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As empresas estão apreensivas com o novo Regulamento Europeu de Desflorestação (EUDR), que estabelece a proibição de comercialização na União Europeia (UE) de produtos que causem desflorestação no mundo e que impactam produtos como óleo de palma, gado, madeira, café, cacau e soja. Com o fim do período de adaptação a acontecer no final de 2024 (para PME será junho de 2025), o novo regulamento tem aplicação direta em todos os Estados-membros e prevê consequências pesadas para quem não o cumprir.
São muitas as vozes que se levantam contra as novas normas que deverão começar a ser cumpridas daqui a poucos meses. A indústria de café, por exemplo, já veio manifestar que terá dificuldades em cumprir os prazos. Também os ministros da Agricultura de 20 dos 27 países-membros da UE apoiaram um apelo da Áustria para rever o regulamento.
Os países produtores de café também criticam, afirmando que a norma é discriminatória e que pode acabar por vedar o acesso dos pequenos agricultores ao lucrativo mercado da UE. O receio é de que os agricultores de regiões rurais remotas possam ser incapazes de fornecer aos compradores dos seus produtos as coordenadas de geolocalização para provar que as suas explorações não se encontram em terras desflorestadas após 2020, um dos principais requisitos da lei. Também os secretários do Comércio e da Agricultura dos Estados Unidos pediram recentemente à UE um adiamento da proibição de importação de produtos ligados à desflorestação, argumentando que coloca desafios críticos aos produtores norte-americanos.
Sócio e responsável das Áreas de Ambiente, Clima e ESG da GPA Advogados
Para Manuel Gouveia Pereira, sócio e responsável das Áreas de Ambiente, Clima e ESG da GPA Advogados, este é um caminho sem volta. "Poderá estar em causa uma possível derrapagem ou suspensão dos prazos a partir dos quais o regulamento terá que ser cumprido por parte das empresas com o objetivo de lhes dar mais tempo de adaptação. Mas não acredito que se vá voltar para trás", defende.
Na sua perspetiva, "será inevitável uma mudança de postura das empresas, que terão de se adaptar às novas exigências, nomeadamente através de comportamentos e práticas mais sustentáveis que incluam alterações nas cadeias de produção e de fornecedores, e medidas concretas para garantir a rastreabilidade e a sustentabilidade de seus produtos, sem esquecer as obrigações de exercício de diligência devida e de recolha de informação, que incluem a geolocalização de todas as parcelas de terreno em que foram produzidos os produtos que colocam no mercado".
Ainda que venham a ser aprovadas adaptações ao EUDR, até ao momento, não existe nenhuma posição oficial da UE sobre uma eventual revisão ou suspensão da sua aplicação, tendo a Comissão Europeia demonstrado o seu compromisso com a implementação do regulamento como um instrumento fundamental para o combate à degradação florestal. "Um atraso na sua aplicação terá inevitavelmente como consequência a continuação da desflorestação e degradação florestal a nível mundial e o agravamento do aumento das emissões de gases com efeito de estufa", sublinha o advogado.
O mesmo considera Raul Xavier, consultor de Carbono Azul e Florestas da ANP|WWF. Na sua perspetiva, "o adiamento significaria permitir a continuação da desflorestação e da degradação florestal, contribuindo para a perda de biodiversidade e o aumento das emissões de gases de efeito estufa, o que seria trágico dado estarmos continuamente a bater recordes de temperatura em várias partes do mundo, entre outras consequências". Além disso, um eventual adiamento "enfraqueceria os esforços da UE para se posicionar como líder global na governança ambiental e comprometeria os objetivos climáticos".
Recorde-se que a Comissão Europeia estima que a implementação adequada do novo regulamento possa evitar a destruição de aproximadamente 1,2 milhões de hectares de floresta até 2030 - o equivalente a duas vezes e meia a região do Algarve -, contribuindo significativamente para a mitigação das mudanças climáticas e a proteção de espécies ameaçadas.
locais. Raul Xavier
Consultor de Carbono Azul e Florestas da ANP|WWF
Do ponto de vista social, a regulamentação visa também promover um comércio mais justo possibilitando melhores condições de trabalho e respeito pelos direitos humanos nas cadeias de abastecimento agrícola. "Em muitos casos onde há desflorestação ilegal também há violação de direitos humanos, como trabalho infantil, trabalho em condições análogas à escravidão e expulsão de comunidades locais. Para além da desflorestação, a EUDR inclui o cumprimento de normas laborais, fiscais, segurança social e direitos humanos", sublinha Raul Xavier.
Impacto em Portugal
O consumo em Portugal está associado sobretudo à desflorestação para a produção de café (23,8%), produtos pecuários (20,1%) e soja (15,5%), segundo um estudo levado a cabo pela iniciativa global Trase, divulgado em julho passado. A organização analisou a degradação florestal impulsionada pelas importações dos países da UE e concluiu que o consumo em Portugal coloca em risco mais de 2.700 hectares de floresta por ano.
Segundo esta análise, cada português poderá estar a contribuir, anualmente, para mais de 60 hectares de desflorestação pelo consumo de café, estando Portugal entre os cinco países com maior exposição per capita nesta matéria.
Quanto a localizações, a maior parte da desflorestação associada às importações de Portugal tem origem no Brasil (35%), podendo as importações nacionais contribuir para 950 hectares de desflorestação, por ano, neste país, com a maior fatia a corresponder à importação de soja destinada sobretudo à alimentação animal.
A indústria do gado é uma das visadas no novo regulamento europeu. Graça Mariano, diretora executiva da Apicarnes - Associação Portuguesa de Industriais de Carnes, disse ao Negócios que a nova legislação "cria entraves face à necessária burocracia para provar a origem da carne, mas as empresas já estão habituadas aos mecanismos de rastreabilidade, pois a carne é sem dúvida o alimento mais controlado e mais rastreado". Ou seja, "trata-se de introduzir mais um passo no imenso controlo que já é feito", acrescenta a responsável. Porém, indica que tal não tem grande impacto nas importações, "pois as transações em termos de carne de bovino, no nosso caso, são mais relacionadas com as trocas intracomunitárias".
Ainda assim, no caso da indústria das carnes em Portugal, Graça Mariano reconhece que a aplicação do regulamento "não é um processo simples, mas as empresas conseguem organizar-se, embora com esforço". No entanto, frisa, "temos ‘feedback’ da Comissão de que há iniciativas para protelar a entrada em vigor desde diploma".
Dadas as circunstâncias, e enfrentando as mesmas dificuldades que outras empresas no espaço europeu, esta indústria está "na expectativa de que as autoridades competentes em Portugal se organizem nesta matéria".
Para o advogado Manuel Gouveia Pereira, as empresas em Portugal terão capacidade de garantir o cumprimento das regras do regulamento e "estarão à altura do desafio". E tal como sucedeu com a Diretiva do Reporte Não Financeiro (CSRD, na sigla em inglês) e outras diplomas europeus em matéria de ESG e de proteção do ambiente, "as empresas já perceberam que para se manterem competitivas e garantirem a sua boa reputação junto do mercado e dos consumidores têm de encarar estas novas obrigações como um caminho sem retorno que constitui uma oportunidade para se tornarem cada mais modernas, inovadoras e sustentáveis", sublinha.
Porém, o sócio e responsável das Áreas de Ambiente, Clima e ESG da GPA Advogados reconhece que "é expectável que a implementação do regulamento acarrete custos adicionais para as empresas face ao aumento dos custos de produção em consequência da implementação de sistemas de controlo e conformidade dos produtos, bem como, com a obtenção de certificações relacionadas com a concreta não associação à desflorestação". A concorrência e a procura de novos territórios não associados à desflorestação também trará uma subida de custos. "Tal refletir-se-á, muito provavelmente, no aumento dos preços para o consumidor final, acrescido da volatilidade própria do mercado na adaptação às novas regras."
Graça Mariano
Diretora executiva da Apicarnes - Associação Portuguesa de Industriais de Carnes
Quanto a este possível aumento de custos associados à aplicação deste regulamento, Graça Mariano da Apicarnes, salienta que "cada mecanismo de controlo adicional exige sempre mais custos para as empresas, as quais infelizmente não conseguem fazer refletir no preço final dos seus produtos, mas terá de haver algum impacto".
E quem não cumprir as novas regras? Apesar da pressão vinda um pouco de todo o planeta para a UE protelar o regulamento da desflorestação, nada foi até agora indicado em sentido contrário, o que significa que, a partir do início de 2025, as empresas que não cumprirem as regras poderão sofrer duras consequências. Caberá às autoridades competentes de cada país realizar auditorias e fiscalizações para verificação do cumprimento do regulamento. Em Portugal, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) será a entidade responsável pela aplicação do regulamento.
As empresas que não cumprirem as novas regras ficarão sujeitas a diversas consequências, tais como, a apreensão de produtos, a suspensão de comercialização e exportação de produtos de base ou derivados, coimas proporcionais aos danos ambientais e ao valor dos produtos de base ou produtos derivados, apreensão das receitas obtidas pelo operador ou comerciante, exclusão temporária dos processos de contratação pública e do acesso ao financiamento público ou ainda danos à reputação da empresa, com a divulgação por parte da Comissão Europeia das sentenças proferidas nesta matéria.