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Tiago Freire tiagofreire@negocios.pt 10 de Outubro de 2017 às 23:00

O lento degelo das carreiras

É uma das mais profundas trincheiras nas quais se disputa a relação de forças e a longevidade da geringonça. A função pública nas suas várias vertentes, mas com um foco mais carregado no descongelamento das carreiras.

Percebe-se a exigência sindical e a pressão das forças mais à esquerda. A progressão na função pública está congelada há demasiado tempo e esta é uma questão com um impacto directo e relevante no bolso dos trabalhadores, uma bandeira que pode ser hasteada bem alto como uma conquista dos tempos políticos que vivemos.

O Governo e os seus parceiros parlamentares concordam no princípio, divergem no ritmo do descongelamento. Aquele defende uma solução faseada, pelo custo elevado que tem para o Orçamento, estes últimos acham que o Governo está a desconversar (como na legislação laboral) e insistem na rapidez. Até porque a solução governativa parece sólida, mas mais vale encaixar os ganhos, não vá o diabo tecê-las.

Quanto a este degelo, a qualquer um dos ritmos, é inevitável fazê-lo, e é justo que se faça. Os funcionários públicos têm a legítima expectativa jurídica e política de que tal aconteça, visto estarem perante uma suspensão de efeitos, e não o fim da progressão. Espera-se que a versão mais paulatina do Governo acabe por vingar, porque de contrário lá vai Mário Centeno puxar da criatividade para inventar mais uns impostos daqueles "que não se sentem".

Mas há uma discussão muito mais importante do que esta, e que nem sequer o Governo anterior - que malhou na função pública - conseguiu fazer com consequência. É a própria questão das progressões. Não falo do passado, dos direitos adquiridos. Falo do futuro e do próprio conceito destas progressões. A subida na carreira - e correspondentemente de nível remuneratório - tem de deixar de ter o decurso do tempo como elemento estruturante. O passar do tempo é um facto da vida, não algo que, por si, mereça um prémio. Não deve desaparecer, mas deve ser claramente menos importante do que coisas óbvias como a qualidade e a qualificação dos funcionários ou até a necessidade que deles o Estado tem. O país não precisa tanto de jardineiros como de enfermeiros, por exemplo.

Uma profunda e verdadeira reestruturação das carreiras e dos seus critérios de progressão e a implementação de um sistema de avaliação sério seriam das reformas estruturais mais importantes que poderíamos fazer. O Governo sabe bem disso, mas deixou cair o assunto por falta das famigeradas "condições políticas" para o fazer. Entende-se, mas o país não pode deixar de o lamentar.
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