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Descarbonizar. Esse é o objetivo da Comissão Europeia. Mas há setores que, claramente, têm mais dificuldade em atingir essa meta. A aviação é um deles. É verdade que o transporte aéreo é responsável por cerca de 3 a 4% das emissões de carbono e que, por isso mesmo, é essencial diminuir esses números. Mas também é verdade que não é algo que se consiga resolver de um dia para o outro. A mobilidade elétrica não é uma solução - já há experiências, mas a regulação impede o teste de voos com pessoas - e a verdade é que o número de viajantes não para de crescer.
Como aponta Sandra Miranda, da Zero, além das emissões de CO2, os voos têm também efeitos não-CO2 que agravam o aquecimento global. "Se incluirmos estes efeitos, que se estima equivalerem ao dobro das emissões de CO2, o efeito de aquecimento global é ainda maior". Há ainda um outro ponto importante: os ganhos decorrentes de maior eficiência tecnológica e operacional são sistematicamente ultrapassados pelo aumento do número de voos e das suas emissões. A ambientalista explica que a proliferação de voos de baixo custo, mais baratos que alternativas mais sustentáveis como a ferrovia, e os privilégios de que o sector da aviação tem beneficiado (isenção ou redução de IVA, isenção de imposto sobre o combustível, o facto dos voos para fora de UE não estarem abrangidos pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissões (CELE), a par de outros benefícios, tem permitido ao sector manter um crescimento reiterado, incluindo das emissões.
Isto não significa que o setor esteja parado. Há várias entidades e projetos a trabalhar na área dos combustíveis e inclusive em transportes alternativos. Emília Baltazar, coordenadora do ISEC Lisboa para a Sustentabilidade na Gestão Aeronáutica e chairwoman do IX RIDITA (Iberoamerican Air Transport Research Network - grupo de discussão permanente, aberto, inclusivo e sem fins lucrativos, composto por investigadores, formadores e profissionais relacionados com o transporte aéreo que trabalham em instituições académicas ibero-americanas), acredita que é uma tecnologia que pode aparentar estar distante, mas que, para distâncias curtas, até uma hora, irão existir transportes alternativos ao transporte aéreo. Já no longo curso, na opinião da professora, provavelmente terá de haver "um equilíbrio entre os novos combustíveis e o JET A-1 (o combustível existente). A questão, acrescenta a investigadora, prende-se com o acompanhamento da regulamentação, nomeadamente a velocidade da mesma versus a da evolução da tecnologia. Hoje é possível misturar 50% de biocombustível com o combustível já existente, sendo que "houve já alguns voos feitos com 100% de biocombustível (SAF - combustível de aviação sustentável), mas sem passageiros", explica Emília Baltazar, acrescentando que foi uma demonstração de capacidade. No entanto a utilização deste tipo de combustível não está regulamentada. Nomeadamente com passageiros a bordo.
A covid mostrou que as empresas conseguem funcionar reduzindo significativamente as viagens aéreas.
Na mesma linha Sandra Miranda lembra que apesar do desenvolvimento de tecnologia para aeronaves a bateria elétrica, a hidrogénio e híbridas, não é expectável que estejam disponíveis comercialmente antes de 2035. Acresce que para os voos de longa distância, que são os responsáveis pela maior parcela de emissões de CO2, a disponibilidade de aeronaves usando tecnologias menos poluentes é ainda mais distante no tempo. Razão pela qual a ambientalista concorda com a professora do ISEC no que se refere à importância do SAF na descarbonização do setor. Infelizmente, acrescenta a associação, hoje a aviação mundial utiliza menos de 1% de SAF.
A questão que se põe é: como ultrapassar estes desafios? Não há uma solução única, mas sim uma combinação de medidas que, no seu conjunto, possibilitam a diminuição das emissões. Desde logo, aponta Emília Baltazar, pela otimização das rotas, por forma a mitigar a pegada carbónica. Da parte dos aeroportos a investigadora lembra que há um esforço para ter o maior número de veículos elétricos. "Existe, em todo o transporte aéreo, um investimento muito grande no desenvolvimento de soluções que permitam que este seja mais amigo do ambiente", acrescenta.
E o hidrogénio? Poderá ser uma solução? Sobre isso a opinião da professora do ISEC é que, numa primeira fase poderão existir aeronaves híbridas.Mas há questões a resolver. Por um lado, ao nível do rendimento - o hidrogénio é menos potente - o armazenamento, por seu lado, é de alta pressão o que coloca novos desafios. Isto faz com que a professora considere que um voo 100% hidrogénio ainda pode demorar algum tempo.
Neste momento os dois principais fabricantes - Boeing e Airbus - estão a trabalhar em várias vertentes. Por um lado, a questão do combustível, mas, também, na utilização de materiais que permitam que as aeronaves sejam mais amigas do ambiente. Quer ao nível do fabrico como do som que propagam, através do desenvolvimento de motores mais silenciosos e menos poluentes. "O problema é que as grandes aeronaves não vão ter motores elétricos", aponta, pelo que o ruído irá permanecer. Ou seja, o que e está a ser trabalhado incide quando o avião está no solo. Mas, na descolagem e aterragem não é possível, para já, ter grandes alterações.
Já Sandra Miranda aponta que a melhor forma de ultrapassar os desafios associados à descarbonização da aviação passa por "haver vontade política na implementação de medidas, metas e regulamentos, empenhamento da indústria e consciencialização por parte da população em geral e dos viajantes em trabalho em particular, excluindo as viagens de avião desnecessárias". Isso implica criar medidas para conter o crescimento das emissões do setor, atribuir preço às emissões, definir medidas para mitigar os efeitos não-CO2 da aviação, promover as novas tecnologias de aeronaves a bateria, híbridos e a hidrogénio, e potenciar a criação de medidas para colmatar o desafio do combustível - promoção e enquadramento dos tipos de SAF. Isso passa, em grande medida por ter uma política de interoperabilidade de transportes, em que os aeroportos e a aviação trabalham em conjunto com a ferrovia e a rodovia. Mas, também, e como refere Sandra Miranda, por reduzir as viagens aéreas em trabalho em 50% até 2025, face aos níveis de 2019.
A ambientalista lembra que, em 2019, as viagens aéreas empresariais correspondiam a cerca de 30% das viagens aéreas europeias, pelo que a redução destas viagens é um grande benefício. A pandemia mostrou que as empresas conseguem funcionar reduzindo significativamente as viagens aéreas.
A ambientalista vai mais longe e afirma que se toda a população mundial viajasse de avião tanto como os 10% europeus mais ricos, a aviação representaria mais de metade das emissões globais (23GtCO2/ano). Face a isto Sandra Miranda é perentória: "é importante conter o crescimento das viagens aéreas enquanto o settor não for capaz de reduzir as emissões com recurso a combustíveis sustentáveis".
| As emissões de CO2 de todos os voos com partida dos aeroportos da UE27+EFTA atingiram 147 milhões de toneladas em 2019, ou seja, mais 34% do que em 2005.
| Os voos de longo curso (acima de 4.000 km) representaram aproximadamente 6% das partidas durante 2019 e metade de todas as emissões de CO2 e NOX.
| Os jatos de corredor único tiveram a maior quota de voos e ruído, mas os jatos de corredor duplo tiveram a maior quota de queima de combustível e emissões.
| A média de gramas de CO2 emitidas por passageiro-quilómetro diminuiu em média 2,3% por ano, atingindo 89 gramas em 2019, o equivalente a 3,5 litros de combustível por 100 passageiros-quilómetros.
| Em 2020, devido à pandemia covid-19, as emissões reduziram-se em mais de 50% e a exposição da população ao ruído diminuiu em cerca de 65%, enquanto as gramas médias de CO2 emitidas por passageiro-quilómetro aumentaram para o nível de 2005.
| A renovação da frota poderia levar a reduções na exposição total ao ruído nos aeroportos europeus, tal como medido pelos indicadores Lden e Lnight ao longo dos próximos vinte anos.
| Em 2050, prevê-se que, no setor, as medidas poderiam reduzir as emissões de CO2 em 69% para 59 milhões de toneladas, em comparação com um cenário de "congelamento tecnológico" resultante de manter um modelo de negócios como sempre (19% de Tecnologia/ Projeto, 8% de ATM-OPS, 37% de CAS e 5% de aeronaves elétricas/hidrogénio).