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Alterações climáticas podem “alterar profundamente” produção de robalo e dourada em Portugal

Tolerância dos peixes às temperaturas mais elevadas da água pode estar a ser atingida, colocando em causa a sua produção, apontam investigadores.

25 de Agosto de 2023 às 08:35
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O impacto das alterações climáticas já se está a sentir na aquacultura e pode vir a "alterar profundamente" a produção e o bem-estar de robalos e douradas produzidos em tanques ou jaulas flutuantes em Portugal e Espanha, apontam investigadores de Portugal e Escócia.

A mais recente publicação da série "Doenças de peixes cultivados em jaulas" debruçou-se pela primeira vez sobre a problemática das alterações climáticas. João Saraiva, um dos autores do capítulo ‘Bem-estar dos peixes cultivados em jaulas no contexto das alterações climáticas’ afirma que "já não se consegue fugir" a este tema e destaca a "enorme" importância da sua inclusão naquela que é uma "pedra basilar" no conhecimento do cultivo de peixes no mar aberto.

"O bem-estar animal é um tópico inescapável tanto por razões éticas, como políticas ou consciencialização pública, mas também porque cada vez mais se sabe que a qualidade do que comemos está diretamente relacionada com a forma como os animais vivem e como são abatidos", defende o líder do grupo de investigação em etologia e bem-estar animal do CCMAR (Centro de Ciências do Mar) na Universidade do Algarve.

Segundo o biólogo, a indústria começa a prestar atenção a esta questão, havendo já "muita evidência" de que, se estiverem bem, os peixes são "mais resistentes às doenças, conseguindo lidar melhor com os desafios que a aquacultura lhes coloca, como a densidade e quantidade de peixes nos tanques ou o seu manuseamento, por exemplo".

O aumento de temperatura que já se verifica e a consequente redução dos níveis de oxigénio na água levam a um aumento de stress, à diminuição das defesas imunitárias e ao possível aumento de doenças, aponta o investigador.

Para o especialista, nos sistemas de cultivo em jaulas em mar aberto, há parâmetros da qualidade e composição da água que "não se conseguem controlar" e que estão (e irão) sofrer alterações. Os fenómenos climáticos extremos de temperatura, tempestades ou furacões também se vão tornar mais frequentes, atingindo regiões onde não eram habituais, o que trará desafios à indústria.

"O cultivo de salmões na Noruega é muitas vezes feito em fiordes - por serem zonas muito paradas e calmas - mas tem havido episódios de aumento de temperatura com muita aglomeração de microalgas que consomem oxigénio e dá-se a mortalidades de milhões de indivíduos o que, para além de consequências para a produção, contamina também um ecossistema inteiro", alerta.

Por cá, a dourada é um dos peixes mais cultivados, crescendo bem em águas ligeiramente mais quentes, sendo por isso colocada em jaulas na Madeira e nas Canárias, mas os seus limites de tolerância à temperatura "podem já estar a ser atingidos" ou tal poderá acontecer "num futuro mais ou menos próximo", colocando em causa a sua produção. 

No capítulo, escrito em conjunto com dois investigadores das Universidade de Glasgow e de Stirling, na Escócia, são apontados alguns caminhos que incluem melhorias na conceção das jaulas - tornando-as mais resistentes e submersíveis -, melhoria dos sistemas de monitorização dos peixes e de previsão meteorológica, para que permitam detetar mais rapidamente alterações nos parâmetros e que se façam os necessários ajustes.

Para João Saraiva, será preciso também modificar os sistemas de engenharia das jaulas e dos seus materiais e criar sistemas móveis, quer para curtas deslocações (levando-as para zonas mais abrigadas ou mesmo mais longas) ou deslocando-as para latitudes onde encontrem temperaturas mais favoráveis ou estejam mais salvaguardadas das intempéries.

A seleção artificial de linhagens das espécies mais cultivadas, que sejam mais resistentes ou mais adaptadas às novas condições, é outra das medidas apontadas e muito semelhante ao que se fez durante centenas de anos na pecuária, destaca.

A subida da temperatura da água pode mesmo vir a criar condições onde "não seja viável o cultivo" de espécies como o robalo a dourada, a médio prazo, e se passem a cultivar "espécies mais adaptadas ao clima que se vai vivendo em cada zona e que já vão surgindo nas águas portuguesas", conclui. 

O livro "Mudanças Climáticas e Saúde dos Peixes" publicado pela organização internacional, intergovernamental e sem fins lucrativos, CABI, conta ainda com a contribuição de investigadores portugueses do CCMAR, do IPMA e do CIIMAR sobre "Doenças não infeciosas dos peixes de água quente".

 

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