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Foto em cima: A COP29 realiza-se no Azerbaijão, país onde os combustíveis fósseis representam dois terços do PIB.
"Uma COP morna, enquanto o planeta não pára de aquecer". Esta é a expectativa de Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero e professor na Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, para a 29.ª conferência anual das Nações Unidas sobre o Clima (COP29), que arrancou esta segunda-feira em Baku, capital do Azerbaijão, e termina no próximo dia 22 de novembro. No centro das negociações estará o financiamento climático, já de olho na COP do próximo ano, na cidade de Belém, no Brasil, para assinalar os 10 anos do famoso Acordo de Paris, assinado em 2015 na capital francesa.
Depois de em 2023 (o ano mais quente de que há memória) a COP ter sido realizada no Dubai (Emirados Árabes Unidos) - o que causou grande polémica pelo facto de a organização da COP ter sido entregue a um dos chamados "petroestados" -, este ano o país anfitrião é conhecido como o "berço" da exploração mundial de petróleo e gás. Corria o ano de 1847 quando o primeiro poço de petróleo de larga escala começou a operar perto de Baku, nas margens do Mar Cáspio, garantindo cerca de metade da produção global de petróleo, à data. Quase 180 anos depois, o país tem ainda vastas reservas, equivalentes a três meses da produção global, no que diz respeito ao petróleo, e a dois meses no gás. Os dois combustíveis fósseis representam dois terços do PIB do Azerbaijão e 90% das receitas de exportação, o que faz do país uma das dez economias mais dependentes de combustíveis fósseis do mundo (98% do "mix" energético atual). Até 2030 o país comprometeu-se a aumentar as renováveis para 30%.
Presidente da associação ambientalista Zero
É neste cenário - e sob o mote "Em solidariedade por um mundo mais verde" - que a 29.ª reunião anual da Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas irá decorrer nestas duas semanas, com expectativas baixíssimas quanto a acordos históricos ou grandes decisões. "Esta é uma COP de transição para o Brasil, que será muito marcada pelo recente resultado das eleições americanas, num momento em que as alterações climáticas representam as maiores crises à escala global, com todas as consequências e indicadores a mostrarem que temos que agir", disse Francisco Ferreira ao Negócios.
O dinheiro no centro de todas as discussões
Já apelidada como a "COP das Finanças", será também uma oportunidade renovada para que os governos se comprometam em reduzir as emissões para metade até 2030 e acelerem as ações para o conseguir, sublinhou o recente relatório Emissions Gap 2024 da ONU. Em Baku, é esperado que os países cheguem a um consenso quanto à determinação do novo objetivo coletivo pós-2025 para prestar apoio financeiro à ação climática global. O chamado "New Collective Quantified Goal" - em português, Nova Meta Quantificada Coletiva - irá assim dominar as negociações, na expectativa de um acordo baseado nas necessidades e prioridades dos países em desenvolvimento, e que seja significativamente mais ambicioso. Isto porque, já em 2015, na COP21 de Paris, os governos concordaram em estabelecer um objetivo coletivo de 100 mil milhões de dólares por ano, antes de 2025. "No entanto, o compromisso ficou muito aquém, com o objetivo apenas a ser aparentemente alcançado em 2022", refere a Zero. A Climate Action Network Europe, por exemplo, defende que será necessário no mínimo um bilião de dólares por ano em subsídios públicos para apoiar os países em de- senvolvimento.
Além do financiamento, em cima da mesa na reunião deste ano estarão ainda as metas climáticas dos países que, de acordo com o Acordo de Paris, têm de ser renovadas a cada cinco anos. Ou seja, os objetivos para 2035 terão de ser comunicadas até fevereiro de 2025, para serem depois aprovadas na COP30 do Brasil, essa sim, considerada como "decisiva". No entanto, diz o ambientalista, "é provável que alguns países só as apresentem mesmo daqui a um ano, na COP30. O problema é que se trata de uma distância temporal muito grande e nós estamos já numa trajetória de aquecimento do planeta de 3,1 graus Celsius - caso os governos continuem a aplicar apenas as suas políticas atuais - quando deveríamos estar a tentar restringir este indicador aos 1,5 graus definidos em Paris, face à era pré-industrial", defendeu Francisco Ferreira, sublinhando: "O ideal seria começar a reduzir as emissões de gases com efeito de estufa já em 2025, e depois passar para metade em 2030".
Enquanto isso, alerta, 2024 será o novo ano mais quente desde que há registo, num mundo em que a frequência de eventos meteorológicos extremos é cada vez maior. Veja-se as recentes cheias e inundações em Valência, aqui tão perto. "Esta é também é uma COP de alerta, sendo que todos os alertas, até agora, não têm tido o efeito pretendido", defende o presidente da Zero. Em debate na capital do Azerbaijão estará ainda o "tema crucial" da adaptação climática, que o ambientalista classifica como crucial, tendo em conta a necessidade de "um quadro global de adaptação, com indicadores, avaliação e financiamento, a somar aos planos nacionais que todos os países têm de entregar em 2025".
Portugal atrasado na adaptação climática
Olhando para Portugal, Francisco Ferreira diz que o país "também está atrasado do ponto de vista da implementação da sua estratégia de adaptação climática, que foi prorrogada de 2020 para 2025, e que existe na teoria, mas ainda sem a ação prática e os investimentos necessários". "Se nós tivermos uma catástrofe como a que aconteceu em Espanha, estará em falta uma política de ordenamento adequada, a articulação com as seguradoras e o próprio envolvimento dos cidadãos. Não temos quem cuide desta adaptação", avisa.
A começar pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, que não se deslocará ao Azerbaijão, deixando essa responsabilidade para a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, e para os seus secretários de Estado. "Pela primeira vez nos últimos nove anos, Portugal não se fará representar na COP pelo chefe do Governo. Considerando o papel de destaque que o país tem procurado desempenhar em matéria de negociações climáticas, esta decisão marca uma mudança na sua postura, especialmente sendo este um ano crítico em que o financiamento climático e a implementação de novos compromissos estão no centro das discussões", disse a Zero, em comunicado, apelando para que "se mantenha o nível de influência e o compromisso que Portugal tem procurado construir ao longo dos anos na arena climática internacional".
Do lado do Governo, o Ministério do Ambiente e Energia (MAEN) garante que "os objetivos de Portugal para esta COP29 estão obviamente alinhados com os da União Europeia" e passam sobretudo por "elevar a ambição do Novo Objetivo Coletivo Quantificado para o financiamento da luta contra as alterações climáticas", além dos 100 mil milhões por ano.
"É da maior importância ampliar a base de doadores - quem contribui para o financiamento climático -, não só dentro do grupo dos países desenvolvidos, mas também aos países em desenvolvimento com maior PIB e nível de emissões per capita", diz o MAEN. Outro dos objetivos passa por garantir que o financiamento público constitui uma componente central, devendo ser complementada com mais investimento provado, incluindo fontes inovadoras de financiamento.
A ministra Maria da Graça Carvalho reforça a mensagem: "Para avançarmos globalmente em termos de objetivos climáticos, é fundamental aumentar a meta do financiamento destinado às alterações climáticas, ampliando o leque de contribuidores para este esforço. Atualmente, muitos dos maiores poluidores do mundo não estão a fazer o suficiente. A União Europeia tem liderado este esforço, com financiamento e prioridades claras. Queremos ver agora outros grandes blocos e nações a igualarem o nosso nível de compromisso".
Até à data de hoje (e até 2030), os compromissos de financiamento climático internacional de Portugal totalizam 68,5 milhões de euros. Parte desse valor - 12 milhões - diz respeito à conversão da dívida de Cabo Verde em investimento climático e outros 3,5 milhões de euros na conversão da dívida de São Tomé e Príncipe. "Portugal tem a ambição de poder ampliar estas parcerias, especialmente com países da CPLP, após 2025. Até ao momento, os resultados deste acordo são positivos, estando, por exemplo, a decorrer um procedimento concursal para a manifestação de interessa para o "repowering" da Central Fotovoltaica de Palmarejo, em Cabo Verde, ao abrigo do memorando assinado entre os governos português e cabo-verdiano", acrescenta ainda o ministério.
Em Baku, o país vai ainda apelar a um resultado ambicioso e sólido em matéria de mitigação, como parte do seu resultado global, incluindo o envio de "sinais ambiciosos sobre a próxima apresentação de contributos nacionalmente determinados, que acontecem no próximo ano".
"O Governo chega à COP29 com um Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) que reforça as ambições do país, aumentando o peso das renováveis no consumo final da energia dos 47% para os 51% e uma meta de redução das emissões de 55%, face aos valores de 2005. O PNEC alinha a sua trajetória no sentido de atingirmos a neutralidade climática até 2045", reforça a mesma fonte.
EUA podem abandonar Acordo de Paris em 2026
No que diz respeito à União Europeia, Francisco Ferreira garante que Bruxelas "vai ter uma conferência difícil, já que os países de- senvolvidos terão uma missão complicada no âmbito da discussão do financiamento, que é o tema principal desta COP". Na prática, explica, cabe aos países desenvolvidos passar o pacote de 100 mil milhões de dólares que está no Acordo de Paris para medidas de mitigação, ou seja, para a transição energética e outras estratégias de adaptação dos países em desenvolvimento. "O problema é que, com a saída dos Estados Unidos, as decisões serão tomadas por um grupo muito curto de países desenvolvidos: Austrália, Japão, Nova Zelândia, União Europeia, Canadá. Por isso, passar para valores muitíssimo mais elevados - necessários e desejáveis -, vai ser complicado.", diz o presidente da Zero. Bruxelas defendeu que o limite para o aumento do financiamento climático seria a sua duplicação - de 100 para 200 mil milhões, "o que fica muito aquém da necessidade, na opinião do ambientalista.
Francisco Ferreira confirma que é já esperado que, com a eleição de Donald Trump, os EUA voltem a abandonar o Acordo de Paris, tal como aconteceu no seu anterior mandato. "Os Estados Unidos deverão comunicar a sua saída em janeiro de 2025, o que significa que será efetivada em janeiro de 2026. Mesmo nesta COP, o país já terá uma participação muito mais limitada e comedida, adequada a um regime de transição", diz.
Os apelos dos ambientalistas
Segundo as organizações Zero e Oikos, a COP29 deve:
1 Alcançar um consenso quanto à Nova Meta Quantificada Coletiva (NCQG), que se baseie nas necessidades dos países em desenvolvimento e que seja significativamente mais ambiciosa do que a anterior.
2 Garantir que todos os países estão comprometidos em apresentar atempadamente as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas até fevereiro de 2025, e que estas são suficientemente ambiciosas, abrangentes e sólidas.
3 Reforçar a aplicação dos Planos Nacionais de Adaptação, centrando-se na assistência financeira e técnica, a que os países foram instados a formular até 2025 e a demonstrar progressos na sua aplicação até 2030.
4 Fazer esforços efetivos no sentido de uma operacionalização do Fundo de Resposta a Perdas e Danos, que inclua um acesso direto ao financiamento por parte dos povos indígenas e das comunidades mais afetadas pelas alterações climáticas. Após mais de três décadas de espera, o Fundo nasceu nas duas últimas COP, mas até hoje ainda não está em funcionamento.
5 Chegar a acordo sobre o plano a seguir, a fim de assegurar a plena operacionalização do Objetivo Global de Adaptação (GGA) até 2025. As negociações foram travadas por desacordos, especialmente sobre a questão da incorporação de indicadores sobre a provisão de financiamento pelos países desenvolvidos e o alinhamento com a formulação e implementação dos planos.
6 Confirmar a aceleração para 1 terawatt (TW) de energias renováveis no Mediterrâneo até 2030.