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Gerir riscos climáticos é uma nova obrigação para as empresas

Falta de água que arrasa colheitas, cheias que afetam cadeias de distribuição ou incêndios que deixam um rasto de destruição são riscos que terão de ser acautelados pelas empresas. E já pesam no financiamento dos diferentes negócios e investimentos.

22 de Maio de 2024 às 13:30
Inundações fortes têm trazido impacto na economia onde se regista o fenómeno extremo e naquelas que de si estão dependentes.
Inundações fortes têm trazido impacto na economia onde se regista o fenómeno extremo e naquelas que de si estão dependentes. D.R.
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Quando, em agosto de 2023, a Eslovénia sofreu as maiores cheias de que havia memória no país, afetando dois terços do território, a calamidade aparentava estar longe de Portugal. Choveu tanto em três dias que os caudais de muitos rios transbordaram as margens, o que levou o país a ativar o Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia. Feitas as contas, no final os estragos estimados ascenderam aos 500 milhões de euros.

Passadas poucas semanas, a Autoeuropa, em Palmela, ficou sem peças essenciais à construção de motores. Eram peças produzidas por um fornecedor da Eslovénia altamente afetado pelas cheias. Resultado: a fábrica em Portugal parou. Um exemplo de que os efeitos das alterações climáticas estão a causar impactos severos na natureza, na sociedade e na economia, mesmo que a grande distancia, num mercado que funciona a nível global.

O aumento de fenómenos extremos como secas prolongadas, incêndios, cheias ou a subida do nível do mar está a atingir comunidades um pouco por todo o mundo. Na região do Mediterrâneo, onde Portugal se insere, são já sentidas secas prolongadas e incêndios, por exemplo, com grande impacto na sociedade e na economia local. Gerir os riscos climáticos é, portanto, uma nova obrigação para empresas e instituições financeiras.

"As empresas e instituições financeiras devem gerir os riscos climáticos devido ao seu potencial impacto económico, estratégico, regulatório e reputacional. Estes riscos afetam empresas de todas as dimensões, todos os setores de atividade e, provavelmente, no médio ou longo prazo, exigindo medidas de mitigação e adaptação para garantir a resiliência aos efeitos das alterações climáticas", salienta Filipa Pantaleão, secretária-geral do BCSD Portugal.

Porém, a primeira Avaliação Europeia dos Riscos Climáticos, revelada pela Agência Europeia do Ambiente no passado mês de março, mostrou que a Europa não está preparada para o rápido aumento dos riscos climáticos, tendo em conta que é precisamente o continente que regista o aquecimento mais rápido do mundo.

A avaliação identifica 36 grandes riscos climáticos europeus em cinco grandes grupos: ecossistemas, alimentação, saúde, infraestruturas e economia e finanças. E conclui que as políticas e ações de adaptação da Europa não estão a acompanhar o ritmo do rápido crescimento dos riscos climáticos.

Esta avaliação diz que o sul da Europa está particularmente exposto ao risco de incêndios florestais e aos impactos do calor e da escassez de água na produção agrícola, no trabalho ao ar livre e na saúde humana. As inundações, a erosão e a intrusão de água salgada ameaçam as regiões costeiras baixas da Europa, incluindo muitas cidades densamente povoadas.

Neste cenário, as instituições financeiras já reconhecem que os riscos climáticos são riscos financeiros e, como tal, "têm de ser geridos pelas empresas e bancos", sublinha Sofia Santos, CEO da Systemic, empresa especializada em consultoria em sustentabilidade. Por isso, acrescenta, "a identificação dos riscos climáticos deve ser incorporada na gestão das empresas, grandes, médias e algumas pequenas, sendo que a primeira etapa consiste em cada organização compreender quais são os riscos climáticos que poderão impactar o seu negócio. E depois é fundamental acautelá-los".

Vamos cada vez mais assistir à exigência de avaliação do risco às empresas por parte dos agentes económicos. Filipa Pantaleão
Secretária-geral do BCSD Portugal
Perante esta crescente exposição a riscos climáticos, as empresas viram-se para o setor financeiro à procura de soluções e deparam-se com um setor em acelerada transformação. Os bancos estão mais cautelosos nos empréstimos que concedem e a apostar em produtos que promovam a transição verde, de forma a acautelar o seu próprio risco. "Vamos cada vez mais assistir à exigência de avaliação do risco às empresas por parte dos agentes económicos", salienta Filipa Pantaleão.

Sobre este aspeto, Carlos Costa Pina, sócio da SRS Legal, sublinha que "para a descarbonização é essencial atuar do lado da procura, fomentando a conceção e desenvolvimento de projetos de investimento verdes, mas também do lado da oferta, disponibilizando crédito, seguros e produtos financeiros verdes destinados a financiar e cobrir os riscos desses investimentos. É esse o papel do mercado, minimizando a subsidiação pública quando necessária", frisa.

Seguros contra catastrofes deviam ser obrigatórios. A medida seria impopular, mas é necessária. Carlos Costa Pina
Sócio da SRS Legal
Relativamente ao setor segurador, apesar de não haver grande histórico de se fazerem seguros contra eventos catastróficos, este está a desenvolver cada vez mais produtos que permitem alguma proteção contra eventos desta natureza. Carlos Costa Pina salienta que o setor segurador tem "um papel essencial na resposta à procura e pelo seu papel pró-ativo na oferta". Na sua perspetiva, "os seguros contra eventos catastróficos deveriam ser obrigatórios", exemplificando com o caso do risco sísmico. "A medida seria impopular, mas é necessária. A par de mecanismos de perequação financeira para tornar suportáveis os prémios, será essencial a constituição e capitalização preventiva de recursos (fundo catastrófico público) para acudir a eventos dessa magnitude", defende.

Muitas leis, poucos dados

A par desta acelerada manifestação das alterações climáticas que têm de acautelar, as empresas também têm de incorporar os diversos regulamentos que estão a emanar das instâncias europeias para tornar as operações empresariais mais sustentáveis.

Portugal tem um tecido empresarial composto sobretudo por micro e PME, nem sempre abrangido pelos regulamentos, mas ainda assim estão inseridas em cadeias de valor que as acabam por vincular a essas alterações. Para Filipa Pantaleão, as PME enfrentam "desafios particulares que exigem soluções adaptadas". Desafios que passam por recursos financeiros limitados, acesso restrito ao capital, infraestruturas inadequadas, dependência de colaboradores, ameaças à cibersegurança ou questões de conformidade regulamentar. "Compreender e abordar estes desafios específicos é fundamental para desenvolver um quadro de gestão de riscos eficaz", sublinha a secretária-geral do BCSD Portugal, entidade que desenvolveu, entretanto, um Guia Empresarial de Riscos e Oportunidades Climáticas. Através deste guia as empresas podem fazer o caminho desde a identificação de riscos e oportunidades climáticos inerentes à sua atividade, passando por estabelecer um modelo de governação e escalar prioridades, até à quantificação do impacto financeiro na organização e respostas a dar.

Fazer este caminho implica recolher informação e fazer o retrato da organização, criando cenários climáticos, o que envolve a recolha de vários dados internos e externos à empresa e na sua cadeia de valor. Pois sem dados não se consegue traçar um mapa fiável. "As empresas terão de desenvolver a capacidade de analisar dados precisos a alta velocidade e agir sobre eles em tempo, o que pode ajudar a responderem rapidamente aos desafios do mercado e a gerirem melhor o volátil ambiente de risco atual. No entanto, muitas organizações continuam presas a sistemas de informação que não comunicam entre si", refere Filipa Pantaleão.

Mas num mercado aberto não se trata só de conhecer os dados internos. Para Carlos Costa Pina, "a falha de dados afeta as previsões. Mas a incerteza sempre existirá, não sendo esse o problema principal". Na sua perspetiva, "o problema principal é a comparabilidade, que enviesa as decisões de investimento, gera ruído informativo e pode proporcionar aproveitamento fraudulento. Nessa matéria as propostas da UE em matéria de ‘green claims’ e dever de diligência, sob pena de responsabilização, vão no sentido certo".

O levantamento dos dados permite conhecer os riscos, mas igualmente identificar oportunidades a vários níveis, podendo levar à poupança de custos ou aumento e diversificação de receitas. "O combate às alterações climáticas pode originar a identificação de novos produtos e serviços que as empresas podem desenvolver, e que possam ajudar outras empresas a diminuir o seu impacto ambiental. É o caso dos materiais de construção mais sustentável como janelas isoladoras, equipamentos de aquecimento que consumam menos energia, sistemas de gestão mais eficientes, etc.", exemplifica Sofia Santos.

Ou seja, é hoje incontornável que as empresas tenham de analisar e gerir os riscos climáticos, implementando medidas específicas para garantir a sustentabilidade e a resiliência dos modelos de negócio. "Este processo é complexo, exigindo um profundo conhecimento das atividades e cadeias de valor, o que só será conseguido com formação específica. Contudo, este exercício, se feito de forma correta e rápida, irá também gerar oportunidades de negócio e até com potencial de exportação", conclui a secretária-geral do BCSD.
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