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A análise da Associação Zero sobre o parque edificado português conclui que cerca de 70% dos edifícios não são energeticamente eficientes e que "quase todos" devem ser renovados. Para a nova construção, as regras europeias ditam que as emissões de gases com efeito de estufa devem ser zero a partir de 2030, mas há exigências para a adaptação do que já está construído. "Neste momento, um edifício não ser sustentável ainda não é um 'deal breaker' [para a sua comercialização ou rentabilização], mas já é vendido com desconto", aponta o presidente da Associação de Empresas de Consultoria e Avaliação Imobiliária (ACAI), Jorge Bota.
Segundo dados da Comissão Europeia, os edifícios da União Europeia (UE) são responsáveis por cerca de 40% do consumo total de energia e por 36% das emissões de CO2. Em território nacional, dados da ADENE – Agência para a Energia apontam que o sector dos edifícios emite entre 5,4% a 18% do total de emissões de âmbito 1 e 2, respetivamente. Com o objetivo da neutralidade carbónica no horizonte – 2050 para a generalidade dos Estados-membros e 2045 para Portugal, que se propõe a antecipar a meta -, é preciso acelerar o passo e tornar a construção mais sustentável.
"Será definido que, a partir de determinada altura, nenhum imóvel poderá ser transacionado – o que inclui não só a compra e venda, como o arrendamento – sem ter um nível mínimo de classificação energética", acrescenta Jorge Bota. Isto obrigará a "investimentos para conseguir melhorar a eficiência dos edifícios", sob pena de, a prazo, a sua rentabilização ser colocada em causa. "Isto já acontece em alguns países do Norte da Europa", sublinha o líder da ACAI.
O que ditam as regras
Jorge Bota refere-se à diretiva 2024/1275 sobre o desempenho energético dos edifícios, aprovada pela Comissão Europeia e que deverá ser transposta para a legislação nacional dos Estados-membros até 29 de maio de 2026. Uma das novidades é a revisão dos mínimos de eficiência que devem ser cumpridos, bem como a introdução de um passaporte da renovação. "Cada imóvel vai ter obrigatoriamente esse passaporte, que diz aquilo que tem de ser feito para que atinja os níveis mínimos de desempenho energético exigidos pela legislação", explica o responsável da ACAI. A diretiva foi já parcialmente transposta para a legislação nacional no início de fevereiro.
Outra das obrigações emanadas da diretiva passa pela introdução de sistemas inteligentes e de automação para a gestão dos edifícios. "No fundo, trata-se de instalar sistemas que vão tornar os edifícios mais adaptativos às necessidades reais. Por exemplo, evitar que os equipamentos fiquem ligados quando não estão a ser utilizados, regular a temperatura interior ou controlar o nível de ruído", aponta António Vieira.
O diretor-geral da Geoterme, que implementa este tipo de soluções no mercado nacional, diz que, atualmente, "edifícios com pelo menos 280 kW de potência térmica já são obrigados a ter um sistema deste género". "Até 31 de dezembro de 2025, todos os edifícios acima deste limiar de potência têm de cumprir, a menos que não seja viável em termos económicos", detalha. O referencial para o retorno é de oito anos.
Não adaptar é perder rendimento
Se a nova construção já está sujeita a regras que obrigam ao cumprimento de mínimos de eficiência energética, no caso dos edifícios já existentes, e que são a esmagadora maioria, a adaptação é o caminho a seguir. Para Andreia Carreiro, que foi diretora regional de energia nos Açores e distinguida, em 2022, como "Women in Energy", é preciso atuar em três frentes: a estrutura, a adequação dos equipamentos e a produção de energia.
"Através do revestimento das paredes com soluções térmicas mais eficientes, fazemos com que o edifício tenha menos perdas e consiga reter, durante muito mais tempo, a climatização que desejamos", exemplifica. No caso dos equipamentos, a prioridade deve ser adequá-los às necessidades reais e, por exemplo, trocar esquentadores por bombas de calor. "Colocar painéis solares e partilhar a energia que não é utilizada com os vizinhos é uma opção, e aí falamos das comunidades de energia", aponta. A também fundadora da Cleanwatts, que apoia empresas no aumento da eficiência energética através da implementação de sistemas de gestão, explica que este investimento "posiciona as organizações como verdes e isso traz valor para a sua competitividade, mas também ajuda na redução de custos energéticos".
Para as grandes empresas, em particular aquelas já sujeitas ao reporte de sustentabilidade, comprar ou arrendar espaços que não sejam eficientes está fora de questão. "Hoje, já fazemos uma estimativa do investimento que vai ser necessário [para adaptar] e todo esse valor é descontado ao preço da aquisição", assinala Jorge Bota.
Do lado de quem está no mercado a oferecer soluções para tornar os edifícios mais verdes, como Andreia Carreiro e António Vieira, não há dúvida de que as empresas procuram cada vez mais este apoio. "No caso dos privados, se houver apoios, há uma grande apetência para investir em sistemas eficientes", afiança o responsável da Geoterme.
Esta terça-feira, foi apresentado o estudo "O Mercado Imobiliário Residencial Gama Alta em Portugal – Impactos e Tendências", da Nova SBE em parceria com a Porta dos Fundos – Christie’s, que aponta que a questão da sustentabilidade já afeta os custos da construção nova. Em causa estão "requisitos como eficiência energética e proteção contra catástrofes naturais", mas que, mais do que um custo, "são vistas como necessárias e benéficas a médio e longo prazo".
"O tema da sustentabilidade é cada vez mais importante para os compradores, principalmente no que diz respeito à poupança energética", refere Rafael Ascenso. O fundador e partner da Porta da Frente – Christie’s enumera os equipamentos, os seus consumos e o isolamento térmico como principais fatores que pesam na decisão, ao contrário do que acontece com as águas e esgotos. "Governo após governo, nunca foram introduzidos benefícios que tivessem, de facto, um impacto na preocupação ambiental. Afinal, um apartamento de classe A ou B paga exatamente o mesmo IMI e IMT", acrescenta.
Embora seja difícil apontar valores para os ganhos de eficiência, já que dependem do tipo e da utilização de cada edifício, um estudo da JLL aponta que a implementação de medidas de sustentabilidade pode trazer reduções de 25% a 50% no consumo de energia, 40% nos gastos de água e 70% na produção de resíduos. Para os especialistas ouvidos pelo Jornal de Negócios, há uma certeza: será cada vez mais difícil rentabilizar um edifício que não cumpra as exigências legais em matéria de sustentabilidade, quer para os privados, quer para o segmento comercial.