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Os elos mais fracos

Pobreza, desigualdade, equidade. Quando há uns meses os economistas de um conceituado "think tank" europeu se lançaram a contar quantas vezes cada uma destas expressões aparecia mencionada em mais de mil páginas de análises que a Comissão Europeia produziu sobre Portugal nos últimos dois anos, chegaram a uma conclusão expressiva: pobreza, zero; desigualdade, zero; equidade, dez vezes. Quando comparada com mais de mil referências à palavra "orçamental", 0-0-10 é uma cifra clarificadora sobre o grau de preocupação da troika com a necessidade de se manterem níveis de coesão económica e social minimamente aceitáveis em Portugal durante o ajustamento.

 

Os números de pobreza esta semana divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram as consequências da infeliz conjugação da austeridade orçamental com cortes violentos ao nível da protecção social. Em 2012, o ano em que o país foi sujeito a um processo geral de empobrecimento, houve mais 85 mil pessoas atiradas para baixo dos limiares de subsistência. Se usarmos o rendimento de 2009 como referencial, são mais 360 mil pobres num ano.

Na ausência de um reforço dos mecanismos de protecção social que respondam ao dramático problema do desemprego de longa duração (chegou mesmo a ser equacionado um corte no valor mínimo do subsídio de desemprego e do subsídio social de desemprego subsequente), 40% dos desempregados encontravam-se em risco de pobreza.

O cerco montado aos candidatos a rendimento social de inserção, uma prestação atribuída a quem chegou ao fim da linha e já não dispõe de outras fontes de rendimento para se sustentar, tem tradução na intensidade da pobreza, que passou de 24,1% para os 27,3%. E o aperto em tudo o que é prestação social levou a que o contributo das transferências sociais relacionadas com doença, incapacidade, família, desemprego e inclusão contribuíssem cada vez menos para reduzir a pobreza.

Em Portugal, as prestações sociais são eficientes: cirurgicamente desenhadas, têm sido dirigidas a quem mais precisa. A conclusão consta de um estudo de Nuno Alves, e, diz o economista, se não são mais eficazes, é porque os recursos públicos são escassos. É por isso que os cortes não concretizam a falaciosa "ética social na austeridade", vulnerabilizam franjas cada vez maiores da população.

O Governo sabe-o e a prova é que escolheu um grupo social especialmente acarinhado para proteger: os beneficiários de pensões mínimas. Com um pequeno esforço orçamental, aumentando apenas três dos seis escalões de pensões mínimas, a pobreza monetária entre idosos passou de 15,9% para os 12,8%.

Em apenas um ano, a sociedade portuguesa ficou mais desigual, com mais pobres, maior intensidade de pobreza e maior taxa de privação material severa. Em reacção aos números, o primeiro-ministro veio dizer que é preciso proteger os portugueses que não podem dispensar apoios sociais e que é preciso reduzir "as desigualdades e injustiças sociais". O Documento de Estratégia Orçamental será a primeira oportunidade para demonstrá-lo.

Jornalista

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