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O planeta Terra está a perder parte da sua biodiversidade. Um flagelo que se tem acentuado nas últimas décadas, como refere Catarina Grilo, diretora de conservação e políticas da ANP|WWF. Segundo o Living Planet Report 2020, as populações de mamíferos, aves, peixes, répteis e anfíbios sofreram um declínio alarmante de 68% desde 1970. Esta é a média, porque a situação varia de região para região. "Enquanto na Europa observamos um declínio de 24%, na América Latina essa queda na abundância das espécies chegou a 94% desde 1970", refere a ambientalista. "A biodiversidade dos ecossistemas de água doce está a desaparecer a um ritmo muito mais acelerado do que em qualquer outro tipo de ecossistema. Os números mostram um declínio de 84% destas populações, sendo que as maiores perdas estão concentradas nas espécies de anfíbios, répteis e peixes que habitam estes ambientes", diz Catarina Grilo.
Só para se ter uma ideia, e de acordo com o relatório do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), lançado em 2019, "cerca de um milhão de espécies de animais e plantas estão hoje ameaçadas de extinção e muitas delas irão extinguir-se nas próximas décadas". Paulo Lucas, da associação ambientalista Zero, aponta um outro número do relatório: não só o risco de extinção de espécies é cada vez maior, como nos grupos taxonómicos mais bem estudados estima-se que o risco de extinção total tenha aumentado nos últimos 40 anos. O ambientalista refere mesmo que as atividades humanas levaram à extinção de, pelo menos, 680 espécies de vertebrados desde 1500.
A explicação é assustadora. Na proporção de espécies que estão em perigo de extinção, de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o perigo de extinção anda à volta dos 25% para os diversos grupos de vertebrados terrestres, incluindo os de água doce e marinhos, e também para as plantas. Além disso, mais de 40% das espécies de anfíbios, quase um terço dos corais que formam recifes e de tubarões e espécies afins, e mais de um terço dos mamíferos marinhos estão sob ameaça. No que respeita à estimativa da proporção de espécies de insetos em perigo de extinção, os dados disponíveis apontam para 10%. Estas percentagens indicam que, de um total estimado de 8 milhões de espécies animais e vegetais existentes (das quais 75% são insetos), aproximadamente um milhão está em perigo de extinção.
Maria de Jesus Fernandes, bastonária da Ordem dos Biólogos, explica que, de acordo com os últimos dados da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN, publicados em março do ano passado, existem mais de 142.500 espécies na Lista Vermelha, das quais 40.000 espécies ameaçadas de extinção. O que corresponde a 28% das espécies estudadas.
Riscos sociais e económicos da perda de biodiversidade
O planeta e o ser humano beneficiam de um ecossistema equilibrado. À medida que se perde biodiversidade e esse equilíbrio deixa de existir, com todos os riscos sociais e económicos inerentes. Como sublinha Catarina Grilo, diretora de conservação e políticas da ANP|WWF, temos impactos na saúde e nas atividades de subsistência - como o ecoturismo por perda de animais icónicos, agricultura por perda de polinizadores (e que são também riscos económicos) e redução da matéria orgânica no solo, entre outros -, podendo conduzir a migrações das pessoas para outras áreas por insuficiência de meios de recursos.
Para Paulo Lucas, da Zero, convém não esquecer que através dos processos ecológicos a natureza mantém a qualidade do ar, da água doce e dos solos dos quais depende a humanidade. Distribui água doce, regula o clima, propicia a polinização e o controlo de pragas. Aliás, mais de 75 % das culturas de alimentos, como frutos e verduras, assim como alguns dos produtos comerciais como o café, o cacau ou as amêndoas, dependem da polinização. O IPBES diz mesmo que os ecossistemas marinhos e terrestres também são os únicos sumidouros de carbono, estimando-se um sequestro bruto de 5.600 milhões de toneladas de carbono por ano, um valor que é equivalente a aproximadamente 60% das emissões mundiais antropogénicas.
Já na vertente económica, os riscos incidem mais sobre a perda de matéria orgânica no solo e elevado risco de escassez hídrica que provoca quebras na produção e no fornecimento de alimentos, quebras nas cadeias de abastecimento de bens, energia (sob a forma de biomassa, uma das mais importantes fontes de energia primária em países subdesenvolvidos), materiais e medicamentos. "Segundo o relatório do Fórum Económico Mundial lançado em 2020, os cinco principais riscos económicos que o mundo enfrenta estão todos ligados ao ambiente, seja pela perda de biodiversidade, alterações climáticas ou eventos climáticos extremos", afirma Catarina Grilo. A diretora de conservação e políticas da ANP|WWF acrescenta também que "se o mundo continuar a degradar a natureza no ritmo atual, o impacto nos serviços prestados pela natureza, desde o armazenamento de carbono à polinização das culturas, custará em torno de 1 bilião de dólares cumulativamente até 2050". No entanto, se optarmos por proteger e recuperar os ativos ambientais, poderemos ter ganhos económicos substanciais até 230 mil milhões de dólares até 2050.
A bastonária Maria de Jesus Fernandes apresenta outros valores elucidativos da necessidade de proteger a biodiversidade: os serviços prestados pelos ecossistemas, de acordo com os dados do projeto europeu INCA sobre contabilidade ambiental, estimou que o valor de dez serviços de diferentes ecossistemas da União Europeia ascendia a 234 mil milhões de euros em 2019. Incluía o sequestro de carbono, a redução de cheias, a agricultura, a madeira, a polinização, o fornecimento de água, purificação do ar ou a captura de peixes no oceano.
Os benefícios da proteção da Natura 2000 estão avaliados entre 200 e 300 biliões de euros por ano.
É impossível recuperar espécies já extintas. Mas é possível proteger o que ainda existe. Sobre isso a bastonária dos biólogos aponta que, a nível governamental e intergovernamental, têm sido definidos vários objetivos e metas que pretendem contribuir para esse fim. Mas alerta Maria de Jesus Fernandes, esta inversão tem de ser através de um esforço conjunto e colaborativo, pois este é um problema global e os ecossistemas estão interligados.
Paulo Lucas, ambientalista da Zero, acrescenta que o mais importante é garantir que uma parte significativa do planeta, pelo menos 30% da área terrestre e marinha, seja reservada à natureza com interferência mínima ou com atividades sustentáveis. "Depois, importa criar um mecanismo de troca entre países que possam compensar as limitações económicas originadas pela salvaguarda de espaço para a natureza e para salvaguardar a biodiversidade, o que significaria que os países que mais consomem recursos naturais teriam de transferir meios financeiros para os que preservam espaços naturais biodiversos, apoiando o desenvolvimento económico de países mais pobres. Desta forma, "criaríamos justiça social e ambiental à escala planetária, evitando problemas atuais, como a pobreza extrema ou movimentos migratórios", constata.
E Portugal? Na opinião do ambientalista da Zero, o país tem feito um importante caminho de salvaguarda de algumas espécies, como a foca-monge, o lince-ibérico ou o priolo. No entanto, apesar de Portugal ter uma estratégia nacional, a "implementação deixa muito a desejar e as pressões e ameaças não param de aumentar, pelo aumento da artificialização dos territórios ou pela intensificação das atividades humanas nos territórios, com o beneplácito dos decisores políticos e de uma legislação de avaliação ambiental obsoleta e permissiva".
Já para Catarina Grilo não se está a fazer o suficiente. "Um relatório recente da Agência Europeia de Ambiente mostrava que mais de 80% dos habitats prioritários em território nacional estão em degradação", aponta, acrescentando que "apesar de Portugal ter o compromisso de ter 30% do seu território como área protegida até 2030, o Governo ainda não está a fazer o suficiente para virmos a atingir essa meta em 2030 em terra, e muito longe de o podermos vir a fazer no mar também".
Só para se ter uma ideia, e de acordo com o relatório do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES), lançado em 2019, "cerca de um milhão de espécies de animais e plantas estão hoje ameaçadas de extinção e muitas delas irão extinguir-se nas próximas décadas". Paulo Lucas, da associação ambientalista Zero, aponta um outro número do relatório: não só o risco de extinção de espécies é cada vez maior, como nos grupos taxonómicos mais bem estudados estima-se que o risco de extinção total tenha aumentado nos últimos 40 anos. O ambientalista refere mesmo que as atividades humanas levaram à extinção de, pelo menos, 680 espécies de vertebrados desde 1500.
A explicação é assustadora. Na proporção de espécies que estão em perigo de extinção, de acordo com os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), o perigo de extinção anda à volta dos 25% para os diversos grupos de vertebrados terrestres, incluindo os de água doce e marinhos, e também para as plantas. Além disso, mais de 40% das espécies de anfíbios, quase um terço dos corais que formam recifes e de tubarões e espécies afins, e mais de um terço dos mamíferos marinhos estão sob ameaça. No que respeita à estimativa da proporção de espécies de insetos em perigo de extinção, os dados disponíveis apontam para 10%. Estas percentagens indicam que, de um total estimado de 8 milhões de espécies animais e vegetais existentes (das quais 75% são insetos), aproximadamente um milhão está em perigo de extinção.
Maria de Jesus Fernandes, bastonária da Ordem dos Biólogos, explica que, de acordo com os últimos dados da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN, publicados em março do ano passado, existem mais de 142.500 espécies na Lista Vermelha, das quais 40.000 espécies ameaçadas de extinção. O que corresponde a 28% das espécies estudadas.
Riscos sociais e económicos da perda de biodiversidade
O planeta e o ser humano beneficiam de um ecossistema equilibrado. À medida que se perde biodiversidade e esse equilíbrio deixa de existir, com todos os riscos sociais e económicos inerentes. Como sublinha Catarina Grilo, diretora de conservação e políticas da ANP|WWF, temos impactos na saúde e nas atividades de subsistência - como o ecoturismo por perda de animais icónicos, agricultura por perda de polinizadores (e que são também riscos económicos) e redução da matéria orgânica no solo, entre outros -, podendo conduzir a migrações das pessoas para outras áreas por insuficiência de meios de recursos.
Para Paulo Lucas, da Zero, convém não esquecer que através dos processos ecológicos a natureza mantém a qualidade do ar, da água doce e dos solos dos quais depende a humanidade. Distribui água doce, regula o clima, propicia a polinização e o controlo de pragas. Aliás, mais de 75 % das culturas de alimentos, como frutos e verduras, assim como alguns dos produtos comerciais como o café, o cacau ou as amêndoas, dependem da polinização. O IPBES diz mesmo que os ecossistemas marinhos e terrestres também são os únicos sumidouros de carbono, estimando-se um sequestro bruto de 5.600 milhões de toneladas de carbono por ano, um valor que é equivalente a aproximadamente 60% das emissões mundiais antropogénicas.
Já na vertente económica, os riscos incidem mais sobre a perda de matéria orgânica no solo e elevado risco de escassez hídrica que provoca quebras na produção e no fornecimento de alimentos, quebras nas cadeias de abastecimento de bens, energia (sob a forma de biomassa, uma das mais importantes fontes de energia primária em países subdesenvolvidos), materiais e medicamentos. "Segundo o relatório do Fórum Económico Mundial lançado em 2020, os cinco principais riscos económicos que o mundo enfrenta estão todos ligados ao ambiente, seja pela perda de biodiversidade, alterações climáticas ou eventos climáticos extremos", afirma Catarina Grilo. A diretora de conservação e políticas da ANP|WWF acrescenta também que "se o mundo continuar a degradar a natureza no ritmo atual, o impacto nos serviços prestados pela natureza, desde o armazenamento de carbono à polinização das culturas, custará em torno de 1 bilião de dólares cumulativamente até 2050". No entanto, se optarmos por proteger e recuperar os ativos ambientais, poderemos ter ganhos económicos substanciais até 230 mil milhões de dólares até 2050.
A bastonária Maria de Jesus Fernandes apresenta outros valores elucidativos da necessidade de proteger a biodiversidade: os serviços prestados pelos ecossistemas, de acordo com os dados do projeto europeu INCA sobre contabilidade ambiental, estimou que o valor de dez serviços de diferentes ecossistemas da União Europeia ascendia a 234 mil milhões de euros em 2019. Incluía o sequestro de carbono, a redução de cheias, a agricultura, a madeira, a polinização, o fornecimento de água, purificação do ar ou a captura de peixes no oceano.
Os benefícios da proteção da Natura 2000 estão avaliados entre 200 e 300 biliões de euros por ano.
É impossível recuperar espécies já extintas. Mas é possível proteger o que ainda existe. Sobre isso a bastonária dos biólogos aponta que, a nível governamental e intergovernamental, têm sido definidos vários objetivos e metas que pretendem contribuir para esse fim. Mas alerta Maria de Jesus Fernandes, esta inversão tem de ser através de um esforço conjunto e colaborativo, pois este é um problema global e os ecossistemas estão interligados.
Importa criar um mecanismo de troca entre os países que possa compensar as limitações originadas pela preservação. Catarina Grilo, Diretora de conservação e políticas da ANP|WWF
Por seu lado Catarina Grilo, da WWF, refere que há três grandes prioridades que têm de ser "atingidas". Primeiro, a transformação dos nossos sistemas alimentares (da produção até ao consumo) através de uma combinação de mudanças nas práticas de produção, dietas e redução do desperdício alimentar. É preciso travar a conversão de mais terras para produção alimentar, otimizar as produções e restaurar a biodiversidade em todos os sistemas agrícolas, frisa. Segundo, há que canalizar investimentos públicos e privados para atividades com menos impactos negativos na biodiversidade e desenvolver projetos à escala das paisagens que promovam a biodiversidade e o uso eficiente de recursos, como projetos de restauro ecológico e a economia circular. E promover uma taxonomia verde que favoreça o investimento em natureza. Finalmente, destaca, precisamos de alterar os pressupostos das economias e fazer refletir no custo dos produtos e serviços o valor da perda da biodiversidade que lhes está associada. Paulo Lucas, ambientalista da Zero, acrescenta que o mais importante é garantir que uma parte significativa do planeta, pelo menos 30% da área terrestre e marinha, seja reservada à natureza com interferência mínima ou com atividades sustentáveis. "Depois, importa criar um mecanismo de troca entre países que possam compensar as limitações económicas originadas pela salvaguarda de espaço para a natureza e para salvaguardar a biodiversidade, o que significaria que os países que mais consomem recursos naturais teriam de transferir meios financeiros para os que preservam espaços naturais biodiversos, apoiando o desenvolvimento económico de países mais pobres. Desta forma, "criaríamos justiça social e ambiental à escala planetária, evitando problemas atuais, como a pobreza extrema ou movimentos migratórios", constata.
E Portugal? Na opinião do ambientalista da Zero, o país tem feito um importante caminho de salvaguarda de algumas espécies, como a foca-monge, o lince-ibérico ou o priolo. No entanto, apesar de Portugal ter uma estratégia nacional, a "implementação deixa muito a desejar e as pressões e ameaças não param de aumentar, pelo aumento da artificialização dos territórios ou pela intensificação das atividades humanas nos territórios, com o beneplácito dos decisores políticos e de uma legislação de avaliação ambiental obsoleta e permissiva".
Já para Catarina Grilo não se está a fazer o suficiente. "Um relatório recente da Agência Europeia de Ambiente mostrava que mais de 80% dos habitats prioritários em território nacional estão em degradação", aponta, acrescentando que "apesar de Portugal ter o compromisso de ter 30% do seu território como área protegida até 2030, o Governo ainda não está a fazer o suficiente para virmos a atingir essa meta em 2030 em terra, e muito longe de o podermos vir a fazer no mar também".