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Já reporta emissões de CO2 evitadas pela sua empresa?

Depois das emissões de âmbito 1,2 e 3, começa agora a disseminar-se o conceito de emissões de âmbito 4, ou seja, aquelas que são evitadas pela oferta “verde” produzida por uma empresa.

03 de Abril de 2024 às 13:30
Em Portugal, a EDP já divulga as emissões evitadas.
Em Portugal, a EDP já divulga as emissões evitadas. DR
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A trajetória das empresas rumo à sustentabilidade carece da contabilização das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) decorrentes da atividade direta da operação das empresas (âmbito 1), das resultantes do consumo de energia (âmbito 2) e daquelas que são geradas nas cadeias de valor (âmbito 3). Porém, está a cimentar-se cada vez mais o conceito de âmbito 4, referente às emissões evitadas.

O facto de se poder contabilizar e reportar estas emissões evitadas permite às empresas quantificar, monitorizar, comunicar e aumentar progressivamente os impactos positivos da sua oferta. Filipa Newton
CEO da Infinite Consulting 
Trata-se de um conceito introduzido pelo Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês) e que oferece uma perspetiva alargada do impacto de um produto ou serviço fora da cadeia de valor. Ao contrário dos âmbitos tradicionais, as emissões de âmbito 4 têm em conta as reduções de emissões que ocorrem em resultado da utilização de um determinado produto ou serviço disponibilizado por essa empresa em comparação com a utilização de uma opção menos verde. Ou seja, é contabilizada a contribuição positiva desse produto ou serviço em prol do planeta. "O facto de se poder contabilizar e reportar estas emissões evitadas permite às empresas quantificar, monitorizar, comunicar e aumentar progressivamente os impactos positivos da sua oferta e o valor de produtos verdes e circulares", explica Filipa Newton, CEO da Infinite Consulting. Acrescentando que, numa altura em que aumentam as empresas comprometidas com a sustentabilidade, "não basta reduzir e compensar as emissões de cada empresa e de parte da sua cadeia de valor. É necessário ir mais longe e assegurar que os produtos, serviços e modelos de negócio disponibilizados são ‘low carbon’, ‘zero carbon’, circulares ou mesmo ‘carbon positive’, isto é, que a sua utilização reduz ou evita novas emissões", sendo que "o ‘scope’ 4 permite essa contabilização e valorização".

Os fundos de investimento ou grandes grupos são os principais interessados em que se faça uma análise mais cuidadosa dos âmbitos de cálculo. António Lorena
CEO da 3Drivers
Nesta evolução do mercado rumo à sustentabilidade pesa também a pressão do setor financeiro, na medida em que algumas empresas de investimento estão a incorporar as emissões evitadas nas suas análises de investimento. "Os fundos de investimento ou grandes grupos são os principais interessados numa análise mais cuidadosa dos âmbitos de cálculo", assinala António Lorena, CEO da 3Drivers, explicando que "o ‘scope’ 4 pode também ajudar aos fundos tomarem melhores decisões de investimento e numa perspetiva de cadeia de valor. Pegando no exemplo dos resíduos, um investidor pode mais facilmente suportar uma decisão que contribua para uma maior circularidade se entender que esta poderá também contribuir para a descarbonização da cadeia".

É útil qualquer esforço de transparência e informação do que as empresas estão a fazer em termos de mitigação e adaptação climáticas, o que inclui divulgar informações de âmbito 4. Alice Khouri
Advogada especializada na área da energia
As emissões evitadas não são, no entanto, de reporte obrigatório como os restantes âmbitos para as empresas abrangidas. Ainda assim, "é útil qualquer esforço de transparência e informação do que as empresas estão a fazer em termos de mitigação e adaptação climáticas, o que inclui divulgar informações de âmbito 4", corrobora Alice Khouri, advogada especializada na área da energia. Contudo, a mesma alerta para "se ter cuidado para que o relatório de sustentabilidade não fique ainda mais burocrático, de difícil implementação pela complexidade dos dados e, sobretudo, impor custos às empresas como PME". Além disso, Alice Khouri reforça uma preocupação "muito grande com o ‘greenwashing’", considerando que deve haver rigor no apuramento para garantir a veracidade das alegações de emissões evitadas.

Em termos de riscos, António Lorena chama também a atenção para o risco de dupla contabilização das emissões: "Por exemplo, se a empresa que origina um resíduo contabilizar os benefícios da sua reciclagem, a empresa a jusante que utiliza os materiais reciclados não deveria contabilizar o benefício de utilizar esses materiais reciclados. Este risco de dupla contagem tem sido abordado por vários especialistas em métricas ambientais e existem formas de o minimizar, com mais ou menos complexidade, mas implicaria sempre uma coordenação geral ao longo das cadeias de valor". Ainda assim, tendo em conta que emissões evitadas poderão ser diferenciadoras de um produto ou empresa, "as empresas devem procurar fazer este cálculo e reportá-lo", defende António Lorena.

Medir as emissões evitadas

Apesar de a medição das emissões evitadas não ter a maturidade dos âmbitos 1,2 e 3, existem formas de as apurar, por exemplo, com recurso a ferramentas do GHP Protocol, o protocolo GEE criado pelo WRI e pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável.

"Naturalmente que existe maior maturidade e consenso nos ‘scopes’ já estabelecidos, com várias bases de dados e estudos a suportarem o seu cálculo. No caso das emissões evitadas, podemos apontar, por exemplo, os guias de ‘carbon handprint’ que têm vindo a ser disponibilizados em Portugal e internacionalmente", explica António Lorena, salientando que "a base de todos estes cálculos são as metodologias derivadas da avaliação de ciclo de vida".

Tendo em conta que "não há propriamente uma normatização", segundo Alice Khouri, "um método comum para este cálculo consiste em comparar as emissões do ciclo de vida do produto ou serviço de uma empresa com as emissões de um produto ou serviço alternativo que desempenhe a mesma função e emita mais GEE. Por exemplo, uma empresa que vende veículos elétricos pode calcular as suas emissões de âmbito 4 comparando-se com as emissões de utilização dos veículos a gasóleo de um concorrente", explica a advogada.

Não se perspetivando, para já, uma regulamentação para enquadrar as emissões evitadas, dado o seu crescente protagonismo, não se exclui essa hipótese, sobretudo pelo impacto da Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa (CSRD, na sigla em inglês). "Esta diretiva tornará obrigatório o reporte para praticamente todas as empresas, incluindo PME, nos próximos anos. O ‘standard’ proposto inclui o reporte da pegada no ‘scope’ 1, 2 e 3 (desagregado), mas existe um reconhecimento generalizado que existe uma diversidade de abordagens que têm vindo a ser adotadas, apesar da presença dominante do GHG Protocol. Neste contexto, consideramos que o ‘scope’ 4 também não se tornará obrigatório no médio prazo, mas tal como o ‘scope’ 3 há a possibilidade de aumentar a maturidade e passa-lo a incluir no contexto dos reportes obrigatórios", considera António Lorena.

Entretanto, algumas empresas em Portugal tomaram a dianteira e divulgam já as emissões evitadas, apesar de não incidirem exatamente sobre o mesmo. É o caso da EDP que no seu último relatório integrado dá conta de que as poupanças geradas com os serviços sustentáveis permitiram aos seus clientes evitar a emissão de 11,9 MtCO2 (2015 - 2022), o que representa cerca de 80% do objetivo assumido para 2025. Também a Corticeira Amorim dedica espaço no seu relatório anual às emissões evitadas, porém incidindo estas na cadeia de fornecimento, dizendo que promoveu a captação de cerca de 5,1 MtCO2 (2022) no montado de sobro. De qualquer forma, exemplificam como o conceito está a ser incorporado.

Tendo em conta que a UE tem vindo a aprovar múltiplas diretivas e regulamentos focados na transformação da economia europeia para produtos "low carbon", eficientes no uso de recursos e circulares, "fará sentido que esta métrica passe a ser cada vez mais contabilizada, comunicada e comparada, e que contribua para aumentar a aceitação e produção destes produtos e serviços em detrimento dos convencionais geradores de maiores emissões na sua utilização", destaca Filipa Newton. Em linha com esse objetivo, acrescenta que "é desejável que o caminho de normalização e adoção de metodologias e métricas para o ‘scope’ 4 não siga uma abordagem exclusivamente focada no carbono, como em alguns casos acontece em abordagens mais afuniladas aos ‘scope’ 1, 2 e 3", defendendo que "cada vez mais o objetivo de redução de emissões e mitigação climática tem de ser integrado, abrangente e ter em conta não só as atividades consumidoras de energia e combustíveis fósseis, mas também todas as outras dimensões de utilização de recursos, geradoras de emissões significativas de carbono e GEE, incluindo o uso da água, recursos materiais e a sua circularidade".
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