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Os lobos

No último filme de Martin Scorsese – "O Lobo de Wall Street", uma ópera "pop" sobre os excessos de um corretor de bolsa – a única cena que se dedica a explicar as causas do sucesso da indústria financeira nos últimos 30 anos é protagonizada por Matthew McConaughey, que faz de mentor à personagem do exuberante Leonardo DiCaprio. Nessa cena é explicada a essência da actividade que mais barreiras sociais superou nas últimas décadas nos países desenvolvidos. O diagnóstico é simples: estes profissionais lucram com um mundo virtual, cujo sucesso é inversamente proporcional à eficácia real da sua actividade.


Na prática, cada conselho de investimento que dão deve ser seguido por novo conselho de investimento, impedindo que os ganhos obtidos se tornem reais. Porque se um cliente recolher o fruto desses conselhos – que o próprio perito reconhece que são meros palpites, já que ninguém sabe realmente o que vai acontecer a uma acção, um título ou uma empresa –, os ganhos conseguidos tornam-se realidade. E o objectivo dos corretores é evitar isso mesmo, pelo que é preciso convencer os clientes a reinvestir esses ganhos. Inebriados pelo sucesso virtual, os clientes acedem facilmente perante a perspectiva de acumular fortunas que, na realidade, não existem. Pelo caminho, os corretores ganham milhões em comissões. Quando as "bolhas" rebentam, os ganhos virtuais desaparecem e as comissões, reais, já estão facturadas.

Se a este diagnóstico dramatizado se juntar os níveis reais de crédito associado a esta filosofia de investimento, os objectivos políticos e ideológicos dos protagonistas, a opacidade dos paraísos fiscais e o contágio global desta cultura às políticas dos Estados, percebe-se que a crise que os países como Portugal estão a viver assenta em pressupostos absurdos, por serem artificiais.

Os arautos da austeridade ignoram esta dimensão do problema. O argumento de que não há dinheiro para um Estado social forte assenta nesta falsidade. Como se está a ver na diminuição dos juros da dívida pública de Portugal, que não tem por base índices robustos de recuperação económica. Os juros descem porque os lobos viraram-se para outra capoeira, onde as galinhas estão prestes a andar em círculos, sem cabeça, a debater as virtudes do empobrecimento.

Em vésperas de mais um Fórum Económico Mundial em Davos, a Oxfam publicou um relatório que reforça a fotografia da iniquidade económica global: a riqueza de 1% da população mundial chegou aos 110 triliões de dólares (81 biliões de euros), 65 vezes a riqueza da metade mais pobre do mundo. É esta a força dos lobos.

E o relatório faz propostas para resolver este desequilíbrio: impostos progressivos; evitar usar a riqueza para ter favores políticos; tornar pública a propriedade dos investimentos, usar os impostos para pagar sistemas públicos de saúde, educação e protecção social.

Uma receita que é a antítese dos pressupostos que conduziram as políticas públicas da troika sob o manto falso da austeridade e a desculpa artificializada da falta de dinheiro para os mais pobres.

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