártico e a competir pelo mesmo alimento, sendo que "as menos adaptadas vão desaparecer", salientou. Mas a presença de espécies invasoras acontece em todo o globo. Na região de Portugal, começam a surgir espécies provenientes das zonas tropicais. "O peixe-leão, um peixe predador tropical, está a ser observado na Madeira. É um grande predador e pode destruir completamente a fauna local", referiu o investigador.

Por fim, a nível climático, João Canário des tacou que "o planeta vai assistir cada vez mais a eventos extremos, com episódios de muito calor ou muito frio".
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