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DEO, cortes de salários e riscos constitucionais

As duas medidas centrais do documento de estratégia orçamental - cortes salariais e nas pensões - parecem ter sido cinzeladas para influenciar o Tribunal Constitucional nas decisões que tem entre mãos.

 

Espera o Governo que os sinais que deixa para o futuro suscitem a benevolência dos juízes quanto à austeridade que está a ser imposta no presente. Mas, à luz dos acórdãos anteriores, não parece haver muita margem para que os planos saiam de feição ao Executivo, em particular no caso dos salários. 

 

Em traços gerais, entre 2011 e 2013 foram apresentados dois "tipos" de cortes salariais: um base, que todos os anos amputou entre 3,5% a 10% aos funcionários públicos com mais de 1.500 euros brutos; e um subsequente, sobre os subsídios de férias e de Natal (primeiro para tirar ambos, depois o equivalente a um). O corte salarial base foi viabilizado todos os anos pelos juízes com o argumento de que se tratava de uma discriminação tolerável face ao sector privado e de um esforço que os funcionários públicos podiam suportar - até porque era temporário. Contudo, quando a esta redução o Governo quis somar uma segunda (os subsídios), encontrou a oposição dos juízes . Em suma, os juízes entenderam que cortar em média 5% aos salários do Estado é aceitável, mas que ceifar-lhes mais 7%, em média, é já intolerável e discriminatório em relação aos demais cidadãos - seja este adicional temporário ou não.

 

Chegados a 2014, o Governo abandona a ideia de mexer nos subsídios, mas amplia substancialmente os cortes que remontam ao tempo de José Sócrates. A austeridade passou a afectar muito mais gente - salários de 675 euros brutos em diante - e a aplicar taxas que, em muitos casos, mais do que duplicam o esforço dos funcionários públicos. 

 

Tomemos, por exemplo, um salário de 2.000 euros brutos em 2010. Com as primeiras reduções este funcionário público passou a ganhar 1.930 euros brutos de 2011 em diante. Se em 2013 os juízes tivessem viabilizado o corte no subsídio de férias, este salário teria encolhido novamente para os 1.792 euros (coisa que os juízes consideraram intolerável). Este ano, com os cortes que estão em apreciação no TC, o mesmo funcionário ganha 1.760 euros. Significa isto que há trabalhadores do Estado que estão a perder mais dinheiro do que o que teriam perdido em 2013 se o Constitucional não tivesse intervindo. Se a isto ainda somarmos as reduções remuneratórias que resultam do aumento da ADSE e do horário de trabalho, facilmente se conclui que o esforço que este ano está a ser exigido à função pública está bem para lá do que no ano passado foi declarado inconstitucional. 

 

A promessa do Governo de que estamos perante uma situação transitória e que os salários serão repostos a 20% ao ano de 2015 em diante apela para uma espécie de apreciação da constitucionalidade a crédito. Mas, antes disso, há que avaliar a situação material em que foram deixados mais de 600 mil funcionários este ano. E entre um presente certo e um futuro incerto, não parecem restar grandes alternativas aos juízes.

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