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Como se paga a descida do IRC? (pergunta o FMI)

Sabemos já por experiência própria que a acção do FMI cumpre dois objectivos essenciais: assegurar que os países sob um programa de assistência ajustam os seus desequilíbrios externos e garantir que os seus interesses de credor estão devidamente acautelados. Sabemos também que questões como a equidade, distribuição de sacrifícios ou a função social dos impostos são laterais nas grelhas analíticas do Fundo. Por isso, quando vemos a instituição a alertar para os riscos da reforma do IRC, uma medida que até se inscreve no seu ideário, é razão acrescida para ficarmos alerta.

Ao contrário de boa parte dos comentadores que vêm manifestando reservas sobre a reforma, o FMI não mostra preocupação com o contexto social e económico em que o Governo resolve descer selectivamente impostos, nem se apoquenta com o facto de poderem vir a ser exigidos mais sacrifícios às famílias para a pagar. Mas quer garantias de que a perda de receita fiscal vai ser compensada com outras medidas, o que é o mesmo que dizer que não acredita que o pacote seja a poção mágica que se apregoa. 


Embora a reforma do IRC faça parte das linhas programáticas dos partidos da coligação, ela só apareceu na agenda pública no final de 2012, curiosamente numa altura em que Álvaro Santos Pereira sugeria uma taxa de 10% para novos investimentos. De então para cá, o Governo tem descrito os seus efeitos com grande empolgamento mas pouca precisão numérica. Foi só na semana passada, e depois de muita insistência de jornalistas e partidos da oposição, que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi directo ao assunto: "Pode haver um ganho na ordem dos 30% no investimento estrangeiro num prazo de três a cinco anos. Estima-se que, em resultado da Reforma do IRC, o PIB possa crescer entre 2% e 3% em termos acumulados", adiantou em entrevista ao jornal "Público".

O FMI parece, contudo, ter algumas reservas. E, por isso, lançou três alertas no relatório da oitava e nona avaliações ao programa português.

Um é que o Governo seja "prudente" ao estimar os impactos da reforma no crescimento e no emprego. Outro é para lembrar que são as empresas de sectores não transaccionáveis, menos expostas à concorrência, quem mais deverá beneficiar dos alívios fiscais. O terceiro é para recomendar "cautela" nas contas, porque a margem orçamental é estreita.

O FMI sabe que por detrás dos 70 milhões de euros de custo que o Governo aponta para 2014 se esconde uma factura bem mais gorda em 2015 e daí em diante. E desconfia que os efeitos dinâmicos de que o Executivo fala (impostos mais baixos tornam as empresas mais competitivas, libertam recursos para o investimento e atraem novo investimento, gerando a própria medida um efeito positivo na economia) sejam suficientes para cobrir o buraco orçamental que se perspectiva no curto prazo.

Por isso, Washington quer ver a lista de medidas substitutivas para 2015 – em bom português, quer saber como a reforma se paga. O interesse do FMI é o de credor. O nosso é o de cidadãos e contribuintes.

* Jornalista

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